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O enigma do mercado

26 de Fevereiro de 2014, 16:36 , por DP - 0sem comentários ainda | No one following this article yet.

Sob o título Enigma do Crescimento (The Growth Puzzle), um levantamento feito pelos pesquisadores Elroy Dimson, Paul Marsh, and Mike Staunton da London School of Economics para o Instituto de Pesquisa do banco Credit Suisse, lançado este mês em seu Anuário Global de Ganhos de Investimento, analisa o que os especialistas na área chamam de paradoxo: países com alta taxa de retorno no mercado de ações possuem baixo crescimento do PIB per capita.

As principais razões para essa disparidade, segundo o estudo, seriam: mercados de ações trabalham com o futuro, a especulação, portanto, não refletem o momento; investimentos em países consolidados economicamente têm retorno menor; arbitragem de preços com ativos/mercados desvalorizados são arriscados, mas com alto retorno; países ricos em commodities e com baixo custo da mão de obra, como os emergentes, são os mercados ‘quentes’ deste novo século.

Para os investidores é crucial conhecer estes mecanismos. Para os reles mortais, contudo, é uma chance de entender o descolamento entre os anseios do mercado financeiro e aqueles de uma nação. O interesse – privado – de shareholders, os donos de ações ou títulos, é o lucro, não importando se a especulação para obtê-lo é ruim para o país e até mesmo para sua própria empresa.

Não se trata aqui de demonizar o mercado financeiro, mas de apontar os mecanismos, muitas vezes deletérios, de sua ação e seus impactos para o resto da economia. Guilherme Mello, doutor em Economia pela Unicamp e professor da mesma matéria na Facamp, explica essa queda de braço entre o mercado financeiro e a chamada economia real, a que gera bens e serviços.

O senso comum diz que um país com uma bolsa de valores pujante reflete uma economia robusta. Esse levantamento derruba essa ideia. Como se dá isso?
O comportamento da bolsa de valores depende de inúmeros fatores que pouco refletem os avanços sociais, estruturais e econômicos de um país. Na realidade, por ser um mercado onde se negociam ações de empresas privadas listadas (que em geral são a minoria das empresas do país), a bolsa de valores reflete apenas as expectativas dos principais players financeiros acerca da valorização destas empresas. Entenda que quando falamos em valorização, não estamos necessariamente falando em crescimento da empresa, abertura de novos empregos, nem mesmo um crescimento significativo do lucro: estamos falando puramente da percepção dos agentes financeiros acerca do preço futuro da ação daquela empresa, que pode se valorizar por motivos externos aos “fundamentos” da própria empresa ou do país em que ela está situada. Por exemplo, uma empresa como a Petrobras, que apresenta um dos maiores planos de investimento e crescimento do mundo, está sendo duramente punida pelo mercado por aumentar seu endividamento para realizar tais investimentos. Ou seja, a visão do investidor em ações é necessariamente uma visão de curto prazo, ligada a sua expectativa de valorização fictícia (esse é o termo usado por Marx para explicar a criação deste “valor” financeiro que, com as crises, se desmancha no ar como se nunca tivesse existido) do capital que possui.

Pode-se concluir que ajustes pró-mercado e medidas liberalizantes são fermento para lucros privados e não impulso para o desenvolvimento de um país?
Certamente a adoção por parte de um país de medidas que liberalizem o fluxo de capitais é bem vista pelos mercados e pode atrair uma leva de capitais voláteis, que buscam valorização imediata com portas de saída abertas. Essa entrada de capitais, que num primeiro momento pode parecer bem-vinda para financiar eventuais déficits em transações correntes ou financiar algumas empresas, na realidade é uma armadilha: ao primeiro sinal de problemas, dentro ou fora do país, os capitais fogem para ativos mais seguros, deixando o país com enormes problemas de gestão macroeconômica. Nestes casos, a maioria dos países se vê obrigada a promover elevações vultosas e abruptas dos juros, além de criar a necessidade de cortes nos gastos públicos (para financiar o novo alto custo da dívida pública), prejudicando por anos o investimento privado e o desenvolvimento nacional. Sendo assim, não se pode dizer que medidas pró-mercado ajudem necessariamente no desenvolvimento nacional: cada caso é um caso e a combinação de controle de fluxos de capitais voláteis e de algumas variáveis macroeconômicas (como câmbio e juros), combinada com liberdade de concorrência e empreendedorismo parece ser uma fórmula bem-sucedida para boa parte dos países em desenvolvimento. Independentemente disso, o Estado sempre teve um papel decisivo na consolidação e delimitação de uma estratégia de desenvolvimento, sendo um disparate (sem paralelos históricos) pensar em capitalismo e desenvolvimento sem Estado.

Por Douglas Portari

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