Valor Econômico
Pergunte a qualquer garoto que joga futebol, de qualquer parte do mundo, em que time ele gostaria de atuar. É grande a chance de que ele responda Barcelona. O clube é famoso por conquistar muitos títulos e congregar os jogadores mais badalados, mas isso é apenas consequência. A razão primordial para o sucesso e a atratividade da marca é a mesma que rege o mundo dos negócios: a gestão de talentos.
O patamar atingido pelo Barcelona é para poucos, uma vez que sua força causa preocupação nos adversários e admiração no público. A lição do time, no entanto, pode servir de exemplo para todos. Afinal, a maneira como as companhias lidam com a formação, a atração e a retenção de seus craques corporativos tem impacto direto nos negócios.
A comparação foi feita por dois líderes globais da área de consultoria e gestão de capital humano da Deloitte, Brett Walsh e Jeff Schwartz, que atuam na Inglaterra e na Índia, respectivamente. Eles estiveram recentemente no Brasil para divulgar o estudo intitulado “Global Human Capital Trends 2014 (Tendências Globais do Capital Humano 2014)”, feito com 2,5 mil líderes de recursos humanos de empresas de 94 países, sendo 40 executivos do Brasil.
Em entrevista exclusiva ao Valor, eles destacaram as lacunas entre os desafios que se apresentam às corporações e o quão prontas estão suas equipes para enfrentá-los. Foram identificadas globalmente como questões críticas a serem abordadas pelas organizações a liderança (86%), retenção e engajamento de talentos (79%) e a flexibilização da área de RH (77%). Também no Brasil, reforços estratégicos devem se concentrar em desenvolvimento de liderança (98%), retenção e engajamento (95%) e gestão da área de RH (92%).
As companhias não têm sido pródigas em desenvolver novos líderes. Entre os entrevistados, enquanto 13% disseram empreender essa tarefa com excelência, 51% confiam pouco em sua competência para manter programas de sucessão consistentes. Práticas de RH e de gestão de talentos em curso, por sua vez, foram classificadas como abaixo do desejado ou em processo de melhoria por 34% dos líderes. A partir do estudo, a Deloitte elencou 12 tendências, divididas em três grupos, para a área de recursos humanos, as quais seriam imprescindíveis para o engajamento da força de trabalho do século 21.
No conjunto das práticas de atrair e engajar, é preciso ir além da retenção e se tornar um ímã de talentos – o que não se obtém apenas pagando os melhores salários. Em um cenário de permanentes mudanças, tem se formado uma força de trabalho representada por diferentes gerações, ressalta Schwartz. “Vemos pessoas mais jovens e mais velhas atuando juntas de um modo diferente, enfrentando novos problemas.”
Na comparação com o Barcelona, a transição de gerações é feita de forma que jogadores mais experientes, como o atacante Andrés Iniesta, campeão do mundo com a seleção espanhola em 2010, interajam em campo e fora dele com talentos que despontam no cenário futebolístico, como o brasileiro Neymar. Uma parcela de 66% dos entrevistados na pesquisa afirmou estar pouco apta para treinar líderes da geração Y, importantes na constituição de grupos multigeracionais. “O futebol é bom exemplo da combinação de experiência com juventude”, afirma Walsh. “Mesmo em relação aos técnicos há uma sucessão, mas para obter alta performance regularmente, é preciso treinar e desenvolver os jovens e fazer com que cresçam. Isso requer investimento.”
O Barcelona possui, conforme indica seu site, mais de 20 campi ao redor do mundo onde crianças são treinadas para um dia vestir sua camisa. Neles, dentre os objetivos estão “facilitar o aprendizado de conceitos técnicos e táticos de acordo com os métodos de trabalho usados pela equipe do Barça; promover a coexistência entre crianças com diferentes perfis, culturas e que compartilham da paixão pelo futebol e pelo clube; e transmitir os valores que o Barça representa.”
Uma das tendências identificadas pelo estudo trata da capacitação da força de trabalho em um ambiente de competição global por habilidades escassas. Segundo Schwartz, “é preciso ir mais cedo às escolas, a colégios técnicos e a universidades”. “É necessário estender a busca para mais e mais lugares. Companhias que têm construído uma cadeia de abastecimento de profissionais mais extensa se preocupam em manter as pessoas por mais tempo, trabalhando conectadas no Brasil, na Índia, na China e na África do Sul.”
Nas empresas brasileiras, o ‘gap’ entre a importância de retenção e engajamento e a capacidade de efetivá-los é de 45%, enquanto no mundo é de 23%. “Se há lacunas significativas como essa em uma economia em crescimento, é tempo de tomar decisões diferentes ao investir”, afirma.
No item liderança, a distância entre a importância e o estar pronto para fazer é ainda maior: 51% no Brasil e 34% no mundo. Henri Vahdat, sócio-líder da área de capital humano da Deloitte, salienta um ponto que corrobora a necessidade de destinar recursos às “categorias de base”: é caro comprar líderes prontos. “A decisão entre formar e comprar faz a diferença. Você pode contratar um líder em uma situação emergencial, mas essa não deve ser a estratégia todo o tempo”, ressalta.
A história do jogador argentino Messi, maior estrela do Barcelona, é referência nessa política nos gramados. Olheiros do clube o descobriram cedo no argentino Newell’s Old Boys. Com 13 anos, ele já passava por testes na Espanha, e o time catalão decidiu investir: bancou a mudança de sua família e o tratamento para um problema hormonal que retardava o crescimento do atleta. Contudo, não basta cultivar o talento para depois perdê-lo para a concorrência. Aqui, a grande questão, de acordo com Vahdat, é como fazer com que seus empregados sejam seus fãs. “Eles têm de acreditar no propósito da organização”, diz Schwartz. Não se trata de “segurar” as pessoas, e sim de criar um ambiente onde elas queiram estar e crescer.
Tanto em relação à geração Y quanto a trabalhadores mais velhos, o brilho nos olhos surge não só com os ganhos financeiros, mas principalmente com flexibilidade – onde e como trabalhar. Responsabilidade social também é um tema em voga para despertar o desejo de vestir a camisa. “Todos querem fazer parte de um time vencedor. Compensação financeira é importante, mas não é todo o jogo. Não é o suficiente. É preciso dar às pessoas uma razão para renovarem seu interesse diariamente”, diz o diretor. Estruturar o trabalho por projetos, opina Vadhat, é uma forma de atingir esse objetivo.
Ainda falando de Messi, é certo que não faltam equipes interessadas em contratá-lo, bem como parece evidente que ele “comprou” o projeto Barcelona e se mantém motivado a cada temporada, dada a sua produtividade em campo. O aspecto financeiro, contudo, não pode ser descartado da equação, diante das dimensões astronômicas dos rendimentos anuais e da multa contratual rescisória do jogador.
No rol das tendências na gestão de recursos humanos do século 21, diversidade é um conceito-chave, e ela é mais perceptível nas novas gerações que entre os “boomers”, segundo Schwartz. A pesquisa da Deloitte, porém, nos mostra que a maioria das organizações não percebe os benefícios que uma força de trabalho diversificada pode gerar para o negócio – 34% das empresas se dizem despreparadas para lidar com essa questão, ante 20% que se veem totalmente preparadas. “A diversidade tem de se espelhar nas lideranças”, diz o consultor. O atual técnico do Barcelona, Gerardo Martino, é argentino, realçando a mescla cultural do clube.
Se o futebol não sobrevive sem a tecnologia, haja vista as modernas técnicas de preparo físico e de recuperação de atletas lesionados, o mesmo começa a valer para o RH. Recursos como computação em nuvem e análise de dados provenientes da internet são aplicados na gestão, no recrutamento e no processo de aprendizagem dos talentos. Mas, pela pesquisa da Deloitte, somente 7% das organizações acreditam estar aptas a usar dados de forma analítica, e 6% dizem dominar as tecnologias necessárias para tornar a aprendizagem online acessível e atraente para seus empregados. E, se dois terços dos empresários avaliaram que as tecnologias de RH são uma demanda urgente e importante, 56% afirmaram não ter planos definitivos para implementá-las.
Além disso, as redes sociais ainda predominam como veículo de publicidade em 62% das empresas, ao passo que 54% avaliam que o uso de ferramentas sofisticadas para recrutamento está abaixo do esperado. Os próprios profissionais de RH precisam se reinventar. “Eles têm que dominar profundamente os conceitos da área, mas necessitam também ter foco no negócio”, afirma Schwartz. Afinal, o sucesso no meio empresarial não é uma caixinha de surpresas.
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