
Jeannette Jara (esquerda na foto) com Camila Vallejo (direita na foto).
Pela primeira vez, um líder do Partido Comunista será o candidato presidencial da esquerda e centro-esquerda no Chile
De MUNDO OBRERO
Jeannette Jara, ex-ministra do Trabalho do presidente Gabriel Boric e membro da Comissão Política do Partido Comunista do Chile (PCCh), também apoiada nas primárias por dois pequenos partidos (Esquerda Cristã e Ação Humanista), representará esse amplo setor nas eleições de 16 de novembro.
Seus principais rivais serão José Antonio Kast, de Pinochet, que recebeu o maior número de votos no primeiro turno de 2021, embora tenha perdido para Boric, e a ex-ministra Evelyn Mathei, representante da direita “tradicional” do partido reacionário União Democrática Independente e Renovação Nacional, que perdeu para Michelle Bachelet em 2013.
Nas eleições primárias realizadas neste domingo, 29 de junho, com uma participação de quase um milhão e meio de pessoas (10% dos eleitores potenciais), Jara obteve vitória com 60% dos votos (mais de 800 mil votos), contra a ex-ministra Carolina Tohá apoiada pelos Partido para a Democracia, Partido Socialista, Partido Radical e Democracia Crista. Filha de um dos ministros mais importantes do presidente Salvador Allende, José Tohá (assassinado pela ditadura em março de 1974), ela obteve apenas 28% dos votos, enquanto o deputado Gonzalo Winter, candidato da Frente Ampla (partido ao qual Boric pertence), obteve 9% e o regionalista Jaime Mulet 2,7%.
Este é um triunfo de proporções históricas, considerando que, desde 1932, militantes comunistas só concorreram à presidência em duas ocasiões (Elías Lafertte em 1932 e Gladys Marín em 1999). O ex-prefeito de Recoleta, Daniel Jadue, perdeu as primárias presidenciais de 2021 para Boric, apesar de ter obtido uma alta votação. Entre 1938 e 1946, o Partido Comunista apoiou candidatos do Partido Radical em coalizões vitoriosas da Frente Popular (Pedro Aguirre Cerda, Juan Antonio Ríos e Gabriel González Videla). Entre 1952 e 1970, foi o principal apoiador de Salvador Allende em suas quatro campanhas presidenciais. Nas eleições de 1989, apoiou Aylwin e, em 1993, 2005 e 2009, candidatos de esquerda (o padre Eugenio Pizarro, o humanista Tomás Hirsch e o ex-líder socialista Jorge Arrate), enquanto em 2013, com seu apoio a Michelle Bachelet, fez parte da coalizão Nueva Mayoría, que também incluía as forças da Concertación, e voltou ao governo, quarenta anos após o golpe de estado militar e civil.
Com presença nacional, já que o Partido Comunista (PC) é um dos maiores grupos de filiação, tem raízes históricas, e um discurso focado no avanço dos direitos sociais, Jeannette Jara demonstrou uma capacidade de comunicação política e liderança que conseguiu derrotar a retórica anticomunista propagada pela grande mídia, que, assim como fez com a campanha de Salvador Allende em 1964, transformou Cuba em uma questão central no debate político no Chile.
Nascida em 1974 na cidade operária de Conchalí, na região metropolitana de Santiago do Chile, Jara destacou sua origem operária, não pertencente à elite, como uma de suas principais características.
Filha de um mecânico industrial e uma dona de casa, a mais velha de cinco irmãos, foi a primeira da família a cursar Administração Pública na Universidade de Santiago (USACh). Membro da Juventude Comunista desde os 15 anos, foi eleita presidente da Federação de Estudantes da USACh em 1997.
Durante o segundo governo da presidente Bachelet, atuou como subsecretária (vice-ministra) da Previdência Social. Como ministra do Trabalho do presidente Boric, impulsionou projetos como a reforma da previdência, o aumento do salário mínimo para 500.000 pesos (cerca de 500 euros) e a redução da jornada de trabalho para 40 horas.
Sua vitória inaugura um cenário sem precedentes na história do Chile, um país onde o anticomunismo justificou os massacres massivos e recorrentes de trabalhadores do primeiro terço do século XX, a ilegalização e perseguição do Partido Comunista entre 1948 e 1958 e o golpe de Estado de 11 de setembro de 1973.
O prazo para registro de candidatos presidenciais é 16 de agosto, e é possível que surjam outros candidatos, especialmente do centro, bastante fragilizado eleitoralmente, mas também da esquerda.
Além disso, os partidos que apoiaram Carolina Tohá, Gonzalo Winter e Jaime Mulet terão que honrar o compromisso assumido por todas as forças participantes das primárias de apoiar a vencedora, que em seu primeiro discurso na noite passada — acompanhada por Tohá e Winter — apelou à unidade das forças democráticas, à memória do presidente Salvador Allende e ao legado da presidente Bachelet.
113 anos após sua fundação em Iquique como Partido Socialista dos Trabalhadores, 103 anos após sua adesão à Terceira Internacional e seu nome como Partido Comunista, o Partido de Recabarren e Lafferte, de Pablo Neruda e Francisco Coloane, de Violeta Parra e Víctor Jara, de Luis Corvalán e Gladys Marín alcançou um triunfo ontem à noite que nos desafia, em um mundo abalado pelo genocídio em Gaza, pela barbárie do imperialismo e pela expansão, como uma nova maré marrom, da ameaça da extrema direita.
Uma ameaça que também é uma possibilidade real no Chile de hoje. Uma ameaça que só pode ser evitada, como sempre na história, com a mais ampla unidade das forças democráticas e o chamado ao povo para defender seus direitos. A história do Chile, também cheia de momentos brilhantes, abriu ontem uma nova página de esperança graças a Jeannette Jara.