Pelos comentários vejo que há um pouco de confusão acerca da ideia de OGM.
Vamos esclarecer? E vamos.
Para começar: o termo OGM não é utilizado pela comunidade científica, sendo uma expressão apenas dos meios de comunicação. Na verdade existem muitas maneiras de manipular (isso é: modificar) o património genético dum ser vivo.
Um pouco de história
O homem manipula o património genético de outros seres vivos há séculos: o trigo normalmente utilizado pela produção de pão pouco tem a ver com a mesma planta que existia em Natureza. O código genético do trigo foi alterado pelos agricultores, com a selecção, a hibridação: um processo que necessitou de muito tempo mas que deu bons frutos.
O mesmo se passou com algumas espécie animais: o mulo é outro exemplo clássico, sendo o produto estéril (tem 63 cromossomas) do cruzamento dum burro (macho) e duma égua.
Esta é manipulação genética, pois o Homem modificou os genes duma planta ou dum animal, segundo padrões não naturais (isso é, com uma combinação não presente em Natureza). E, como vimos, é uma técnica muito antiga.
O primeiro OGM moderno foi obtido em 1973 por Stanley Norman Cohen, da Escola de Medicina da Universidade de Stanford, e Herbert Boyer, da Universidade da Califórnia (San Francisco). Os dois investigadores, graças à utilização combinada de novas técnicas de biologia molecular que estavam a ser desenvolvidas em vários laboratórios, conseguiram clonar um gene de rã dentro da bactéria Escherichia coli, o que demonstra que foi possível transferir material genético de um organismo para outro através do uso de vectores plasmídicos, capazes de auto-replicação, quebrando as barreiras feitas de específica da espécie.
Estes resultados tiveram um impacto tão grande que induziram a comunidade científica a impor em
1974 uma moratória internacional sobre o uso da tecnologia do DNA recombinante para avaliar a nova tecnologia e os seus possíveis riscos.
No ano seguinte, na conferência de Asilomar realizada em Pacific Grove (California), foi concluído que os experimentos do DNA recombinante poderiam proceder, desde que respeitando as rígidas directrizes elaborados pelos Institutos Nacionais de Saúde (NIH ) e aceites pela comunidade científica. Estas directrizes, publicadas pela primeira vez em 1976 ainda são seguidas mas posteriormente foram actualizadas.
Desde 1976 OGM passaram de mera possibilidade tecnológica para a realidade. O primeiro produto comercial derivado de um OGM foi da empresa Genentech, fundada por Herbert Boyer, capaz de produzir através do E. coli proteínas recombinantes humanas: a somatostatina em 1977 e a insulina em 1978 (então, mas os OGM não eram maus?).
Logo após o desenvolvimento da insulina recombinante, houve a primeira batalha, nos Estados Unidos, sobre a libertação deliberada no ambiente de organismos geneticamente modificados. O debate centrou-se no teste dos chamados bactérias ice-minus (que, paradoxalmente, depois foi descoberto existir também em Natureza).
E os problemas cresceram: o sector privado concentrou-se cada vez mais na vertente OGM com as consequências que todos conhecemos. Em 2003, em Taiwan, foram vendidos os primeiros animais OGM para utilização domestica: peixes de aquário fluorescentes. O Homem tem uma incrível capacidade para estragar tudo.
OGM? Não, Transgénicos
Dúvida: mas a manipulação antiga, aquela feita pelos criadores por exemplo, era "natural", feita respeitando as leis básicas da Natureza.
Resposta: não, não tem nada de "natural".
Os que conhecem os cães bem sabem dos efeitos negativos que algumas raças sofrem por causa destas manipulação: as doenças genéticas estão no primeiro lugar e não por acaso estão mais presentes nas raças oficialmente reconhecidas. Os cruzamentos efectuados pelo Homem têm como finalidade não apenas criar (coisa que em Natureza poderia ocasionalmente acontecer) mas também perpetrar uma espécie modificada que em condições naturais não existiria ou, pelo menos, não se reproduziria com as mesmas características.
Portanto, o trigo ou um mulo são produtos OGM (produtos geneticamente modificados)? Sim, são,
pois o património deles foi manipulado (modificado) artificialmente.
A verdade é que a manipulação genética sempre acarreta riscos. Mas também pode trazer mais valias: é o caso do já citado trigo modificado na antiguidade, que permitiu ter mais colheitas e de qualidade melhor.
E os últimos OGM, os mais modernos, como aqueles da Monsanto?
Como vimos, o termo OGM é utilizado nos meios de comunicação de forma incorrecta (e neste texto também, até aqui): a expressão correcta deveria ser "organismos transgénicos". Não é um pormenor, a diferencia é substancial:
- um OGM é um ser vivente que possui um património genético alterado com a eliminação ou a modificação de elementos genéticos.
- um organismo transgénico é um ser vivente cujo património genético foi alterado com a introdução de genes de espécies diferentes.
Na verdade haveria também os organismos cisgénicos, nos quais o melhoramento da espécie (obtido com a inserção de genes da mesma espécie) é tornado mais rápido com técnicas de laboratório. Mas podemos considera-lo sempre como OGM por comodidade (afinal os novos genes são da mesma espécie).
Problemas, sempre problemas...
Qual o problema em tudo isso? Os problemas existem e não são poucos.
- Há um problema ético: se a Natureza criou espécies que não podem cruzar-se, é justo que seja o Homem a fazê-lo?
- Há os problemas de saúde: quais são os efeitos de médio-longo prazo destes organismos transgénicos na cadeia alimentar? Podemos ter a certeza de que as empresas privadas sejam escrupolosas na comercialização de organismos transgénicos, mesmo que isso possa significar um lucro menor ou simplesmente adiado?
- Há os problemas ligados ao ambiente: qual será a atitude dos organismos transgénicos uma vez em contacto com o meio-ambiente?
- Há os problemas económicos: quais serão as consequências no mundo da agricultura onde os organismos transgénicos entram em concorrência com as técnicas tradicionais?
O mais grave, actualmente, é o problema ligado à saúde.
Um organismo transgénico precisa de ser estudado ao longo de gerações antes de poder defini-lo como "inofensivo". Mas sabemos que as empresas privadas querem o lucro e em tempos rápidos. Isso significa falta de transparência, estudos incompletos, dúvidas que aumentam perante as pesquisas efectuadas por laboratórios independentes (mas bem preparados).
E, como vimos, este é apenas um dos problemas que os organismos transgénicos implicam.
É isso o que acontece quando uma área excepcionalmente delicado é entregue ao exclusivo sabor das empresas privadas e, consequentemente, do "livre mercado".
E se...?
Porque na verdade a ideia dos transgénicos poderia não ser tão negativa.
O Homem começou com a selecção das plantas, mas isso foi há séculos: os tempos mudam, as técnicas avançam, seria portanto possível encarar os transgénicos como uma nova (possível, não certa) fronteira da agricultura.
Mas para que isso se torne realidade, é imprescindível que as pesquisas não sejam deixadas nas mãos de quem tem o lucro como único objectivo.
Pela primeira vez na história, é possível intervir nos códigos genéticos dos seres viventes, de forma directa, sem ir em frente com tentativas. Tentamos ampliar a nossa visão e pensamos o que poderia significar, por exemplo, um trigo capaz de crescer em ausência de oxigénio (é um exemplo absurdo, mas é só para ter uma ideia), pensamos na hipótese de cultivar no espaço, na órbita terrestre: não podemos pensar só no "aqui e agora", outros virão depois de nós.
Já aconteceu com a insulina, fruto da pesquisa sobre o OGM: alguém acha a insulina uma coisa tão má?
O problema é outro: é legítimo deixar que sejam as empresas privadas a ditar o ritmo do futuro? Com todos os riscos que isto implica? Eu acho que não: e a consequência pode tornar os organismos transgénicos uma enorme ocasião perdida. Porque hoje há pessoas que só ao ouvir a palavra "transgénico" ficam de cabelo em pé. Normal, o cérebro faz a ligação "transgénico = Monsanto = problemas", pois isso é o que temos actualmente.
Pura diversão
Mas temos que saber olhar para lá do restrito horizonte.
Por exemplo, como diz um Leitor: "Já meter um gene [...] de peixe num tomate". E porque não? E se isto pudesse significar comida para todos aqueles desgraçados que hoje morrem de fome na África sub-sariana? Para a insulina foi utilizado a Escherichia coli, uma bactéria que simpática não é (infecção intestinal, vómito, diarreia, choque séptico, até morte), mas que permite hoje salvar milhões de pessoas.
Claro, sempre que o peixe e o tomate não sofram, desde que haja tempo suficiente para observar as consequências de todo o tipo e desde que a coisa não seja projectada, gerida e comercializada por uma empresa privada...
Lembro que hoje o Homem faz sofrer com a manipulação genética para fins muito menos nobres e bem poucos se queixam: doenças oculares são particularmente presentes entre os Collie. Boxers, Golden Retrievers, Terra Nova, Labrador e Pastor Alemão estão em risco de estenose subaórtica (uma condição cardíaca). Boxers e Bulldogs têm uma maior frequência de estenose pulmonar.
A regurgitação mitral endocardiose está presente em quase todas as pequenas raças como o Cavalier King Charles , os Dachshunds e Poodles.
A cardiomiopatia dilatada afecta o Great Dane, o Doberman Pinscher, o Mastim Napolitano, o São Bernardo. A espondilose deformante provoca artrite da coluna vertebral com enrijamento da mesma e afecta o Boxer e o Mastiff . A surdez congénita afecta 30% dos Dálmatas, além de Dogo Argentino e do Collie.
A doença de von Willebrand (uma doença do sangue) afecta diferentes raças, mas é particularmente presente no Doberman, Pastor Alemão , Manchester Terrier, Corgi e Shetland. O Boxer tem uma maior incidência de câncer. Doenças de pele são comuns nas raças de pêlo curto, como o Bull Terrier e o Doberman Pinscher. Mesmo as patologias de comportamento parecem ter uma base hereditária: nos Bull Terriers são conhecidos comportamentos compulsivos, a ansiedade paroxística é estatisticamente mais comum entre os Poodles Anões, os Setter Irlandês e o Doberman Pinscher.
A lista é, obviamente muito mais do que isso, estes são apenas alguns exemplos: até agora foram identificados mais de 500 doenças genéticas em cães de raça pura. E fala-se aqui só de cães.
Nós fazemos isso para a nossa pura diversão, provocando sofrimento nos outros seres e quem se queixa? Deixamos que isso aconteça com a máxima tranquilidade e depois ficamos escandalizados por causa dum tomate azul, sabendo que isso pode salvar vidas amanhã?
E porquê? Porque não existe em Natureza? E o carro, existe o carro em Natureza? O avião? O comboio? O computador? O sistema nacional de saúde? As reformas? Eliminamos tudo o que não for contemplado pela Natureza? Sério?
O problema não é a pesquisa OGM-transgénicos, mas o facto desta estar actualmente ao serviço do lucro, portanto não segura sob todos os aspectos. Isso sim é delituoso e castrador.
Ipse dixit.
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