Só que fiquei mesmo incomodado.
A nulidade é Rita Pereira, "actriz" (ehm...) de novelas. A nulidade foi contactada por outra nulidade, Micaela Oliveira, estilista.
O que acontece quando somarmos os cérebros de duas nulidades? "0 + 0 = 0"? Tomara!
Se fosse tão simples, boa parte dos problemas do mundo estariam resolvidos.
Infelizmente "0 + 0 = idiotice".
E assim foi.
Os dois neurónios (um por cada sujeito) uniram os esforços e o resultado foi este: apresentar a nova colecção 2014 num País pobre, nomeadamente Moçambique.
Agora, pensem nisso: um País onde ainda há miséria, onde o problema é a sobrevivência, à beira da guerra civil. Pode existir um palco melhor para um desfile de roupa requintada? Sim, claro que pode, mas tentem explicar isso aos dois neurónios...
Não satisfeito, em vez que esconder-se atrás duma árvore e sair passados alguns anos, o neurónio Rita Pereira pensou bem postar tudo no Facebook. Vamos ler:
"O nada que é tudo". Fui controlar as datas e as minhas suspeitas foram confirmadas: a simpática Rita demorou três dias entre um post e outro, o mínimo necessário para o neurónio elaborar uma coisa do tipo "o nada que é tudo". Mas vamos em frente (a propósito: os acentos no texto faltam de origem, pois Rita utiliza um Acordo Ortográfico todo seu).E depois de fotografarmos na reserva dos elefantes, aventurámo-nos na cidade de Maputo, mais precisamente no bairro da Mafalala e no Mercado de Artesanato.
As palavras que melhor descrevem esta sessão fotografica, na minha opinião são, emocionante, pureza, ternura, verdade, compaixão, memorável, inesquecivel, aventura, carinhosa e única. O nada que é tudo...
Espero que gostem, eu amei.
A publicação das imagens gerou polémica, pois ainda há neurónios activos em circulação. E como respondeu a "actriz"? "Estas pessoas estavam felizes com a nossa presença, e isso é o mais importante" e, cereja no topo do bolo, "toda a equipa deixou dinheiro a várias famílias deste bairro".
Pronto, não há hipótese, inútil combater contra o vazio. É como lutar contra um balão cheio de ar: faz "puff!" e sobra o nada (o tal "nada que é tudo").
E eu fico incomodado. Muito.
Porque a pobreza, a miséria, aqui não são vistos como factor de embaraço, até de vergonha (não dos pobres, mas nossa), são apenas cenário.
Vamos na África, no meio dos desgraçados, tiramos algumas fotografias desfrutando o contraste entre os tecidos requintados e as cabanas de palha, deixamos uns trocos (porque somos sensíveis) e depois vamos ver os elefantes, que são tão queridos com a tromba e as orelhas grandes.
Missão cumprida.
Como afirmado: tudo isso não passa dum cenário, pois é "normal" que haja desgraçados sem comida, é "normal" que haja miséria. Então, que tal uma campanha de sensibilização? Não, melhor uma campanha promocional. Depois haverá sempre uns estúpidos no Facebook a reclamar, uns idiotas de blogueiros que gastam tempo dedicando um post acerca disso.
E é toda publicidade, de borla, porque no prazo de 48 horas ninguém irá lembrar-se da vergonha da fome no Moçambique, mas os nomes da "actriz" e da "estilista" terão ficado na nossa memória e não ligados a uma campanha publicitária sem um pingo de sensibilidade. Da mesma forma, a roupa terá tido uma visibilidade superior ao normal e é isso que conta, este é o jogo.
Quantas Ritas Pereiras haverá no mundo? Quantas estilistas desesperadas para um pouco de notoriedade? Quantos cérebros vazios destes circulam pelo planeta?
Não muitos, acho eu: a maioria das pessoas não é assim. Mas estas secção fotográfica, esta roupa, não é para a maioria ver ou comprar: o Leitor médio não iria gastar alguns milhares de Euros para uma peça de roupa (e ainda bem).
O problema é mesmo este: as Ritas Pereiras, as estilistas, não são a maioria, mas são estas que aparecem nas nossas revistas, televisões, diários. É este tipo de pessoas que veicula uma mensagem elitista paradoxalmente destinada a uma minoria que realmente poderia fazer mais para melhorar a situação dos mais desfavorecidos.
Então algo está mal.
Ipse ditxit.
Fontes: Facebook, Gente
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