Democracia não é só eleição – é muito mais do que isso. É participação, envolvimento, confiança. É, no fundo, o exercício claro da cidadania. Essas são condições essenciais para a plenitude do sistema democrático, fatores indispensáveis para que o cidadão tenha confiança nas instituições e no seu funcionamento pleno, e a certeza de que elas existem para atendê-lo e assegurar o exercício de seus direitos.
O cidadão não pode, sob pena de acentuar ainda mais o descrédito que atualmente existe em relação à política e aos políticos, assistir à guerra surda que, muitas vezes, opõe as diversas instâncias de poder. O poder, seja ele federal, estadual, municipal, ou, em outro plano, executivo, legislativo e judiciário, tem que entender que sua função é servir e exercer suas competências, sem colocar outros interesses à frente de sua atuação que não sejam os da própria sociedade que representa.
O respeito entre os poderes executivo, legislativo e judiciário é condição fundamental para fortalecer a cidadania. Infelizmente, em todo o Brasil, assistimos a confrontos onde interesses de outra ordem se sobrepõem ao interesse comum. Essa é uma questão fundamental de quem se preocupa em pensar o Brasil. Ela aborda a tão complexa relação de confiança que obrigatoriamente tem de existir entre eleitores e eleitos e que não pode sofrer mais abalos que a comprometam, sob pena de a democracia sofrer um rude golpe.
A crise de confiança vai se agravar se não tomarmos rapidamente medidas concretas que promovam a reconciliação da sociedade brasileira. É uma tarefa que cabe a todos nós. Mas quem obrigatoriamente terá de dar o primeiro passo são as instituições, que precisam se colocar definitivamente a serviço dos cidadãos, mostrando que representam muito mais que um “estado-patrão” e distante.
Elas têm que ser a face visível e operacional de um “estado-cidadão”, e não se digladiar entre elas, sem respeitar a separação de poderes constitucionalmente consagrada, um dos pilares básicos do Estado Republicano.
Essas mesmas instituições precisam entender que a razão de sua existência e o objetivo de sua função é servir ao cidadão, criando condições para que o desenvolvimento econômico e social ocorra e garantindo oportunidades para todos. Por sua vez, o cidadão tem também que, ao mesmo tempo em que exige do Estado essa postura, saber colaborar e participar do processo de mudança, contribuindo através dos vários mecanismos que a democracia coloca à sua disposição.
Cidadania é responsabilidade perante nós mesmos e perante os outros, mas também é a consciência que devemos ter dos deveres e dos direitos de todos nós. Cidadania é solidariedade, mas também é a obrigação que temos de corrigir injustiças, aperfeiçoar os mecanismos da sociedade em que vivemos, inovar e contribuir desinteressadamente para o bem comum.
Há quem defenda que é necessário “reinventar” a democracia. Não vou tão longe, até porque a própria democracia possui características que lhe possibilitam encontrar mecanismos que a conduzam a uma óbvia e necessária pacificação, sem rupturas nem traumas.
E, certamente, ela promoverá a reconciliação entre eleitores e eleitos e nos conduzirá a um novo tempo, marcado pela recuperação da credibilidade e a renovação da confiança, através de um “estado-parceiro”, onde um novo jeito de exercer o poder seja o fator decisivo para nos unirmos, com a certeza de estarmos construindo um futuro melhor.
Delcídio do Amaral
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