Então, vamos falar do assunto? E vamos...
O tema do dia em Portugal é a decisão do Tribunal Constitucional. Este sentenciou que o corte dos subsídios aplicado aos trabalhadores da função pública é inconstitucional.
Parece um pormenor, mas não é: o que está em jogo é toda a manobra que o governo pretende aplicar para que o País possa sair do estado de falência no qual precipitou. Isso cria um buraco nas contas que ultrapassa os mil milhões de Euros.
Vamos com ordem.
O que diz o Tribunal? Diz isso: cortar os subsídios de ferias dos trabalhadores só do sector público não respeita o conceito de igualdade. Por isso, os cortes do ano 2013 são inconstitucionais.
Primeira pergunta: e os cortes em curso, os de 2012? Como podem ser anti-constitucionais os cortes em 2013 e constitucionais em 2012? São os mesmos cortes, aplicados com idênticos princípios.
A resposta é um pouco articulada.
Em princípio, é claro, todos os cortes considerados são inconstitucionais, não respeitando o principio de igualdade dos trabalhadores: porquê cortar os subsídios de ferias dum trabalhador dependente e não aqueles dum trabalhador privado?
Na verdade, em 2011 o Tribunal Constitucional avaliou os cortes do ano seguinte e fez este tipo de raciocínio: como os trabalhadores da função pública gozam de privilégios desconhecidos no sector privado, cortar apenas nos subsídios públicos é uma forma de "compensar" uma desigualdade já existente.
Pessoalmente não concordo com este tipo de atitude: a Constituição é para ser respeitada, sempre, não pode ser aplicada ou não para compensar eventuais deficiências do sistema. Se o sector público gozar de privilégios (e goza, de facto), o Tribunal deveria enfrentar este problema pois é aí que surgem as discriminação entre os trabalhadores.
Todavia, mesmo não gostando da atitude, o parecer do Tribunal acaba por ter um certo sentido: o sector público goza de alguns privilégios e os cortes de 2012 são uma (má) forma de compensar esta situação face o sector privado (além disso: se o Tribunal declarasse inconstitucionais os cortes também para 2012, as contas públicas entrariam no caos total desde já).
O que o Tribunal fez foi avisar o governo: esta estrada dos cortes "mirados" de 2012 não pode continuar pois em 2013 todos sabemos que a crise irá piorar (o País está em recessão e os objectivos do governo não serão alcançados) e os cortes teriam um peso acrescido nas economias da famílias daqueles que trabalham na função pública.
Então? Então a situação é bem pouco simpática.
O governo recebeu um estalo de todo o tamanho.
Demonstrou ser incompetente (caso ainda houvesse dúvidas) com a aprovação duma medida que está contra a Constituição portuguesa. Mais: o corte nos subsídios nem era uma medida contemplada pela Troika (a mortífera parceria FMI-BCE): esta era uma das medidas acrescentadas que o simpático Primeiro-Ministro tinha feito aprovar para dar cabo do País mais rapidamente possível, com a depressão da economia.
O governo tem agora que encontrar uma medida alternativa para recuperar os mais de mil milhões de Euros que os cortes proporcionavam. Soluções ventiladas até agora: corte nos subsídios de todos os trabalhadores (públicos e privados) com uma taxa em sede de declaração dos rendimentos (medida que afundaria ainda mais a economia e que o ex ministro Bagão Feliz - da mesma área política do governo - definiu ontem como "maléfica") ou, em alternativa, subida do IVA: de 23 para 25%, a segunda mais alta da Europa após o 27% da Hungria. Medida, esta última, se possível ainda mais disparatada e suicida.
Mas que o governo tenha de fazer algo é óbvio: os objectivos orçamentais deste ano já estão fora do alcance, mesmo que não tivesse surgido o problema dos subsídios. Inevitável o pedido dum novo resgate, continuamente negado pelo governo mas agora necessário mais do que nunca. Um resgate, repare-se, que não servirá para pagar as reformas e os ordenados, tal como afirmado em muitas ocasiões (é só ler o orçamento de Estado), mas para pagar a dívida pública e o oceano dos relativos interesses.
Com esta pérola, o governo abre de facto uma nova época de contestação social e fornece ao Partido Socialista o álibi perfeito para afastar-se do memorando assinado com a Troika.
Pode ter sido este um "favor" que o Tribunal Constitucional fez ao governo, fornecendo uma desculpa para cortar os subsídios do sector privado também? Esta é uma teoria que circula nas últimas horas e que sobrestima as capacidades do actual governo (até poderia ser consolatório ter um governo capaz de tamanhas subtilezas...): mas não, este é um verdadeiro problema nascido da incapacidade, da frenética vontade de desmontar o que sobrar do País e dum Primeiro Ministro empenhado no papel de "menino bom" aos olhos dos aliados europeus.
Na fotografia fica mal também o Presidente da República, o simpático quanto inútil Aníbal Cavaco Silva: se em vez de aprovar todo o lixo proposto pelo governo tivesse tido o bom gosto de perguntar ao Tribunal Constitucional na altura certa (esta é uma das prerrogativas da função dele), agora o País não estaria nestas condições.
Mas esta já não é novidade.
A grande sorte desta classe política é o facto de ter um eleitorado alienado, incapaz de qualquer reacção, sem um mínimo de amor próprio ou de respeito para si mesmo, bem encaminhado no "pensamento único" que domina o País e que irá digerir todas as aberrações que serão propostas no futuro, tal como digeriu aquelas do passado.
Ipse dixit.
O tema do dia em Portugal é a decisão do Tribunal Constitucional. Este sentenciou que o corte dos subsídios aplicado aos trabalhadores da função pública é inconstitucional.
Parece um pormenor, mas não é: o que está em jogo é toda a manobra que o governo pretende aplicar para que o País possa sair do estado de falência no qual precipitou. Isso cria um buraco nas contas que ultrapassa os mil milhões de Euros.
Vamos com ordem.
O que diz o Tribunal? Diz isso: cortar os subsídios de ferias dos trabalhadores só do sector público não respeita o conceito de igualdade. Por isso, os cortes do ano 2013 são inconstitucionais.
Primeira pergunta: e os cortes em curso, os de 2012? Como podem ser anti-constitucionais os cortes em 2013 e constitucionais em 2012? São os mesmos cortes, aplicados com idênticos princípios.
A resposta é um pouco articulada.
Em princípio, é claro, todos os cortes considerados são inconstitucionais, não respeitando o principio de igualdade dos trabalhadores: porquê cortar os subsídios de ferias dum trabalhador dependente e não aqueles dum trabalhador privado?
Na verdade, em 2011 o Tribunal Constitucional avaliou os cortes do ano seguinte e fez este tipo de raciocínio: como os trabalhadores da função pública gozam de privilégios desconhecidos no sector privado, cortar apenas nos subsídios públicos é uma forma de "compensar" uma desigualdade já existente.
Pessoalmente não concordo com este tipo de atitude: a Constituição é para ser respeitada, sempre, não pode ser aplicada ou não para compensar eventuais deficiências do sistema. Se o sector público gozar de privilégios (e goza, de facto), o Tribunal deveria enfrentar este problema pois é aí que surgem as discriminação entre os trabalhadores.
Todavia, mesmo não gostando da atitude, o parecer do Tribunal acaba por ter um certo sentido: o sector público goza de alguns privilégios e os cortes de 2012 são uma (má) forma de compensar esta situação face o sector privado (além disso: se o Tribunal declarasse inconstitucionais os cortes também para 2012, as contas públicas entrariam no caos total desde já).
O que o Tribunal fez foi avisar o governo: esta estrada dos cortes "mirados" de 2012 não pode continuar pois em 2013 todos sabemos que a crise irá piorar (o País está em recessão e os objectivos do governo não serão alcançados) e os cortes teriam um peso acrescido nas economias da famílias daqueles que trabalham na função pública.
Então? Então a situação é bem pouco simpática.
O governo recebeu um estalo de todo o tamanho.
Demonstrou ser incompetente (caso ainda houvesse dúvidas) com a aprovação duma medida que está contra a Constituição portuguesa. Mais: o corte nos subsídios nem era uma medida contemplada pela Troika (a mortífera parceria FMI-BCE): esta era uma das medidas acrescentadas que o simpático Primeiro-Ministro tinha feito aprovar para dar cabo do País mais rapidamente possível, com a depressão da economia.
O governo tem agora que encontrar uma medida alternativa para recuperar os mais de mil milhões de Euros que os cortes proporcionavam. Soluções ventiladas até agora: corte nos subsídios de todos os trabalhadores (públicos e privados) com uma taxa em sede de declaração dos rendimentos (medida que afundaria ainda mais a economia e que o ex ministro Bagão Feliz - da mesma área política do governo - definiu ontem como "maléfica") ou, em alternativa, subida do IVA: de 23 para 25%, a segunda mais alta da Europa após o 27% da Hungria. Medida, esta última, se possível ainda mais disparatada e suicida.
Mas que o governo tenha de fazer algo é óbvio: os objectivos orçamentais deste ano já estão fora do alcance, mesmo que não tivesse surgido o problema dos subsídios. Inevitável o pedido dum novo resgate, continuamente negado pelo governo mas agora necessário mais do que nunca. Um resgate, repare-se, que não servirá para pagar as reformas e os ordenados, tal como afirmado em muitas ocasiões (é só ler o orçamento de Estado), mas para pagar a dívida pública e o oceano dos relativos interesses.
Com esta pérola, o governo abre de facto uma nova época de contestação social e fornece ao Partido Socialista o álibi perfeito para afastar-se do memorando assinado com a Troika.
Pode ter sido este um "favor" que o Tribunal Constitucional fez ao governo, fornecendo uma desculpa para cortar os subsídios do sector privado também? Esta é uma teoria que circula nas últimas horas e que sobrestima as capacidades do actual governo (até poderia ser consolatório ter um governo capaz de tamanhas subtilezas...): mas não, este é um verdadeiro problema nascido da incapacidade, da frenética vontade de desmontar o que sobrar do País e dum Primeiro Ministro empenhado no papel de "menino bom" aos olhos dos aliados europeus.
Na fotografia fica mal também o Presidente da República, o simpático quanto inútil Aníbal Cavaco Silva: se em vez de aprovar todo o lixo proposto pelo governo tivesse tido o bom gosto de perguntar ao Tribunal Constitucional na altura certa (esta é uma das prerrogativas da função dele), agora o País não estaria nestas condições.
Mas esta já não é novidade.
A grande sorte desta classe política é o facto de ter um eleitorado alienado, incapaz de qualquer reacção, sem um mínimo de amor próprio ou de respeito para si mesmo, bem encaminhado no "pensamento único" que domina o País e que irá digerir todas as aberrações que serão propostas no futuro, tal como digeriu aquelas do passado.
Ipse dixit.
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