Se nossa colega, a Dra. Ramona Matos Rodríguez, mereceu um editorial do mais lido jornal da província, quantos editoriais seriam necessários para expressar o profícuo trabalho de mais de 3 mil colegas cubanos e a assistência à saúde que estes fornecem a milhares de brasileiros que pela primeira vez em suas vidas são vistos, ouvidos, examinados e medicados por um médico?
As perguntas que cabem são: qual a intenção subjetiva que tal editorial expressa quando se preocupa com a questionável falta de liberdade de uma pessoa e não divulga, comenta e condena em destacados editoriais a total ausência em cuidados da saúde em mais de 1,5 mil municípios brasileiros? No panorama de mais de 3 mil médicos, será que só a Dra. Ramona não sabia das condições salariais? E, pergunta-se, quais os motivos do jornal em dar tamanho destaque e merecer um inteiro editorial para apenas uma reclamação diante de milhares de gratificações pessoais pelo seu trabalho e remuneração?
É lamentável que este tema tenha que vir às páginas da imprensa só depois que o governo federal implantou o programa Mais Médicos, que segundo o próprio editorial, “está produzindo resultados positivos” (sic), mas que tais resultados merecem apenas uma linha em todo o editorial.
Outros textos mereciam ser publicados, comentando, por exemplo, o trabalho eficiente e humanitário de milhares de médicos cubanos em dezenas de países pobres do Terceiro Mundo, como o Haiti, onde, depois das catástrofes naturais e bélicas, seus habitantes foram abandonados por médicos americanos e de outros países ricos e só são assistidos por médicos cubanos que lá permanecem até hoje, por remunerações menores do que a Dra. Ramona recebe no Brasil e em piores condições de trabalho.
Insistimos na pergunta que deve ser respondida: por que a desistência de apenas uma colega médica dentro de um universo de milhares de outros médicos merece ser noticiada com tanta efusão midiática e ser divulgada tão intensamente por partidos e jornais da oposição ao atual governo? Outros textos seriam oportunos para se perguntar, por exemplo, por que nunca o público foi informado que em 1995, no governo de FHC, o secretário da Saúde do Estado de Tocantins, Eduardo Medrado, que tinha apenas 64 leitos para 140 municípios, vendo-se desassistido pelo governo central, trouxe 90 médicos cubanos, especialistas em moléstias tropicais que, em trabalho conjunto com médicos brasileiros, ajudaram a amenizar várias epidemias que grassavam naquela região do país.
Criticado pela oposição política por importar médicos de outro idioma, Dr. Medrado respondeu: “É melhor um médico que fale espanhol do que nenhum”. As críticas ao secretário se avolumaram, oriundas até do Conselho Federal de Medicina, mais de 25 processos foram assacados contra ele e no final o convênio foi extinto e as várias moléstias tropicais em Tocantins ficaram com prevenção e tratamento prejudicados.
Não podemos deixar de apontar o contraste da atitude estranha e indigna da Dra. Ramona com o grande e negro boxeador cubano Teófilo Stevenson. Depois de ser campeão olímpico dos pesos pesados em três Olimpíadas (Munique, Montreal e Moscou) e de ter vencido 300 lutas, foi convidado para se profissionalizar nos EUA por US$ 5 milhões. O “Gigante da Central Delícias” como era chamado carinhosamente pela população cubana, declinou do convite, informando aos empresários do boxe americano que “tudo o que conseguira em sua vida devia ao governo e ao povo cubanos”, os quais com seus trabalhos e sacrifícios tinham lhe proporcionado tantas glórias esportivas. E que seria indigno e ingrato se aceitasse abandonar seu povo e sua pátria.
Enquanto o grande Teófilo Stevenson não é lembrado como exemplo de dignidade e de bom caráter, a Dra. Ramona, que cursou Medicina em uma faculdade paga pelo povo cubano e que agora o abandona, merece editoriais e manchetes na grande e próspera imprensa de nosso país.
*Médico **Também assinam o artigo os médicos Franklin Cunha, Airton Fischmann e Luiz Carlos Lantieri
Artigo publicado na Zero Hora
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