O que há de mais bonito? Um conjunto de sons articulados que permite transmitir um conceito.
Juntamos uma série de palavras e obtemos um pensamento.
O pensamento é bom? Em teoria sim, mas depende do ponto de vista.
É que pensar significa, cedo ou tarde, chegar à fase das perguntas. E aí começam os problemas.
Então, se consigo reduzir os conceitos complexos até poucas palavras (os slogans ou as palavras-chave), eis que não obrigo ninguém a pensar e todos ficam melhor. É só ouvir e acreditar.
Esta não é uma ideia de quem escreve: os Nazistas tinham chegado à mesma conclusão muitas décadas atrás, como sabemos. Tal como sabemos que as descobertas deles não foram perdidas e são activamente utilizadas.
É por isso que os políticos, por exemplo, gostam de palavra mal definidas: são aquelas que fazem a impressão mais forte e, ao mesmo tempo, não obrigam a pensar.
"Democracia, socialismo, igualdade, liberdade": o significado destes termos é muito vago. No entanto, as sílabas juntas têm um poder mágico, como se nelas fosse possível encontrar a solução de todos os problemas. Essas palavras resumem as diversas aspirações inconscientes e a esperança. A razão e a discussão não podem lutar contra certas palavras: quem discutiria contra o termo de "liberdade"?
Este '"condensação" de conceitos encontra o seu triunfo nos órgãos de informação. A escolha das palavras não é casual: o termo certo no lugar certo pode dar um novo sentido aos factos.
Guerra
Há 70 anos, Orwell escreveu: "a guerra é a paz". Algo que faria endireitar os cabelos que qualquer pessoa normal, podemos pensar. Nada disso: nós aceitamos que a guerra seja paz, estamos convencidos disso e apoiamos quem assim fala. Até damos-lhe o nosso voto.
É assim que uma guerra de agressão, ilegal sob o ponto de vista da lei internacional, torna-se uma "guerra de libertação". É "guerra"? Sim, mas está aí "libertação" e outra vez: quem pode estar contra a liberdade? Nesta expressão, "libertação" tem a função de legitimar um termo em si horrível, como "guerra". E funciona.
Se o País que desejamos invadir estiver no meio duma guerra civil, as coisas tornam-se ainda mais simples: temos a "missão humanitária". A palavra "guerra" desaparece por completo, substituída por "missão" (algo que requer empenho) e "humanitária", um daqueles termos vazios que tanto bem fazem às nossas consciências. Juntas, "missão" e "humanitária" constroem algo bom: um empenho em prol da humanidade. E as dúvidas desaparecem como neve ao sol.
No País desestabilizado há estragos, provocados por tropas mercenárias descontroladas, mas por nós treinadas e armadas para incendiar a população e derrubar os governos legitimamente eleitos? Na área do Mediterrâneo isso assume um nome que faz lembrar um fresco desodorizante: "Primavera Árabe". Nem "guerra civil" aparece aqui, mas Primavera.
Pelo que, as nossas tropas são enviadas numa "missão humanitária" no meio duma "Primavera Árabe". Seria diferente dizer que enviamos soldados a combater numa guerra civil para derrubar um legítimo governo, não acham?
A propósito de soldados: o termo raramente é utilizado, sendo preferido "tropas aliadas". Isso é importante, porque a "aliança" faz pensar que houve um debate e que um grupo de governos decidiu (não sem dor de alma) tomar uma decisão neste sentido: e se tantas pessoas julgaram necessário dar este passo, como podem estar todas erradas?
Não podem, e a demonstração fica na constatação que do outro lado não há "soldados" mas "terroristas". Nunca ouvem falar dum "soldado do Califado", sempre de "terroristas". E, na nossa sociedade, "terrorista" fica logo acima de "pedófilo" no fundo da classificação.
Legalidade
Tomamos como exemplo os dias de hoje e um indivíduo acerca do qual não temos dúvidas (já são só certezas): o simpático Nobel da Paz Barak Obama. E retomamos o Califado também com uma pergunta: mas a guerra dos Estados Unidos contra o Califado é legal?
Observando a escolha das palavras utilizadas nas últimas declarações oficias, a ideia é que esta intervenção não seja nada legítima e que a Administração estudou bem o dicionário para apresenta-la como legítima.
Na declaração de Terça-feira, dia 23 de Setembro, em que anunciou os ataques aéreos sobre a Síria, Obama evitou qualquer referência à sua autoridade legal para ordenar os ataques. Foi um anónimo porta-voz da Casa Branca que esclareceu ao New York Times o facto da permissão para os ataques na Síria sejam "deduzida" na Authorization of Use of Military Force (AUMF) de 2001 (que se destinava a Al-Qaeda), bem como na declaração de guerra de 2002 contra o Iraque de Saddam Hussein.
Mas o que isso significa exatamente?
Significa nada menos que a autoridade legal obtida pela Presidência quase 13 anos atrás (e que tinha como objectivos a agressão contra a Al-Qaeda e a invasão do Iraque) agora está a ser utilizada para invadir, bombardear e destruir o Califado (e, por mero acaso, a Síria). Portanto, qualquer País nas cujas fronteiras sejam individuados "terroristas" pode bem ser alvo dum ataque, pois em 2001 os Estados Unidos tinham-se autorizados para isso.
Mas voltemos às palavras, porque nos comunicados há mais do que o conceito de "legalidade".
Por exemplo, o termo "civil". As bombas até podem ser inteligentes, mas quando explodem arrasam com tudo estiver nos arredores, civis incluídos.
Há reportagens que demonstram como na guerra contra o Califado já há vítimas civis.
Mas não segundo o Pentágono. Porque? Porque o Pentágono não vê "civis" nas zonas bombardeadas, mas só "militantes mortos"
Como é possível isso? Na verdade é simples: Obama decidiu considerar, nas áreas sujeitas aos ataques aéreos ou dos drones, que todos os homens em idade de lutar sejam ou combatentes (portanto terroristas) ou militantes (amigos dos terroristas), a não ser que "haja uma prova explícita fornecida pelos serviços de inteligência que demonstre, a título póstumo, a sua inocência".
Difícil imaginar centenas de agentes secretos que nesta altura estarão no Califado a entrevistar os familiares das vítimas para um eventual processo de reabilitação? Talvez, mas mais difícil ainda é imaginar que as pessoas aceitem esta manipulação sem nada dizer. Porém, é o que acontece.
Iminente
No mesmo dia de Setembro, o simpático Obama também anunciou ataques contra o grupo Khorasan, um ramo da Al-Qaeda (segundo ele).
Mas quem raio são estes Khorasan, que mais parece um nome dum medicamento contra a tosse? E já agora: como é que se arrogou o direito de atacar alguém que ninguém conhece?
Eis a palavrinha mágica: "iminente".
De facto, nas declarações do nosso Prémio Nobel da Paz, estes senhores estavam a planear um ataque iminente contra os Estados Unidos.
"Iminente", a pedra angular da autorização (aceite pelos media) com a qual Obama auto-autoriza-se a matar qualquer pessoa (mesmo se cidadão norte-americano) em qualquer parte do mondo:
Perante qualquer ameaça de ataque iminente contra os Estados Unidos, não é preciso ter provas que num futuro próximo terá lugar um determinado ataque contra cidadãos norte-americanos".
"Iminente" é um tribunal no qual o suspeito recebe sempre a mesma pena: morte. Depois claro, haverá a investigação de centenas de agentes secretos e a possível reabilitação póstuma, porque temos que ser justos.
Tropas de terra
Outra palavra interessante que se repete insistentemente nas declarações da Casa Branca e repetida sem alterações pelo megafone da informação.
Agora, o Presidente é pessoa sensível e sabe que as famílias americanas podem ficar pouco satisfeita vendo os seus filhos voltar nos pretos sacos dos cadáveres. Que, de facto, é uma chatice. Portanto, o simpático Obama quis tranquilizar as pessoas de que na nova cruzada não haverá tropas terrestres, no Iraque ou na Síria.
Todavia há um pormenor que não podemos menosprezar: as tropas já estão lá, são 1600 (sempre acreditando nos números oficiais) peritos militares no terreno. São tropas de elite inseridas entre os combatentes iraquianos e envolvidos nos ataques contra alvo militantes.
Como ultrapassar este problema?
Também neste caso: muito simples, basta alterar o significado de "pessoal de combate".
Assim, o "pessoal combatente" fica fora do conceito de "tropas terrestres".
Estão lá, combatem como os outros soldados, marcham como os outros soldados, mas não são "tropas de terra", são "pessoal combatente". É diferente.
Portanto, ao ler os jornais ou ao assistir aos noticiários, atenção com as palavras.
Através de uso (e abuso) delas é possível manipular as consciências, alterar os conceitos, modificar a realidade. Tudo isso simplesmente intervindo naquele que é a base do pensamento que usamos nas nossas vidas.
Dizia o filósofo Rudolf Steiner há quase um século:
Quando desejarmos obter um determinado resultado no mundo, um resultado que deve ser o oposto da direção normal da evolução humana, bem, então temos que dar-lhe, por assim dizer, um nome que significa o contrário. A humanidade deve aprender a não acreditar cegamente nas palavras.Olha , olha... "um nome que significa o contrário".
Interessante, não é?
Ipse dixit.
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