A manjedoura foi o refúgio possível e necessário naquele momento. Não havia casa, pousada ou hospital para acolher o pai, a mãe e o filho que estava por nascer. Havia as ovelhas que acalentaram o recém nascido e os pastores que cuidaram da criança como se fosse sua. Havia os pássaros vigiando e denunciando eventuais visitantes inconvenientes.
Ele nasceu na rua. Ele nasceu entre os pobres. E os pobres foram solidários, como costumam ser solidários os que pouco ou nada têm. Um busca uma palha fugir do frio. Outro traz um tecido para cobrir o corpo e a nudez. O pão que se tem é partido. O bafo das ovelhas, dos bois, das vacas e dos terneiros faz o calor necessário na noite. Os pássaros e as aves dão segurança e transmitem paz.
Não havia tronos, não havia túnicas ou coroas de ouro. Não era um veraneio previamente combinado para o menino que estava por vir.
Nasceu ali uma história fora da ordem e da estrutura. Fora da institucionalidade. A vida tornou-se presente à luz da lua e das estrelas. Sem pompas, sem luxos, longe dos poderes. A bênção veio da noite, veio da brisa, veio do aconchego, veio da solidariedade, veio da natureza envolvente.
O sentido da vida deu-se ali nos primeiros olhares, no primeiro suspiro, no primeiro choro, no seu alvorecer, na sua aparição no mundo. Foi um ponto de partida, foi um ponto de chegada. Sem medos, sem traumas, sem preconceitos, sem discriminação, tempo, natureza, vento, animais, pessoas, todas e todos, irmanados como um só, como uma só alma, um só coração.
A casa é de todos os que chegarem e precisarem. A manjedoura não tem dono, é patrimônio universal, é refúgio e proteção, é anúncio e denúncia. É boa nova, evangelho.
Os caminhos são feitos ao caminhar, ao longo do tempo, desde o primeiro segundo até a última hora, mesmo que seja na cruz, depois de subido o calvário.
Como nascer hoje? Onde nascer hoje? Qual a manjedoura? Quem são os pastores? Ainda há pássaros, animais e plantas cheios de vida e perfume?
Os tempos não andam fáceis. Não se vendem sonhos, às vezes não se sabe quais são os horizontes e o amanhã. Os campos não andam floridos, os ventos não sopram mansos, os gestos não vibram carinhosos. A esperança está cheia de dúvidas e cansaço.
A casa, no entanto, a Casa Comum, deve ser de todos, peregrinos, transeuntes, desempregados, sem teto, sem terra, caminhantes de todas as origens e destinos. A casa é nossa, a casa é futuro, a casa é esperança.
O nascimento de cada um e cada uma, de cada criança, de cada filho e filha de animal, de cada planta deveria ser de paz, deveria iluminar o futuro, deveria transcender o fato e o acontecimento, deveria ser luz, farol, deveria ser sinal do novo, do sonho, da utopia.
FELIZ NATAL PARA TODAS E TODOS. Feliz nascimento e renascimento todos os dias, todas as noites, todas as madrugadas.
Selvino Heck
Deputado estadual constituinte do Estado do Rio Grande do Sul (1987-1990)
Membro da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política
Em vinte e dois de dezembro de dois mil e dezesseis