Naquela época a esquerda não pensava em dinheiro mas em revolução.
Por Maria Lúcia Dahl, do Rio de Janeiro:
Fui ver o filme da Betse de Paula sobre a História do Cinema Novo, na Cinemateca do MAM. Uma delícia!
A platéia e o filme eram praticamente formados pelo mesmo elenco, ( fora os que infelizmente já se foram, e conviver novamente com aquele grupo foi muito divertido, com o Barretão, ou Luiz Carlos Barreto, narrando o documentário e mostrando seus trechos desde os anos 60, 70, junto com os papos com os cineastas e atores da época, como Glauber Rocha, Nelson Pereira do Santos, Arnaldo Jabor e por aí vai. As atrizes eram flagradas em festas da época, assim como Helena Ignez, Anecy Rocha e até eu! Quantas festas, quantos papos sobre os filmes que cada um fez, sobre a grana necessária que cada um se matou pra conseguir, tendo que pedir até filmadoras emprestadas , o que não está muito diferente de hoje em dia, uns cinquenta anos depois!
Lembrei-me das passeatas de 68 onde o pessoal do Cinema Novo se encontrava, e uma vez, passando pelo Banco Nacional, na cidade, gritamos as palavras de ordem a quem estava na frente dele: “ Você que é explorado, não fique aí parado!” Ao que um cara respondeu: “Explorados por vocês, cineastas, que pedem empréstimo ao banco e nunca podem pagar!”
Que época boa aquela quando tínhamos todos o mesmo ideal verdadeiro e batalhávamos por ele em todos os sentidos, sendo até presos, torturados e exilados, ideal este, que inacreditavelmente se transformou em dinheiro, não para ser gasto em arte ou para a educação do povo, mas sim em automóveis, aviões, sítios e apartamentos particulares deixando a população sem emprego dormindo nas ruas espalhadas por toda parte da cidade.
O final dos anos 60, 70, também foram marcados pela transformação dos costumes, a liberdade de expressão que se exibia na vida e na arte, sobretudo, através da Tropicália e da Bossa Nova usadas como fundo musical da nova arquitetura, pintura e escultura que transformaram o Brasil da época. Hoje vivemos um tempo de tecnologia e instalações, algumas bastante interessantes como a decoração que vi na festa de cem anos do Country Club coordenada por Betty Azulay, composta por luzes e água que pairavam por cima de objetos inacreditáveis, deixando estupefactas, as 800 pessoas que compareceram ao jantar.
Tomara que este período difícil que estamos vivendo agora no Brasil coopere com uma nova união de ideologias que acabe com essa ditadura do dinheiro pra se transformar numa nova Democracia com novos cenários e arte surpreendentes acompanhadas, como nas décadas do Cinema Novo, por um e extraordinário fundo musical.
Maria Lúcia Dahl , atriz, escritora e roteirista. Participou de mais de 50 filmes entre os quais – Macunaima, Menino de Engenho, Gente Fina é outra Coisa – 29 peças teatrais destacando-se- Se Correr o Bicho pega se ficar o bicho come – Trair e coçar é só começar- O Avarento. Na televisão trabalhou na Rede Globo em cerca de 29 novelas entre as quais – Dancing Days – Anos Dourados – Gabriela e recentemente em – Aquele Beijo. Como cronista escreveu durante 26 anos no Jornal do Brasil e algum tempo no Estado de São Paulo. Escreveu 5 livros sendo 2 de crônicas – O Quebra Cabeça e a Bailarina Agradece-, um romance, Alem da arrebentação, a biografia de Antonio Bivar e a sua autobiografia,- Quem não ouve o seu papai um dia balança e cai. Como redatora escreveu para o Chico Anisio Show.Como roteirista fez recentemente o filme – Vendo ou Alugo – vencedor de mais de 20 premios em festivais no Brasil.
Direto da Redação, é um fórum editado pelo jornalista Rui Martins.
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