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Trabalho e curiosidades

17 de Julho de 2012, 21:00 , por Desconhecido - 0sem comentários ainda | No one following this article yet.
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Todas as pessoas que gostavam de fazer previsões no tempo passado concordavam: no século XXI teria havido muito menos trabalho. "Culpa" da tecnologia, que teria substituído o homem em muitas das funções dele. Pelo menos em teoria, porque a prática ficou um pouco diferente.

Hoje considera-se normal um dia de trabalho composto por 8 horas nos Países mais "evoluídos". A ideia do eight-hour day (dia de oito horas) surgiu no Reino Unido em 1817. Isso significa que o máximo da evolução possível foi alcançado no princípio do século XIX, quando a tecnologia não era de certeza comparável com aquela de hoje. Curioso, não é?

O País mais evoluído neste sentido é a França, que tem uma semana de trabalho composta por 35 horas: são 5 horas de trabalho por dia, e mesmo assim as críticas não faltam ao ponto que o governo francês tem progressivamente aumentado o período de trabalho-extra até 220 horas por ano.

A maior das críticas é a seguinte: uma semana de trabalho mais curta não conseguiu aumentar o número de empregados. Eis outro aspecto curioso: o trabalho é reduzido não porque as máquinas podem substituir o homem em muitas funções, mas simplesmente como medida para assumir mais trabalhadores.

Como é possível que o mundo moderno não disponha da tecnologia necessária para aliviar a carga de trabalho que grava em cada trabalhador? Como é possível que tecnologia disponível seja a mesma de 1817? Curioso. 

É uma questão para a qual nem a Direita nem a Esquerda oficiais respondem apropriadamente.
Os conservadores sempre gostaram de pontificar sobre as virtudes morais do duro trabalho e boa parte da Esquerda fica concentrada nos terríveis efeitos do desemprego em massa produzido pela introdução das "máquinas": a ideia de que as máquinas possam libertar o trabalhador nem passa pelas cabeças deles e a única solução proposta é "mais trabalho".

Nadamos como desesperados em direcção das lojas que oferecem a última boia tecnológica (o mais recente iPhone! O último iPad!) mas ficamos com o pezinho atrás quando a mesma tecnologia pode aliviar a carga de trabalho para milhões de pessoas. Curioso.

Em quase todos os casos, os utópicos, os socialistas e o resto dos futuristas acreditavam que o trabalho acabaria sendo praticamente abolido, principalmente por uma razão: a introdução das máquinas. O pensador Paul Lafargue escrevia num breve tratado intitulado Le droit à la paresse (O direito à preguiça, 1833):
As nossas máquinas, com respiração do fogo, com braços de aço à prova de fogo, com abundância maravilhosa e infinita, executam com disciplina o seus trabalhos sagrados. E ainda, o caráter dos grandes filósofos do capitalismo continua a ser dominado pelos preconceitos do sistema dos salários, o pior tipo de escravidão. Ainda não compreendem que a máquina é a salvadora da humanidade, o deus que liberta o homem como vítima do trabalho, o deus que vai conceder-lhe o lazer e a liberdade.
Passados mais de 170 anos não são apenas os grandes filosofos do capitalismo, mas é toda a Esquerda também que vê no sistema dos salários a salvação, a máxima satisfação de cada desempregado. Curioso.

Oscar Wilde, em 1891, desprezava na obra The Soul of Man Under Socialism (A Alma do Homem sob o socialismo):
o absurdo escrito e dito hoje quanto à dignidade do trabalho manual [...] O homem é feito para algo melhor que distribuir sujidade. Todo o trabalho desse tipo deveria ser realizado por uma máquina.
A máquina tem que trabalhar para nós em minas de carvão, cuidar de todos os serviços de saúde, ser as ferramentas para o homem do vapor, limpar as ruas e entregar as mensagens nos dias chuvosos e fazer tudo o que é chato ou difícil.
Que diriam Lafargue e Wilde se pudessem ver que no século XXI a situação mudou um pouco mas nem muito? Diriam "Curioso"?. Talvez. E mais curioso ainda: só 20 anos após os escritos de Wilde, o mesmo trabalho manual ficou transformado na ideologia dos partidos comunistas, que começaram a glorificá-lo. Muito curioso.

Mas também aqui, no âmbito da Esquerda, uma ideia começou a difundir-se: o trabalho dos homens seria substituído com o tempo. Inevitável.
Após a Revolução Russa, um dos grandes defensores do culto do trabalho foi Aleksei Gastev, um ex-líder metalúrgico e sindicalista, depois poeta, que publicou uma antologia com o título de "Poesia da planta de produção". Entrevistado sobre as mudanças no mundo do trabalho, Gastev disse:
Esperamos chegar a uma fase em que o trabalhador que opera durante oito horas numa determinada actividade possa trabalhar apenas dois ou três.

E os teóricos industriais norte-americanos, apesar de poder parecer curioso, compartilhavam a visão do socialismo mais avançado. Buckminster Fuller, o conhecido engenheiro e designer, declarou que "a equação industrial" é como dizer que a tecnologia permite que a humanidade possa fazer "mais com menos" num curto espaço de tempo, eliminando a noção de trabalho em si.
Em 1963 escreveu:
Dentro de um século, a palavra "trabalhador" não terá significado real. Será algo que observaremos num dicionário do século XX.
Curioso porque duma certa forma a profecia de Fuller tornou-se realidade muito antes do século preestabelecido: 50 anos depois, na Europa, os trabalhadores começam a desaparecer, substituídos por um oceano de desempregados.

Nos últimos dez anos, o histórico sector siderúrgico de Sheffield (Reino Unido) produziu mais aço do que nunca com uma pequena parte dos antigos trabalhadores; e os portos de Avonmouth, Tilbury, Southampton e Teesport conseguiram livrar-se dos descarregadores mas não das toneladas de aço que continuam a hospedar.

O resultado não foi aquele preconizado por Marx: "caçar pela manhã, pescar à tarde e dedicar-se às críticas apenas depois do jantar". Pelo contrário, foi e ainda é pobreza, vergonha e o desejo incessante de encontrar outro emprego, mesmo que seja inseguro e mal pago.
Nesta era da insegurança no emprego, esta é a norma que substitui a ideia de trabalho seguro e qualificado. O movimento sindical que no passado dedicou-se à abolição de todas as actividades de pouca importância, aborrecidas e cansativas, hoje luta para que os trabalhadores possam encontrar ocupações destas. Não é isso curioso?

Temos máquinas para afastar duma vez por todas os trabalhos mais difíceis, que prejudicam irremediavelmente a saúde; não temos vontade de fazer isso.
E isso não é curioso: é estúpido.

É estúpido porque as consequências são só negativas: a procura desesperada para o trabalho significa aceitar qualquer trabalho, pois a prioridade é o salário. Mas isso significa um retrocesso, pois as dinâmicas do mercado tenderão a favorecer não o trabalhador mais qualificado mas aquele que aceitar as condições de trabalho mais duras (a mais favoráveis para a empresa).

Um licenciado que trabalha na caixa dum supermercado pode bem perguntar: mas eu estudei, gastei tempo e dinheiro par quê?
O facto é que o licenciado nem precisaria de ficar na caixa: há as caixas automáticas. Em Portugal são uma realidade em alguns supermercados, é o consumidor que faz tudo: escolhe o produto, passa o produto no leitor óptico, paga.
Da mesma forma não haveria necessidade de pessoal para conduzir comboios ou metropolitanos (caso do pequeno "comboio" de Oeiras, perto de Lisboa), até aviões.
Não há necessidade de mergulhar nas entranhas da terra para extrair metais: já temos máquinas que podem fazer o mesmo.
Não há necessidade de ficar horas e horas numa linha de montagem: hoje em dia as máquinas podem substituir o homem na maior pare dos casos.
Não há necessidade de ficar 8 horas num escritório: o trabalho pode ser feito em casa, com o computador.

Na verdade, a maioria das pessoas dos Países mais avançados não precisariam de 8 horas de trabalho: que 8 depois nunca são, porque há as deslocações casa-emprego, pelo que a clássica jornada de trabalho é feita de 10 horas.
E 8 horas aqui, pois em outras partes do mundo a situação é até pior:
  • Tailândia: 48 horas semanais
  • México: 44 horas semanais
  • Colômbia: 44 horas semanais
  • israel: 44 horas por semana
Por isso: muitos aspectos curiosos, muitas esperanças frustradas, e uma situação que fica bem longe do futuro imaginado no princípio de 1800. Porquê? Pois esta é afinal a pergunta mais importante: porquê, apesar dos inegáveis avanços tecnológicos o homem continua a praticar trabalhos perigosos, sujos, aborrecidos, pesados?

Há duas respostas, uma simples e uma mais complexa. Comecemos pela segunda que, na realidade é um conjunto de explicações:

A sociedade
A resposta complexa indica que a nossa sociedade não foi pensada para ter trabalho de poucas horas por dia. O que é verdade. Mas também é verdade que as sociedades podem ser mudadas, não são eternas. É apenas uma questão de organização e, mais importante ainda, de vontade.

Da mesma foram, a ideia de que menos trabalhadores significaria a ruína dos sistemas dos impostos é uma ideia errada, fundada na convicção de que a nossa seja a única (e melhor) sociedade possível. A nossa sociedade é o fruto do nosso modo de agir e pensar e pode variar consoante o aparecimento de novas ideias e teorias.

Inclusive, menos trabalho não implicaria a invenção de "novas" formas de sociedade, no máximo seriam necessárias uma série de adaptações, não de "invenções".

Demasiado tempo livre
Depois há o problema do tempo: o que faria o pobre trabalhador com tanto tempo livre?
Também este é um falso problema. Dê-me tempo livre, como organiza-lo é problema meu e há tantas outras actividades que poderiam ser feitas: desporto, cultura, relax, passatempos, voluntariado...

Custos
O problema dos custos: mas não será que com todas aquelas máquinas as empresas seriam obrigadas a gastar mais? E porquê? Haveria uma despesa inicial (a aquisição das máquinas) mas a seguir é só poupar: a máquina não quer salário, não vai de férias, não descansa, não dorme, não come, não faz greve...

Drogas e violência
O medo: com tanto tempo livre as pessoas começariam por tornar-se violentas, começariam a drogar-se em busca de algo para manter as mentes ocupadas.
Este é um disparate sem sentido, acho que nem vale a pena comentar.

Sem trabalho? E o sentido?
O homem foi feito por trabalhar, é com o trabalho o que o homem fica realizado? Não. O homem tem que trabalhar para obter meios de sustentamento, mas não foi feito por trabalhar: trabalhar não é o sentido da vida que, vice-versa, pode ser encontrado em outros aspectos: ter uma família, amigos, cuidar dos entes queridos, expandir o próprio conhecimento, estas são as coisas que dão um significado.

O que não significa que o trabalho seja necessariamente negativo: há pessoas que gostam do próprio trabalho e faz plenamente sentido. Mas aqui não falamos daqueles trabalhos que, de facto, podem  dar satisfações (e não são poucos); falamos dos trabalhos piores, os mais pesados, mais sujos, mais perigosos. É difícil crer que trabalhar numa mina de carvão possa ser o máximo para qualquer homem...

Até aqui as explicações "complexas", por assim dizer. São explicações que não aguentam um mínimo de análise. Por isso, se o desejo for encontrar a verdadeira razão, temos que procurar em outros lugares. E chegamos assim até a explicação "simples", aquela que pode fornecer a ideia que está atrás do terrível atraso da tecnologia no mundo do trabalho para livrar os homens das tarefas mais ingratas.
A explicação é esta:

Cérebro

A pessoa que trabalha não pensa e se pensar está demasiada cansada para fazer alguma coisa além do próprio trabalho.

Curioso, sem dúvida.


Ipse dixit.

Fontes: Sin Permiso, Wikipedia (versão inglesa)

Fonte: http://feedproxy.google.com/~r/InformaoIncorrecta/~3/4dCaQYzq5sM/trabalho-e-curiosidades.html

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