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Luiz Muller Blog

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ENERGIA SOLTA NO AR. E A DOR. (Por Selvino Heck)

18 de Março de 2018, 10:33 , por Luíz Müller Blog - | No one following this article yet.
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MarielleÉ março, as coisas estão muito confusas e difíceis neste país, parece não haver luz e saída no horizonte, Lula será preso até o final do mês ou nos próximos meses, os golpistas passaram todos os limites e fronteiras, a democracia cambaleia, a pergunta permanece no ar: vai ter eleições em 2018?

Eis que, vindos e vindas de não se sabe bem de onde, de todos os lugares, latitudes, batuques, atabaques, tambores, cuícas nas mãos, vozes acesas, festa, alegria, protesto, encontros/reencontros, abraços, rememorações, bebemorações, negros, jovens, mulheres, brancos, velhos, crianças, elas e eles estão lá, estão junto, estão prontos, estão vivos.

A energia está solta no ar. É o Fórum Social Mundial em Salvador, Bahia, Nordeste, Brasil, a encantar os mais felizes, a desencantar os mais tristes, a reencantar quem estava quase perdendo a esperança. Tendas, salas lotadas, milhares de pessoas pagando inscrição, participando da Marcha de Abertura do Fórum Social Mundial pelas ruas de Salvador. É o povo que não se entrega nunca. É o debate sobre o futuro: educação popular, novos paradigmas, o Brasil que o Povo quer, o cuidado com a saúde das pessoas e do planeta, os Direitos Humanos, a economia solidária, a mulheres, os jovens, o povo LGBT, os quilombolas, os indígenas e seus espaços de direito. Está todo mundo e todas as ideias, e todos os projetos, e todas as articulações em Salvador, Bahia, Nordeste, Brasil.

O FSM aconteceu pela primeira vez em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, em 2001. Os tempos eram outros, mas não eram tão outros, com seu neoliberalismo feroz, a ausência de participação popular, o mercado livre e absoluto, o Estado mínimo, as políticas compensatórias. As elites deste país, que nunca gostaram do povo, escravocratas, pensando sempre no seu umbigo, enchendo suas burras com o trabalho dos outros, ouviram, porém, que um outro mundo é possível. E foram 17 anos de Fórum por todo mundo, de Fóruns Temáticos, de Fóruns de todos os tipos, iluminando a vida, os sonhos, iluminando a esperança.   

De repente, a dor, lancinante, como se um punhal fosse cravado direto no coração, como se uma pedra tivesse atingido e sangrado o olho esquerdo, um terremoto tivesse caído de noite sobre a cidade. O brutal assassinato de Marielle atravessou todas as Atividades de Convergência, todas as Tendas, todas as Atividades Autogestionadas, todas as Místicas de todas as Oficinas, todos os Atos como o do Estádio de Tipuaçu com a presença de Lula, todas as Marchas, todas as mesas de bar no fim da noite e madrugada, todas as conversas. E entrou nas redes sociais, e sacudiu cabeças, e fez chorar muita gente. E o Fórum Social Mundial e todo mundo presente em Salvador embeberam-se do mesmo grito de revolta, de ‘não pode ter acontecido isso’ com uma mulher, uma negra, uma militante, uma sonhadora, uma revolucionária. E brotaram as homenagens, e declamaram-se poemas, e cantos se ouviram por toda cidade, mistos de fé, choro e utopia, hinos de vida e de morte, abraços doloridos e de companheirismo.

Serão suficientes esta energia e esta dor soltas no ar para derrotar a barbárie, barrar o golpe e as políticas entreguistas e anti-povo, exigir que os direitos dos mais pobres e dos trabalhadores sejam respeitados, que a discriminação e o preconceito sejam varridos, os jovens negros, as lideranças sem-terras, quilombolas, indígenas, as mulheres deixarem de ser assassinados como se não fossem nada, não fossem ninguém? Bastará que as pessoas gritem sua revolta e sua desesperança exigindo paz, que a notícia se espalhe pelo mundo?

A esperança ainda está no ar, como se viu esta semana em Salvador. Mas uma esperança que a qualquer momento pode sofrer duros golpes, uma esperança que precisa ser alimentada e regada todos os dias, uma esperança que precisa unir militantes, sonhadores e revolucionários, precisa fazer superar eventuais diferenças de pensamento, de formas de luta, de projeto de futuro, uma esperança que se se converta em justiça, em igualdade, em liberdade.

O tempo urge e ruge. Os tempos urgem e rugem. Na verdade, não há mais tempo, não dá mais para esperar. Antes que outras Marielles sejam sacrificadas, outras Marielles sejam choradas por todas e todos.

MARIELLE PRESENTE!

Selvino Heck

Deputado estadual constituinte do Rio Grande do Sul (1987-1990)

Da Coordenação do CEAAL-Brasil (Conselho de Educação Popular da América Latina e Caribe)

Em dezesseis de março de dois mil e dezoito.


Fonte: https://luizmuller.com/2018/03/18/energia-solta-no-ar-e-a-dor-por-selvino-heck/

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