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Reinhart, Rogoff e os pequenos erros

22 de Abril de 2013, 21:00 , por Desconhecido - 0sem comentários ainda | No one following this article yet.
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Estudiosos fechados nos gabinetes, rodeados por livros, máquinas calculadoras de topo, assistentes que observam os gráficos nos ecrãs, outros com o olho no andamento das Bolsas. Eis os economistas no imaginário colectivo, esta classe de pessoas que passa o tempo a analisar os sinais do mercado e procurar fórmulas que tragam a felicidade.

Ou talvez não. Talvez os economistas sejam pessoas normais, que erram redondamente, que dizem disparates, que sucumbem perante as mesmas emoções que nós experimentamos.

Pegamos na imagem ao lado: estes são dois economistas, Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff. Elaboraram uma teoria, elegante e jeitosa, que só tem um pequeno erro: está errada.

Tudo bem, podemos pensar: sem dúvida terá havido muitos outros economistas que analisaram o trabalho deles e realçaram os erros, evitando assim problemas. Mas não: Reinhart e Rogoff, são dois economistas de topo, a teoria deles foi aceite logo e definida como "brilhante". Foram citados como referência, entre os outros, pelo actual Ministro da Finança de Portugal e a teoria foi implementada como forma de gerir os destinos económicos de centenas de milhões de pessoas.
Divertido, não é?

Austeridade, o Santo Graal

Dizia o actual Ministro das Finanças de Portugal, Vítor Gaspar, em Abril de 2011:
Um estudo de Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff, cobrindo 200 anos de história e 44 países com regimes económicos e níveis de desenvolvimento muito diferentes, conclui que, para rácios de dívida acima de 90%, o crescimento do PIB tende a ser significativamente menor
Solução? Austeridade. Normal: a teoria afirma que a Dívida é má, pelo que é preciso reduzir as despesas para reduzir a Dívida. Muito simples. Muito errado. 

Não existe uma origem única deste pensamento, mas particular eco teve o estudo destes dois influentes  economistas da Universidade de Harvard e do Maryland, os tais Reinhart e Rogoff, publicado em 2010 na prestigiada American Economic Review. Para quem deseje fazer-se mal, no fundo do artigo é presente o link para descarregar o working paper original.

A conclusão do estudo é simples: analisando bancos de dados que comparam as finanças públicas e o desempenho macroeconómico de uma grande amostra de Países, os dois autores concluem que um valor de Dívida Pública superior a 90% do PIB (o Produto Interno Bruto) está associado a uma taxas de crescimento de zero ou até negativa.

Espanto, aplausos, até que enfim: uma teoria que justifique em pleno a austeridade, os cortes nos salários públicos, nas reformas, nos serviços, a venda do património do Estado.

O simpático Olli Rehn, comissário europeu para a Economia:
É amplamente reconhecido, com base numa séria pesquisa científica, que quando os níveis de dívida pública subirem mais de 90% tendem a ter uma dinâmica económica negativa, que é transformada num baixo crescimento durante muitos anos.
Ámen.
Declarações parecidas foram feitas por personalidades como Paul Ryan e Tim Geithner, nos Estados Unidos, Lord Lamont de Lerwick no Reino Unido. E, como vimos, até por parte do Ministro das Finanças de Portugal.

Erros

Mas poucos dias atrás, um novo working paper, desta vez de Thomas Herndon, Michael Ash e Robert Pollin da Universidade de Massachusetts, demonstra como os resultados originais da pesquisa de Reinhart e Rogoff estão baseados em problemas metodológicos, manipulações e erros de cálculo, em alguns casos até "grosseiros". Ao ponto que, uma vez eliminados estes problemas, a taxa média de crescimento dos Países altamente endividados passa de -0,1% para +2,2%.

Dito de outra foram: contrariamente a quanto afirmado pela teoria dos nossos dois heróis, Países com uma dívida superior a 90% do PIB apresentam crescimento positivo. Nada menos.

Os principais problemas identificados são três:
  • exclusão selectiva de algumas observações nos dados;
  • esquema de balanceamento de dados não-convencional;
  • erro de código na planilha original usada para seleccionar dados.
Tentamos ver o que isso significa.

Em primeiro lugar, Reinhart e Rogoff excluem da pesquisa alguns Países (principalmente anglo-saxões) que, imediatamente após a Segunda Guerra Mundial, apresentavam uma elevada dívida pública (além de 90%) e ao mesmo tempo boas médias de crescimento. Tanto para ter uma ideia: a só exclusão da Nova Zelândia, provoca uma queda na média do crescimento de -7,6%.

As consequências desta escolha são amplificadas com uma técnica de balanceamento dos dados no mínimo "original" e que nem é justificada no documento original. Com esta técnica, por exemplo, os 19 conjuntos de dados acerca da economia do Reino Unido têm a mesma importância do conjunto da Nova Zelândia, que todavia era relativo a um só ano (o pior).

E, para acabar, todo o trabalho está viciado por um erro de código na planilha utilizada para seleccionar os dados: o que exclui, por exemplo, a taxa média de crescimento Bélgica (olha o acaso: elevada Dívida Pública e boa taxa de crescimento). Exacto: falamos aqui dum erro numa folha Excel.

Vale a pena repetir: o trabalho de Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff, Growth in a Time of Debt, foi e ainda é tomado como modelo por parte de toda a tecnocracia europeia e as conclusões tornadas obrigatórias em Países como Irlanda, Espanha, Portugal, Italia, Grécia, Chipre, França, até Alemanha. 

Só para ter uma ideia, esta página apresenta todos os trabalhos de economia que citam a teoria dos dois génios. São 103 entre livros e ensaios, publicados por estudiosos e instituições quais National Bank of Belgium. Scottish Institute for Research in Economics, London School of Economics and Political Science, American Economic Association, The World Bank, European Commission, International Monetary Fund, Bank of England, Universidade Nova de Lisboa, Universidade de Coimbra, Central Bank of Chile...

Erros?

Agora podemos fazer duas coisas:
  1. considerar normal o facto de dois economistas de topo terem publicado uma teoria repleta de erros, alguns até grosseiros, e dizer ""paciência, são coisas que acontecem, vamos ver um pouco de televisão que se calhar já começou a novela";
  2. não considerar normal esta versão e perguntar por qual razão esta teoria foi logo aplaudida, implementada e só depois verificada.
E "depois" significa "agora", quando até uma nulidade como o Presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, é iluminado como S. Paulo na estrada para Damasco e afirma que a política apenas centrada na redução do défice “atingiu os seus limites” (não é uma brincadeira, é mesmo Barroso que diz isso, podem controlar neste link).

Sincronicidade, como diria Jung? Eu acho que não.
Mas este é outro discurso.


Ipse dixit.


Fonte: http://feedproxy.google.com/~r/InformaoIncorrecta/~3/IKh2WodS6Lk/reinhart-rogoff-e-os-pequenos-erros.html

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