É Verão aqui no Hemisfério Norte, é Agosto: as notícias são poucas e repetitivas, dominadas pelo calor, as Olimpíadas e os profundos pensamentos das Mentes Pensantes de Bruxelas e arredores. Não faltam os aconselhamentos sazonais (está calor? Bebam água).
Por isso o blog está a concentrar-se na crise do Velho Continente e, de vez em quando, uma espreitadela para ver se a Síria ainda está no lugar dela.
Eurocentrismo do autor (que sou eu)? Em parte sim, mas não só.
A verdade é que algo irá acontecer nos próximos tempos: final do Verão ou Outono, as datas ainda não estão claras. Mas haverá novidades, disso podem ter a certeza. Entre as possibilidades:
1. Saída da Grécia da Zona NEuro.
As vozes continuam a circular, cada vez mais insistentes. O facto é que a troika (Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu, União Europeia e cúmplices) aceitam fornecer outra "ajuda" (isso é: empréstimo com juros) só caso Atenas introduza novas medidas de austeridade.
É um pouco como tentar extrair sangue duma beterraba. Mas é interessante, porque a Grécia torna-se assim o teste por excelência: até que ponto é possível torturar os cidadãos antes destes ficarem ligeiramente alterados? A capacidade de resistência dos Gregos será o limite aplicado nos restantes Países.
2. Crise da Alemanha
Não está certa, mas é provável. Berlim não suporta a ideia da Grécia abandonar o Euro. Não que aos Alemães interesse o destino de Atenas, o facto é que a) os bancos teutónicos detêm parte da dívida pública grega, que ficaria fortemente desvalorizada no caso duma saída da Zona NEuro b) com a saída da Grécia, parte-se o projecto duma Grande Europa liderada pela Grande Alemanha, projecto cujas origens devem ser procuradas fora da Alemanha.
Além disso há sinais duma certa fricção entre governo e cidadãos, as eleições regionais de Maio correram pessimamente: o partido da maioria conseguiu 25.1% enquanto os sociais-democratas 38.8%, Verdes na casa de 11.9% e Piratas 7.7%. Moral: até os Alemães começam a estar fartos da política de rigor da chanceler.
3. Crise dos outros Países
Esta é a previsão mais simples. A Espanha fica numa posição preocupante, é cada vez mais provável o pedido de resgate: e "salvar" Madrid não custará pouco. Depois há o caso Italia. O desenho seguido até aqui é claro: iniciou-se com os Países mais fracos da Zona NEuro para subir a fasquia de forma progressiva. Lógico, portanto, que depois de Madrid fosse a vez de Roma.
Interessante neste panorama realçar a atitude e as tomadas de posição do Parlamento europeu, coração da democracia do Velho Continente: ainda existe ou já foi fechado? De facto o Parlamento foi integralmente substituído pela Comissão Europeia que, lembramos, é composta por indivíduos que ninguém elegeu.
É por isso uma altura divertida: não acontece todos os dias observar em directo o calvário dum projecto continental nascido já defunto.
Mas isso significa que o projecto Euro falhou? Não. Aliás, é mesmo nesta altura que parece conseguir o maior feito. E é este o ponto mais interessante para os Leitores que viverem fora da Zona NEuro.
O futuro de Países como Portugal ou Espanha representa o limite máximo do desenvolvimento que será possível alcançar no mundo ocidental ao longo das próximas décadas. E com o termo "mundo ocidental" indicamos aqui não apenas a velha Europa ou a América do Norte mas também a América do Sul.
Um País como o Brasil, por exemplo, está mesmo nestas semanas a sentir na própria pele o sentido da palavra "concorrência": há investidores que escolhem lugares como a China ou a Índia porque mais baratos. E acontece porque são estes os novos pontos de referência da economia mundial, é aí que podemos vislumbrar o padrão do futuro. Podemos admitir uma leve melhoria no nível de vida das sociedades chinesa ou indiana (sobretudo na primeira, será inevitável) e será inútil esperar um mundo totalmente "chinesizado" nos moldes actuais, mas a filosofia é aquela.
Neste aspecto, o Euro foi e ainda é um sucesso: aligeirar ao máximo o Estado qual fornecedor de serviços públicos (e favorecer assim os privados), retirar poder contractual aos trabalhadores, baixar os salários, são todas medidas que têm como objectivo melhorar a competitividade geral em detrimento dos níveis de bem-estar e das conquistas sociais das últimas décadas. A austeridade europeia não é o meio mas o fim.
Portugal, por exemplo, este bonito cantinho de terra à venda.
Por um lado há gigantes como empresas públicas Three Gorges Corporation e State Grid Corporation (China) ou mesmo a Sonangol angolana, todos originários de potências emergentes. Por outro lado, existem pequenas e médias empresas, cujos acionistas têm bolsos vazios, originárias de um País em graves dificuldades financeiras, com um programa de ajuda que exige um dispendioso programa de privatização.
É da China, Angola, mas também da Alemanha e do Reino Unido que vêm os compradores mais importantes das empresas públicas portuguesas. Energias de Portugal (EDP) e Rede Eléctrica Nacional (REN) já estão a ser negociadas e também é possível adicionar a privatização da empresa petrolífera Galp, a companhia aérea TAP, a empresa Ana que administra os aeroportos, a Carga Cp (trens de carga) e os CTT, os correios Portugueses.
Angola, no entanto, constitui um caso especial. O investimento angolano em Portugal tem uma forte componente política. Para Angola esta é uma maneira de impor-se na esfera lusófona, situação da qual espera obter benefícios económicos. Mas é também uma forma de legitimar o capital angolano e assim entrar em outros mercados. O risco, dada a falta de transparência no País, é de nunca saber a identidade certa dos investidores. A Angola também se limita a aplicações financeiras, sem qualquer know-how.
De Alemanha existe uma proposta para comprar a EDP, apoiada até pelo Primeiro-Ministro Português Passas e Coelhos: a ideia (duma ingenuidade assustadora) é trazer a Alemanha ao lado de Portugal, de a envolver na resolução dos problemas nacionais.
E depois temos a China, que compra tudo quanto seja possível comprar, como do costume. É a oportunidade para penetrar ainda mais no mercado europeu desfrutando Portugal, vulnerável e amarrado ao universo lusófono; mas também para acessar a novas tecnologias e contornar eventuais barreiras protecionistas.
É o caso de Energias de Portugal, empresa líder em energia renovável muito bem posicionada nos mercados norte-americano e brasileiro. Graças a ela, de facto, os chineses matariam dois coelhos (três, considerando o Primeiro-Ministro) com uma cajadada só: aprender habilidades e técnicas presentes em mercados onde já existem tais reflexos protecionistas.
Por enquanto a prioridade de Portugal é recolher dinheiro, por isso "privatizar" (um dos pontos pretendidos pela troika): e esta feira dos saldos tem consequências não apenas em Lisboa mas também longe daqui. A Europa é o laboratório onde é testada a resposta que os grandes poderes económicos mundiais exigem perante o novo panorama global.
Haveria outra possibilidade: não baixar em direcção à China mas fazer subir o nível desta. Mas admitimos: isso teria um custo, mais barato e mais rápido empobrecer. Além disso, os mercados do futuro (China e Índia juntas totalizam quase 2.5 biliões de pessoas) têm pretensões mais moderadas do que as nossas: na Europa ficamos passados se faltar a rede do telemóvel, na Índia ficam felizes se houver uma rede de pesca.
"E a elite política?" pode perguntar o Leitor.
"O que é isso?" pergunto eu "o Dia Mundial da Anedota?".
Para acabar, eis uma lista não exaustiva de empresas públicas que o governo português está a vender, tal como publicada numa minha carta que foi re-publicada na blogosfera italiana (1) (2) (3) (4) (5) (6) (7) (8):
Galp (energia)
Tap (transporte aéreo)
Ana (gestão aeroportuária)
Rtp2 (canal televisão)
CTT (correios)
CP Carga (comboios de mercadoria)
Águas Potáveis (águas)
Inapa (papel)
Edisoft (hardware e software)
Eid (não percebi bem o que faz esta mas está à venda na mesma)
Empordef (industria pesada)
Ren (energia)
Edp (energia)
Sociedade Portuguesa de Empreendimento
Companhia e Seguro Fidelidade-Mundial (seguros)
Império Bonança (aplicações financeiras)
Emef (comboios)
Reparem: a Tap teve 7.3 milhões de lucros em 2007, 32.8 milhões em 2008, 57 milhões em 2009, 62 milhões em 2010, 3.1 milhões em 2011 e, como afirmado pelo presidente da companhia, Fernando Pinto, voltará ao lucro (após a "travagem" de 2011) ainda durante o presente ano.
A Galp apresentou no primeiro semestre deste ano lucros que aumentaram 56.7% (total: 178 milhões de Euros).
Isso para todos aqueles que afirmam o governo estar a vender empresas "que causam prejuízos"...
Ah, lembrem: o problema é sempre a dívida pública. Não gostam? Então eis outras possibilidades entre as quais escolher:
"Vivemos acima das possibilidades"
"Temos de viver com aquilo que temos"
"Sacrifícios agora para estar melhor depois"
"As dívidas têm que ser pagas"
"É culpa da crise"
Escolham uma qualquer e gozem o Verão.
Ipse dixit.
Fontes: Il Giornale, Consulenza Finanziaria
Por isso o blog está a concentrar-se na crise do Velho Continente e, de vez em quando, uma espreitadela para ver se a Síria ainda está no lugar dela.
Eurocentrismo do autor (que sou eu)? Em parte sim, mas não só.
A verdade é que algo irá acontecer nos próximos tempos: final do Verão ou Outono, as datas ainda não estão claras. Mas haverá novidades, disso podem ter a certeza. Entre as possibilidades:
1. Saída da Grécia da Zona NEuro.
As vozes continuam a circular, cada vez mais insistentes. O facto é que a troika (Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu, União Europeia e cúmplices) aceitam fornecer outra "ajuda" (isso é: empréstimo com juros) só caso Atenas introduza novas medidas de austeridade.
É um pouco como tentar extrair sangue duma beterraba. Mas é interessante, porque a Grécia torna-se assim o teste por excelência: até que ponto é possível torturar os cidadãos antes destes ficarem ligeiramente alterados? A capacidade de resistência dos Gregos será o limite aplicado nos restantes Países.
2. Crise da Alemanha
Não está certa, mas é provável. Berlim não suporta a ideia da Grécia abandonar o Euro. Não que aos Alemães interesse o destino de Atenas, o facto é que a) os bancos teutónicos detêm parte da dívida pública grega, que ficaria fortemente desvalorizada no caso duma saída da Zona NEuro b) com a saída da Grécia, parte-se o projecto duma Grande Europa liderada pela Grande Alemanha, projecto cujas origens devem ser procuradas fora da Alemanha.
Além disso há sinais duma certa fricção entre governo e cidadãos, as eleições regionais de Maio correram pessimamente: o partido da maioria conseguiu 25.1% enquanto os sociais-democratas 38.8%, Verdes na casa de 11.9% e Piratas 7.7%. Moral: até os Alemães começam a estar fartos da política de rigor da chanceler.
3. Crise dos outros Países
Esta é a previsão mais simples. A Espanha fica numa posição preocupante, é cada vez mais provável o pedido de resgate: e "salvar" Madrid não custará pouco. Depois há o caso Italia. O desenho seguido até aqui é claro: iniciou-se com os Países mais fracos da Zona NEuro para subir a fasquia de forma progressiva. Lógico, portanto, que depois de Madrid fosse a vez de Roma.
Interessante neste panorama realçar a atitude e as tomadas de posição do Parlamento europeu, coração da democracia do Velho Continente: ainda existe ou já foi fechado? De facto o Parlamento foi integralmente substituído pela Comissão Europeia que, lembramos, é composta por indivíduos que ninguém elegeu.
É por isso uma altura divertida: não acontece todos os dias observar em directo o calvário dum projecto continental nascido já defunto.
O Euro ganha
Mas isso significa que o projecto Euro falhou? Não. Aliás, é mesmo nesta altura que parece conseguir o maior feito. E é este o ponto mais interessante para os Leitores que viverem fora da Zona NEuro.
O futuro de Países como Portugal ou Espanha representa o limite máximo do desenvolvimento que será possível alcançar no mundo ocidental ao longo das próximas décadas. E com o termo "mundo ocidental" indicamos aqui não apenas a velha Europa ou a América do Norte mas também a América do Sul.
Um País como o Brasil, por exemplo, está mesmo nestas semanas a sentir na própria pele o sentido da palavra "concorrência": há investidores que escolhem lugares como a China ou a Índia porque mais baratos. E acontece porque são estes os novos pontos de referência da economia mundial, é aí que podemos vislumbrar o padrão do futuro. Podemos admitir uma leve melhoria no nível de vida das sociedades chinesa ou indiana (sobretudo na primeira, será inevitável) e será inútil esperar um mundo totalmente "chinesizado" nos moldes actuais, mas a filosofia é aquela.
Neste aspecto, o Euro foi e ainda é um sucesso: aligeirar ao máximo o Estado qual fornecedor de serviços públicos (e favorecer assim os privados), retirar poder contractual aos trabalhadores, baixar os salários, são todas medidas que têm como objectivo melhorar a competitividade geral em detrimento dos níveis de bem-estar e das conquistas sociais das últimas décadas. A austeridade europeia não é o meio mas o fim.
Laboratórios em saldo
Portugal, por exemplo, este bonito cantinho de terra à venda.
Por um lado há gigantes como empresas públicas Three Gorges Corporation e State Grid Corporation (China) ou mesmo a Sonangol angolana, todos originários de potências emergentes. Por outro lado, existem pequenas e médias empresas, cujos acionistas têm bolsos vazios, originárias de um País em graves dificuldades financeiras, com um programa de ajuda que exige um dispendioso programa de privatização.
É da China, Angola, mas também da Alemanha e do Reino Unido que vêm os compradores mais importantes das empresas públicas portuguesas. Energias de Portugal (EDP) e Rede Eléctrica Nacional (REN) já estão a ser negociadas e também é possível adicionar a privatização da empresa petrolífera Galp, a companhia aérea TAP, a empresa Ana que administra os aeroportos, a Carga Cp (trens de carga) e os CTT, os correios Portugueses.
Angola, no entanto, constitui um caso especial. O investimento angolano em Portugal tem uma forte componente política. Para Angola esta é uma maneira de impor-se na esfera lusófona, situação da qual espera obter benefícios económicos. Mas é também uma forma de legitimar o capital angolano e assim entrar em outros mercados. O risco, dada a falta de transparência no País, é de nunca saber a identidade certa dos investidores. A Angola também se limita a aplicações financeiras, sem qualquer know-how.
De Alemanha existe uma proposta para comprar a EDP, apoiada até pelo Primeiro-Ministro Português Passas e Coelhos: a ideia (duma ingenuidade assustadora) é trazer a Alemanha ao lado de Portugal, de a envolver na resolução dos problemas nacionais.
E depois temos a China, que compra tudo quanto seja possível comprar, como do costume. É a oportunidade para penetrar ainda mais no mercado europeu desfrutando Portugal, vulnerável e amarrado ao universo lusófono; mas também para acessar a novas tecnologias e contornar eventuais barreiras protecionistas.
É o caso de Energias de Portugal, empresa líder em energia renovável muito bem posicionada nos mercados norte-americano e brasileiro. Graças a ela, de facto, os chineses matariam dois coelhos (três, considerando o Primeiro-Ministro) com uma cajadada só: aprender habilidades e técnicas presentes em mercados onde já existem tais reflexos protecionistas.
Por enquanto a prioridade de Portugal é recolher dinheiro, por isso "privatizar" (um dos pontos pretendidos pela troika): e esta feira dos saldos tem consequências não apenas em Lisboa mas também longe daqui. A Europa é o laboratório onde é testada a resposta que os grandes poderes económicos mundiais exigem perante o novo panorama global.
Haveria outra possibilidade: não baixar em direcção à China mas fazer subir o nível desta. Mas admitimos: isso teria um custo, mais barato e mais rápido empobrecer. Além disso, os mercados do futuro (China e Índia juntas totalizam quase 2.5 biliões de pessoas) têm pretensões mais moderadas do que as nossas: na Europa ficamos passados se faltar a rede do telemóvel, na Índia ficam felizes se houver uma rede de pesca.
"E a elite política?" pode perguntar o Leitor.
"O que é isso?" pergunto eu "o Dia Mundial da Anedota?".
Saldos
Para acabar, eis uma lista não exaustiva de empresas públicas que o governo português está a vender, tal como publicada numa minha carta que foi re-publicada na blogosfera italiana (1) (2) (3) (4) (5) (6) (7) (8):
Galp (energia)
Tap (transporte aéreo)
Ana (gestão aeroportuária)
Rtp2 (canal televisão)
CTT (correios)
CP Carga (comboios de mercadoria)
Águas Potáveis (águas)
Inapa (papel)
Edisoft (hardware e software)
Eid (não percebi bem o que faz esta mas está à venda na mesma)
Empordef (industria pesada)
Ren (energia)
Edp (energia)
Sociedade Portuguesa de Empreendimento
Companhia e Seguro Fidelidade-Mundial (seguros)
Império Bonança (aplicações financeiras)
Emef (comboios)
Reparem: a Tap teve 7.3 milhões de lucros em 2007, 32.8 milhões em 2008, 57 milhões em 2009, 62 milhões em 2010, 3.1 milhões em 2011 e, como afirmado pelo presidente da companhia, Fernando Pinto, voltará ao lucro (após a "travagem" de 2011) ainda durante o presente ano.
A Galp apresentou no primeiro semestre deste ano lucros que aumentaram 56.7% (total: 178 milhões de Euros).
Isso para todos aqueles que afirmam o governo estar a vender empresas "que causam prejuízos"...
Ah, lembrem: o problema é sempre a dívida pública. Não gostam? Então eis outras possibilidades entre as quais escolher:
"Vivemos acima das possibilidades"
"Temos de viver com aquilo que temos"
"Sacrifícios agora para estar melhor depois"
"As dívidas têm que ser pagas"
"É culpa da crise"
Escolham uma qualquer e gozem o Verão.
Ipse dixit.
Fontes: Il Giornale, Consulenza Finanziaria
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