Eis um post que deveria ter sido publicado há muito, mas que aparece só agora.
Acontece.
Afinal, o que é o "mercado"?
Se pararmos uma pessoa na rua para perguntar-lhe o que é a economia, esta pode ser a resposta:
Dado que o assunto é muito maltratado, pode ser boa ideia fazer um pouco de ordem e não apenas adicionar mais uma opinião que pode não ajudar o Leitor a compreender o tema. Mas, claro está, neste caso é preciso alguém que conheça o assunto...
- Boa tarde Leonardo.
- Boa tarde para ti e para todos os infelizes Leitores destes blog miserável.
- Obrigado Leo, acabaste a comida?
- Sim e era uma porcaria.
- Muito bem. Olha Leo, como único cão que percebe de economia, podes explicar o que é o mercado?
- E, primeiro lugar, não só o único cão que trata de assuntos económicos. A seguir: o mercado é o lugar onde podemos comprar fruta fresca.
- Não aquele mercado, o outro.
- Tudo bem. Mas isso é mais complicado. Seja como for: contrariamente ao que acontece com os cães, um homem sozinho não é auto-suficiente. Como raça inferior qual é, um homem seria obrigado a trabalhar 18 horas por dia para conseguir comida, roupas, abrigo e tudo o resto, levaria uma vida miserável feita de pobreza. Por isso precisa de cooperação, de divisão do trabalho e especialização, todas coisas que permitem um aumento significativo no padrão de vida. Entendes?
- Sim.
- Esquisito. Mas quando as pessoas produzem cada uma só um bem ou um serviço, aparece a necessidade de compartilhar ou trocar os frutos do próprio trabalho: o sapateiro não saberia o que fazer com uma centena de pares de sapatos. É por isso que os cães não usam calçados.
- Nunca tinha pensado nisso.
- Pois, não me admira. É precisa a actividade de troca, e este é o mercado.
- Mas Leo, no mercado não há apenas trocas, é preciso o dinheiro.
- Minha Nossa Senhora dos Sagrados Ossos, quanto és ignorante. O dinheiro nada mais seria, em origem, do que um precioso instrumento para facilitar o comércio: o dinheiro é apenas um símbolo convencional, que funciona como uma unidade de valor (em relação aos bens e serviços trocados), cuja utilização é a promessa de retribuir o bem ou o serviço recebido com outros bens ou serviços de valor igual. O dinheiro não tem valor em si, tem valor unicamente num mercado onde é reconhecido.
- Eh?
- Olha, deixa o dinheiro, continuemos com o mercado e pensa nisso: a partir desta situação básica, é lógico que haja desenvolvimentos. Por exemplo, admite-se que algumas pessoas não tenham que estar envolvidas na produção, mas tenham que distribuir os produtos que outros produzem, pois este é o fim do comércio. Depois há algumas pessoas que se encarregam de guardar o dinheiro, para não deixá-lo inutilizado mas para usá-lo de forma eficaz, sendo esta a razão por trás da existência dos bancos.
- Espera, espera...então algumas pessoas não têm que trabalhar?
- Trabalham, mas a actividade deles não é a produção, é a distribuição, percebes? O sapateiro poderia produzir 100 pares de sapatos e depois distribui-los, mas isso custaria tempo, dinheiro e fadiga. Melhor deixar esta tarefa para alguém mais especializado, que faça disso a actividade principal. Assim, o sapateiro poupa tempo e pode criar outros sapatos.
- E os bancos? Os bancos são malandros...
- Os bancos são malandros agora, na actual sociedade, mas em origem a ideia não era mal: porque raio viajar com tantos ossos, sempre com o risco que apareça um cão malcriado que tenta roubar todos os nossos ossos que temos conseguido com tanta fadiga e trabalho?
- Leo, nós não guardamos ossos...
- Tanto faz, ossos ou dinheiro é o mesmo. Alias, os ossos são melhores pois é possível roer-los. Mas está tudo claro até agora?
- Sim, acho que sim...
- Muito bem. Importa-te de coçar-me aqui, atrás da orelha?
- Já está. Então é normal que num mercado algumas pessoas não se dediquem ao trabalho de produção mas façam outras coisas.
- Isso mesmo. E olha que esta não é uma novidade dos tempos modernos: o comércio existiu desde o princípio da vossa civilização, já na Pré-História havia pessoas que percorriam centenas ou até milhares de quilómetros para trocar bens que não eram produzidos por eles.
- Mas Leo, este é um tipo de mercado muito básico.
- Básico és tu com o teu blog: é disso que surgem os lugares que hoje chamamos Bolsas. Surgem da necessidade das empresas encontrarem recursos para novos produtos, novos meios de produção e expansão dos negócios, que combina bem com a necessidade dos trabalhadores de poupar quanto ganharam com o trabalho. É o encontro entre esses duas situações que cria a Bolsa: as empresas emitem acções para financiar a compra de materiais ou instrumentos de produção, enquanto quem poupou (os investidores) não querem apenas guardar estaticamente o dinheiro mas tentam que este possa trazer benefícios também quando não for utilizado.
- Ó Leo, isso é muito complicado...
- Santa paciência...então pensa: tu és sapateiro...
- Não sou sapateiro, o meu avô era sapateiro.
- Cala-te, faz de conta. Tu és sapateiro e produziste 100 sapatos com os quais ganhaste 100 Euros. Agora, com estes 100 Euros compras o material para produzir outros 100 sapatos, mais comida e roupa para ti.
- Posso ir ao cinema também?
- Podes. Uma vez comprado tudo e satisfeitas as tuas necessidades, sobram 20 Euros. O que fazes com estes 20 Euros?
- Volto ao cinema.
- Mas não, imbecil, estás farto de cinema. Agora, tens duas possibilidades: podes guardar o dinheiro debaixo do colchão ou podes tentar que este dinheiro que sobrou consiga alguns benefícios extra.
- E como?
- Entras na Bolsa e encontras uma empresa que quer comprar uma nova máquina para produzir mais bolachas de chocolate.
- Gosto de bolachas de chocolate.ao vamos por aí agora.
- Ainda bem. Então que faz a empresa? Emite as acções, que na prática são o seguinte: tu, sapateiro, compras as minhas acções com os 25 Euros, eu recebo o dinheiro e dou-te este papel (a acção) com o qual empenho-me a devolver-te o dinheiro (os 25 Euros) após uns tempos mais uma percentagem de ganho.
- Ah...
- Assim, o teu dinheiro não fica guardado e estático, mas consegue mais alguns benefícios enquanto não utilizado directamente por ti na produção de sapatos ou na satisfação das tuas necessidades. Mais: ao guardar o dinheiro debaixo do colchão há sempre a possibilidade de entrar um ladrão em casa e roubar tudo.
- Ahi que medo...
- Mais importante ainda: o dinheiro guardado debaixo do colchão sofre dos efeitos da inflação, perde valor com o tempo..
- Bah, dito assim este mercado não parece tão mal.
- E não é. Mas é importante realçar que aqui falamos dum mercado básico com uma forte ligação com a realidade, com as pessoas da vida real, com as suas actividades e as suas necessidades: por esta razão o senso comum reconhece um valor ao mercado nestes moldes.
- Mas este não é o mercado que podemos ver nestes tempos...
- Não, não é. Mas o que interessa aqui é tentar formular uma definição de mercado, de economia um pouco diferente do puramente "emocional", fruto do estado da nossa sociedade.
- Isso é complicado. Hoje as pessoas vêem o mercado como "mau", a economia parece uma ciência má que cria ricos e pobres.
- Isso acontece porque o mercado está actualmente fora de controle e substituiu alguns valores que deveriam sempre constituir a base de todas as sociedades. Mas não vamos por aí agora.
- Não vamos?
- Não. Pelo contrário, tentamos individuar alguns pontos importante da ideia de mercado e de economia.
- "Tentemos", não "Tentamos".
- Eu sou cão e falo como me apetece.
- Desculpa.
- O primeiro ponto a especificar é que a economia não é uma ciência, pois envolve o comportamento humano que é livre e não automatizado, portanto, confrontados com a mesma situação, diferentes pessoas reagem de formas diferentes. Não é, portanto, uma ciência exacta, mas uma disciplina a meio caminho entre ciência e arte.
- Ohhh...
- Pois. O segundo ponto e mais importante ainda diz respeito ao objectivo desta disciplina, que se destina a satisfazer as necessidades materiais dos seres humanos para dar-lhes uma vida decente.
- Como assim?
- Max, devemos lembrar que a verdadeira riqueza é constituída pelos bens de que precisamos e não pelos pedaços de papel (o dinheiro) que utilizamos convencionalmente para o comércio. Se eu estivesse num deserto, onde não há água, eu poderia ter todo o dinheiro do mundo mas trocaria tudo por um copo de água para saciar minha sede.
- Desculpa, mas sendo tão rico não poderias ter comprado uma lata de Coca-Cola antes?
- Minha Nossa, dê-me a força...olha Max, foi um acidente, o avião caiu e fiquei sem nada.
- Ah, tá bom...
- Portanto, o objectivo da economia não é "fazer dinheiro", mas produzir os bens e os serviços necessários para a vida humana, tornando-os disponíveis para todos.
- Parece-me bem.
- Dado que o abastecimento de matérias-primas e de energia, tal como a produção de bens e de serviços, são considerados de responsabilidade da indústria e da tecnologia, a economia fica com a responsabilidade de organizar o trabalho, com o objectivo de garantir a satisfação das necessidades básicas, para conseguir uma vida decente.
- Ohhhh...
- Não percebeste?
- Não.
- Olha, é simples: a tecnologia, por exemplo, tem a tarefa de encontrar recursos, as matérias primas, e de conseguir melhorar os processos de produção. A economia, pelo contrário, não tem que procurar matérias primas, que é tarefa da tecnologia: a economia tem que produzir bens sem desperdiçar os recursos, promover actividades que façam subir o nível de vida e distribuir a riqueza de forma mais ampla e equitativa possível.
- "Distribuir a riqueza"? A economia?
- Com certeza. Repito, Max, não considerar a sociedade degenerada na qual vivemos, aqui estamos a falar os princípios, das ideias originais. Do que deveriam ser a economia e o mercado. E repara: o último ponto, a distribuição da riqueza, deveria ter como palco o mercado.
- Parece o contrário do que acontece na realidade.
- Exacto. O mercado nasce como ferramenta típica (embora não única) para a troca e a partilha dos frutos do trabalho de todos.
- E os preços? Quem estabelece os preços no mercado?
- O preço das mercadorias, em teoria, deveria depender da capacidade do fabricante de forma mais simples e eficiente, assim como a competição deveria ser o sistema que permite seleccionar os melhores fabricantes: se o comprador, para um mesmo produto, comprar aquele com o menor preço, terá adquirido um produto conseguido com menos desperdício, feito da maneira mais económica.
- Mas Leo, tu acreditas no Capitalismo do rosto humano!
- Capitalismo? Meu caro Max, aqui estamos a falar de coisas que nasceram séculos, em qualquer casos milhares de anos antes de ideias como o Capitalismo ou o Comunismo. Estas são rotulagens utilizadas pelos bípedes para tentar justificar determinadas opções políticas e económicas também. Sabes, mesmo perto donde moramos, em Palmela, houve na Pré-História um estilo próprio para fabricar pratos. Estes pratos foram encontrados em muitas localidades europeias: isso significa que já na altura havia pessoas que fabricavam mais pratos do que era necessário, vendiam os pratos e outras pessoas percorriam milhares de quilómetros para vende-los em localidades longínquas.
- Ahe?
- Com certeza: já na altura havia trocas, comércio. Pensa nisso: porque uma pessoa da França pré-histórica deveria ter comprado um prato produzido em Portugal? Não existiam já suficientes problemas na altura? Não havia ninguém na França capaz de produzir um prato?
- Bom, se calhar não, sendo Franceses...
- Havia, Max, havia. Trocar, viajar, ter coisas diferentes, ter coisas que vão além da mera sobrevivência, são aspectos que fazem parte da alma dos bípedes. Deixa o Capitalismo ou o Comunismo: aqui falemos da natureza humana, de como o Homem foi desde sempre. Negar isso significa negar toda a História e a Pré-História.
- E os cães?
- Os cães são muito mais inteligentes, por isso adoptaram os humanos.
(Em breve a segunda parte da entrevista com o nobre Leonardo)
Ipse dixit.
Acontece.
Afinal, o que é o "mercado"?
Se pararmos uma pessoa na rua para perguntar-lhe o que é a economia, esta pode ser a resposta:
A ciência que tem como objectivo ganhar dinheiro, tanto quanto possível.Esta frase, que consegue juntar um número incrível de erros e distorções em apenas quatro palavras, infelizmente descreve bem a realidade dos chamados "mercados" que tanto influenciam as nossas vidas.
Dado que o assunto é muito maltratado, pode ser boa ideia fazer um pouco de ordem e não apenas adicionar mais uma opinião que pode não ajudar o Leitor a compreender o tema. Mas, claro está, neste caso é preciso alguém que conheça o assunto...
- Boa tarde Leonardo.
- Boa tarde para ti e para todos os infelizes Leitores destes blog miserável.
- Obrigado Leo, acabaste a comida?
- Sim e era uma porcaria.
- Muito bem. Olha Leo, como único cão que percebe de economia, podes explicar o que é o mercado?
- E, primeiro lugar, não só o único cão que trata de assuntos económicos. A seguir: o mercado é o lugar onde podemos comprar fruta fresca.
- Não aquele mercado, o outro.
- Tudo bem. Mas isso é mais complicado. Seja como for: contrariamente ao que acontece com os cães, um homem sozinho não é auto-suficiente. Como raça inferior qual é, um homem seria obrigado a trabalhar 18 horas por dia para conseguir comida, roupas, abrigo e tudo o resto, levaria uma vida miserável feita de pobreza. Por isso precisa de cooperação, de divisão do trabalho e especialização, todas coisas que permitem um aumento significativo no padrão de vida. Entendes?
- Sim.
- Esquisito. Mas quando as pessoas produzem cada uma só um bem ou um serviço, aparece a necessidade de compartilhar ou trocar os frutos do próprio trabalho: o sapateiro não saberia o que fazer com uma centena de pares de sapatos. É por isso que os cães não usam calçados.
- Nunca tinha pensado nisso.
- Pois, não me admira. É precisa a actividade de troca, e este é o mercado.
- Mas Leo, no mercado não há apenas trocas, é preciso o dinheiro.
- Minha Nossa Senhora dos Sagrados Ossos, quanto és ignorante. O dinheiro nada mais seria, em origem, do que um precioso instrumento para facilitar o comércio: o dinheiro é apenas um símbolo convencional, que funciona como uma unidade de valor (em relação aos bens e serviços trocados), cuja utilização é a promessa de retribuir o bem ou o serviço recebido com outros bens ou serviços de valor igual. O dinheiro não tem valor em si, tem valor unicamente num mercado onde é reconhecido.
- Eh?
- Olha, deixa o dinheiro, continuemos com o mercado e pensa nisso: a partir desta situação básica, é lógico que haja desenvolvimentos. Por exemplo, admite-se que algumas pessoas não tenham que estar envolvidas na produção, mas tenham que distribuir os produtos que outros produzem, pois este é o fim do comércio. Depois há algumas pessoas que se encarregam de guardar o dinheiro, para não deixá-lo inutilizado mas para usá-lo de forma eficaz, sendo esta a razão por trás da existência dos bancos.
- Espera, espera...então algumas pessoas não têm que trabalhar?
- Trabalham, mas a actividade deles não é a produção, é a distribuição, percebes? O sapateiro poderia produzir 100 pares de sapatos e depois distribui-los, mas isso custaria tempo, dinheiro e fadiga. Melhor deixar esta tarefa para alguém mais especializado, que faça disso a actividade principal. Assim, o sapateiro poupa tempo e pode criar outros sapatos.
- E os bancos? Os bancos são malandros...
- Os bancos são malandros agora, na actual sociedade, mas em origem a ideia não era mal: porque raio viajar com tantos ossos, sempre com o risco que apareça um cão malcriado que tenta roubar todos os nossos ossos que temos conseguido com tanta fadiga e trabalho?
- Leo, nós não guardamos ossos...
- Tanto faz, ossos ou dinheiro é o mesmo. Alias, os ossos são melhores pois é possível roer-los. Mas está tudo claro até agora?
- Sim, acho que sim...
- Muito bem. Importa-te de coçar-me aqui, atrás da orelha?
- Já está. Então é normal que num mercado algumas pessoas não se dediquem ao trabalho de produção mas façam outras coisas.
- Isso mesmo. E olha que esta não é uma novidade dos tempos modernos: o comércio existiu desde o princípio da vossa civilização, já na Pré-História havia pessoas que percorriam centenas ou até milhares de quilómetros para trocar bens que não eram produzidos por eles.
- Mas Leo, este é um tipo de mercado muito básico.
- Básico és tu com o teu blog: é disso que surgem os lugares que hoje chamamos Bolsas. Surgem da necessidade das empresas encontrarem recursos para novos produtos, novos meios de produção e expansão dos negócios, que combina bem com a necessidade dos trabalhadores de poupar quanto ganharam com o trabalho. É o encontro entre esses duas situações que cria a Bolsa: as empresas emitem acções para financiar a compra de materiais ou instrumentos de produção, enquanto quem poupou (os investidores) não querem apenas guardar estaticamente o dinheiro mas tentam que este possa trazer benefícios também quando não for utilizado.
- Ó Leo, isso é muito complicado...
- Santa paciência...então pensa: tu és sapateiro...
- Não sou sapateiro, o meu avô era sapateiro.
- Cala-te, faz de conta. Tu és sapateiro e produziste 100 sapatos com os quais ganhaste 100 Euros. Agora, com estes 100 Euros compras o material para produzir outros 100 sapatos, mais comida e roupa para ti.
- Posso ir ao cinema também?
- Podes. Uma vez comprado tudo e satisfeitas as tuas necessidades, sobram 20 Euros. O que fazes com estes 20 Euros?
- Volto ao cinema.
- Mas não, imbecil, estás farto de cinema. Agora, tens duas possibilidades: podes guardar o dinheiro debaixo do colchão ou podes tentar que este dinheiro que sobrou consiga alguns benefícios extra.
- E como?
- Entras na Bolsa e encontras uma empresa que quer comprar uma nova máquina para produzir mais bolachas de chocolate.
- Gosto de bolachas de chocolate.ao vamos por aí agora.
- Ainda bem. Então que faz a empresa? Emite as acções, que na prática são o seguinte: tu, sapateiro, compras as minhas acções com os 25 Euros, eu recebo o dinheiro e dou-te este papel (a acção) com o qual empenho-me a devolver-te o dinheiro (os 25 Euros) após uns tempos mais uma percentagem de ganho.
- Ah...
- Assim, o teu dinheiro não fica guardado e estático, mas consegue mais alguns benefícios enquanto não utilizado directamente por ti na produção de sapatos ou na satisfação das tuas necessidades. Mais: ao guardar o dinheiro debaixo do colchão há sempre a possibilidade de entrar um ladrão em casa e roubar tudo.
- Ahi que medo...
- Mais importante ainda: o dinheiro guardado debaixo do colchão sofre dos efeitos da inflação, perde valor com o tempo..
- Bah, dito assim este mercado não parece tão mal.
- E não é. Mas é importante realçar que aqui falamos dum mercado básico com uma forte ligação com a realidade, com as pessoas da vida real, com as suas actividades e as suas necessidades: por esta razão o senso comum reconhece um valor ao mercado nestes moldes.
- Mas este não é o mercado que podemos ver nestes tempos...
- Não, não é. Mas o que interessa aqui é tentar formular uma definição de mercado, de economia um pouco diferente do puramente "emocional", fruto do estado da nossa sociedade.
- Isso é complicado. Hoje as pessoas vêem o mercado como "mau", a economia parece uma ciência má que cria ricos e pobres.
- Isso acontece porque o mercado está actualmente fora de controle e substituiu alguns valores que deveriam sempre constituir a base de todas as sociedades. Mas não vamos por aí agora.
- Não vamos?
- Não. Pelo contrário, tentamos individuar alguns pontos importante da ideia de mercado e de economia.
- "Tentemos", não "Tentamos".
- Eu sou cão e falo como me apetece.
- Desculpa.
- O primeiro ponto a especificar é que a economia não é uma ciência, pois envolve o comportamento humano que é livre e não automatizado, portanto, confrontados com a mesma situação, diferentes pessoas reagem de formas diferentes. Não é, portanto, uma ciência exacta, mas uma disciplina a meio caminho entre ciência e arte.
- Ohhh...
- Pois. O segundo ponto e mais importante ainda diz respeito ao objectivo desta disciplina, que se destina a satisfazer as necessidades materiais dos seres humanos para dar-lhes uma vida decente.
- Como assim?
- Max, devemos lembrar que a verdadeira riqueza é constituída pelos bens de que precisamos e não pelos pedaços de papel (o dinheiro) que utilizamos convencionalmente para o comércio. Se eu estivesse num deserto, onde não há água, eu poderia ter todo o dinheiro do mundo mas trocaria tudo por um copo de água para saciar minha sede.
- Desculpa, mas sendo tão rico não poderias ter comprado uma lata de Coca-Cola antes?
- Minha Nossa, dê-me a força...olha Max, foi um acidente, o avião caiu e fiquei sem nada.
- Ah, tá bom...
- Portanto, o objectivo da economia não é "fazer dinheiro", mas produzir os bens e os serviços necessários para a vida humana, tornando-os disponíveis para todos.
- Parece-me bem.
- Dado que o abastecimento de matérias-primas e de energia, tal como a produção de bens e de serviços, são considerados de responsabilidade da indústria e da tecnologia, a economia fica com a responsabilidade de organizar o trabalho, com o objectivo de garantir a satisfação das necessidades básicas, para conseguir uma vida decente.
- Ohhhh...
- Não percebeste?
- Não.
- Olha, é simples: a tecnologia, por exemplo, tem a tarefa de encontrar recursos, as matérias primas, e de conseguir melhorar os processos de produção. A economia, pelo contrário, não tem que procurar matérias primas, que é tarefa da tecnologia: a economia tem que produzir bens sem desperdiçar os recursos, promover actividades que façam subir o nível de vida e distribuir a riqueza de forma mais ampla e equitativa possível.
- "Distribuir a riqueza"? A economia?
- Com certeza. Repito, Max, não considerar a sociedade degenerada na qual vivemos, aqui estamos a falar os princípios, das ideias originais. Do que deveriam ser a economia e o mercado. E repara: o último ponto, a distribuição da riqueza, deveria ter como palco o mercado.
- Parece o contrário do que acontece na realidade.
- Exacto. O mercado nasce como ferramenta típica (embora não única) para a troca e a partilha dos frutos do trabalho de todos.
- E os preços? Quem estabelece os preços no mercado?
- O preço das mercadorias, em teoria, deveria depender da capacidade do fabricante de forma mais simples e eficiente, assim como a competição deveria ser o sistema que permite seleccionar os melhores fabricantes: se o comprador, para um mesmo produto, comprar aquele com o menor preço, terá adquirido um produto conseguido com menos desperdício, feito da maneira mais económica.
- Mas Leo, tu acreditas no Capitalismo do rosto humano!
- Capitalismo? Meu caro Max, aqui estamos a falar de coisas que nasceram séculos, em qualquer casos milhares de anos antes de ideias como o Capitalismo ou o Comunismo. Estas são rotulagens utilizadas pelos bípedes para tentar justificar determinadas opções políticas e económicas também. Sabes, mesmo perto donde moramos, em Palmela, houve na Pré-História um estilo próprio para fabricar pratos. Estes pratos foram encontrados em muitas localidades europeias: isso significa que já na altura havia pessoas que fabricavam mais pratos do que era necessário, vendiam os pratos e outras pessoas percorriam milhares de quilómetros para vende-los em localidades longínquas.
- Ahe?
- Com certeza: já na altura havia trocas, comércio. Pensa nisso: porque uma pessoa da França pré-histórica deveria ter comprado um prato produzido em Portugal? Não existiam já suficientes problemas na altura? Não havia ninguém na França capaz de produzir um prato?
- Bom, se calhar não, sendo Franceses...
- Havia, Max, havia. Trocar, viajar, ter coisas diferentes, ter coisas que vão além da mera sobrevivência, são aspectos que fazem parte da alma dos bípedes. Deixa o Capitalismo ou o Comunismo: aqui falemos da natureza humana, de como o Homem foi desde sempre. Negar isso significa negar toda a História e a Pré-História.
- E os cães?
- Os cães são muito mais inteligentes, por isso adoptaram os humanos.
(Em breve a segunda parte da entrevista com o nobre Leonardo)
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