Um dos F-16 da Polónia |
Conheço bem, tenho um tio aí. No Primavera a neve já foi-se mas ainda dá para ver os cumes brancos dos Alpes. Óptima sopa de feijões com presunto. Também notável a massa cozida no vinho tinto.
Na verdade, em Ghedi não haveria nada de especial, não fosse que a uns dois quilómetros do centro há uma base da Nato. Que este ano foi escolhida como sede das anuais exercitações nucleares. O nome da operação é Steadfast Noon, algo que podemos traduzir como "meio-dia inexorável". E, em caso de acidente, seria verdadeiramente inexorável.
Não que estas exercitações sejam tão especiais: são anuais, cada vez num País diferente. Convidados de 2014: Bélgica, Alemanha, Holanda, Turquia, Estados Unidos e Italia. Só que este ano havia mais um hospede: a Polónia, cujos aviões foram fotografados durante as operações.
Os dois caças F-16 pertencem ao 10º Esquadrão do 32º Grupo com sede em Lask, não longe da cidade de Lodz.
Qual o problema? O problema é que os aviões da Polónia não poderiam transportar armas nucleares. Esta é uma regra contida nos acordos que a Nato assinou em 1996 no âmbito da não-proliferação das armas nucleares entre os Países que após aquela data entraram como membros da mesma Aliança Atlântica.
Como afirmado no comunicado da Nato nº M-NAC-2 (96) 165 de 10 de Dezembro de 1996, que sintetiza os acordos:
A ampliação da Aliança não vai exigir uma mudança na actual postura nuclear da Nato e, por isso, os Países da Nato não têm nenhuma intenção, nenhum plano ou razão para implantar armas nucleares no território dos novos membros, nem qualquer necessidade de alterar qualquer aspecto da postura nuclear ou da política nuclear da Nato; e nem prevemos qualquer necessidade futura de fazê-lo.
É tudo? Não.
Porque a exercitação da Nato em Ghedi não é um secreto. O calendário completo das operações dos anos 2014/2015 é regularmente publicado no mesmo site da Aliança (neste link a versão Pdf). Mas nenhum diário dedicou uma só linha ao evento ou à presença dos aviões de Varsóvia.
Agora, a Polónia confina com a Ucrânia. O que aconteceria se as forças aéreas da recém nascida Crimeia (que também confina com a Ucrânia) participassem em exercitações nucleares com a Rússia e os aliados dela?
A invasão russa
Entretanto, todos com o nariz no ar: os media avisam que bombardeiros de Moscovo entraram (duas vezes!) no espaço aéreo de Portugal.
Ok, na verdade não era mesmo o espaço de Portugal, era espaço internacional sob jurisdição portuguesa, o que é um pouco diferente: é onde todos têm o direito de transitar livremente.
Vamos ver como os media relataram a notícia:
Diário Económico:Em Portugal? Onde, no Terreiro do Paço, em Lisboa? Isso sim que assusta...
Força Aérea volta a interceptar aviões militares russos em Portugal.
Rádio Renascença:Espaço aéreo luso? Isso é Portugal...então é verdade: é uma invasão!
Caças portugueses interceptam aviões russos em espaço aéreo luso
Mas podemos considerar como "espaço luso" uma área a dezenas de quilómetros da costa, sobra as águas internacionais do oceano? Bah, parece difícil...
Seja como for: afinal quantos eram estes aviões que em dois dias (28 e 29 de Outubro) sobrevoaram os céus da Europa (sem invadir nenhum espaço aéreo nacional)?
El País: 15
Poder Aéreo: pelo menos 19
Diário Económico: mais de duas dezenas
Il Corriere della Sera: 26
Il Giornale: pelo menos 26
Enquanto a conta ainda não acabou, talvez seja o caso de lembrar que nos passados dias 2, 3 e 4 de Setembro, as exercitações da Nato incluíram voos de aviões militares nas regiões setentrionais da Ucrânia, na Finlândia e na Polónia. Na prática, ao longo de boa parte dos confins europeus da Rússia.
E pasmem-se: nenhum media ocidental realçou este facto.
Com certeza foi só distracção.
Ipse dixit.
Fontes: Nato - Final Communiqué Issued at the Ministerial Meeting of the North Atlantic Council
M-NAC-2 (96) 165, Nato: Trex Matrix 2014/2015 (documento Pdf), Pandora Tv, Diários: links no texto.
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