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Pandemia deixou muitas mudanças no modo de vida no Rio Grande do Sul (Por Carlos Wagner*)

September 21, 2025 9:55 , by Luíz Müller Blog - | No one following this article yet.
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Apandemia causada pela Covid-19 (2020 – 2022) mexeu com um costume dos gaúchos que é considerado um dos pilares da cultura do Rio Grande do Sul: a roda de chimarrão.

Reblogado do blog Histórias Mal Contadas

Ao contrário dos seus vizinhos argentinos e uruguaios, também habituais consumidores de bebida, que sorvem o mate utilizando, cada um, a sua própria cuia e sua própria garrafa térmica com água quente, os gaúchos têm como tradição matear em uma única cuia, que é passada de mão em mão ao redor de um círculo de pessoas. Durante a pandemia, os médicos acabaram com essa história de compartilhar a cuia de chimarrão. A Covid custou a vida de 42 mil pessoas no Rio Grande do Sul, o terceiro estado com maior número de óbitos no Brasil, que por sua vez ocupou o segundo lugar no mundo, com 716 mil mortos. Estes e outros números e informações podem ser encontrados no relatório final de 1.180 páginas da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado da Covid-19. Concluída em outubro de 2021, a CPI da Covid indiciou, por vários crimes, o então presidente da República Jair Bolsonaro (PL), 70 anos, e outras 65 pessoas. Às vésperas de completar quatro anos, na quinta-feira (18) o ministro Flávio Dino, 57 anos, do Supremo Tribunal Federal (STF), mandou a Polícia Federal (PF) abrir inquérito para investigar as irregularidades denunciadas no relatório final da CPI da Covid na gestão da pandemia pelo governo Bolsonaro.

Além do terror causado na população pelo negacionismo de Bolsonaro em relação ao poder de contágio e mortalidade do vírus, a pandemia deixou mudanças em vários setores do cotidiano da população. A roda de chimarrão é uma delas. Mas antes de falar sobre a influência da Covid na tradição cultural dos gaúchos vamos contextualizar a nossa conversa, como manda o manual do bom jornalismo. Setembro é o mês em que se comemora a Revolução Farroupilha, também conhecida como Guerra dos Farrapos, uma rebelião da então Província de São Pedro do Rio do Grande do Sul contra o Império do Brasil, governado pelo imperador Dom Pedro II (1825 – 1891). O conflito começou em 20 de setembro de 1835. Os gaúchos entraram na luta reclamando contra os impostos e reivindicando maior autonomia. No decorrer dos combates, chegaram a declarar independência, proclamando a República Rio-Grandense, também conhecida como República Piratini. Mas não conseguiram sustentar suas posições diante do maior poderio das tropas imperiais e, em 1845, aceitaram assinar o Tratado de Ponche Verde, que reintegrou a província ao Império, colocando fim a uma longa guerra. Terminada a contextualização, vamos seguir a nossa conversa. Todos os anos, entre os dias 7 e 20 de setembro, por todos os cantos do território gaúcho, acontecem os festejos da Revolução Farroupilha, com muita música, carne assada e homenagens às tropas que lutaram contra os imperiais. A intensidade das comemorações é tal que faz parecer que os gaúchos ganharam a guerra. Uma das maiores festividades acontece no Parque Maurício Sirotsky Sobrinho, também conhecido como Parque na Harmonia, que fica às margens do Guaíba, em Porto Alegre. No ano passado, mais de 2 milhões de pessoas passaram pelo parque. O ponto alto da festa é o desfile a cavalo dos Centros de Tradições Gaúchas (CTGs), que é realizado no dia 20 de setembro, quando é feriado em todos os 497 municípios do Rio Grande do Sul.

Claro que não tenho números. Mas sou um velho repórter estradeiro treinado para ficar atento às novidades. E notei algo diferente nestes festejos farroupilhas: um significativo número de pessoas reunidas tomando chimarrão à moda dos argentinos e uruguaios, ou seja, cada um com a sua cuia individual. No ano passado, viajei por várias por regiões do interior gaúcho entrevistando pessoas para meu mais recente livro, 

A história esquecida das benzedeiras gaúchas. E já tive minha atenção atraída para o fato que se popularizava nas rodas de chimarrão: o uso da cuia individual. Na época, a história me pareceu engraçada. No início de uma manhã, eu estava saindo de São Borja com destino a Porto Alegre e parei às margens do Rio Uruguai, que divide o Brasil e a Argentina, para entrevistar uma moradora que tinha benzido os filhos com um afamado benzedor da cidade nos anos 60.

Tomei uns dois mates na frente da entrevistada e não ofereci a cuia, como manda a educação gaúcha. Tinha como costume compartilhar o meu mate com os entrevistados. Até porque era uma maneira de facilitar a entrevista.

Ao perceber que não tinha compartilhado o chimarrão com a entrevistada, eu senti vergonha e lhe pedi desculpas. Mas ela respondeu: “Depois da tal Covid é assim, cada um com o seu mate”. Trabalhei em redação de 1979 a 2014 e lembro-me que cada editoria tinha a sua cuia de chimarrão. A roda de mate não deixou de existir nos festejos farroupilhas. Ela só mudou com a Covid.

A roda de chimarrão é personagem da literatura e da música gaúcha. Sempre foi um símbolo de união.

Aprendi isso quando viajei pelos sertões brasileiros fazendo o livro O Brasil de Bombachas, que conta a saga dos agricultores gaúchos que povoaram o oeste de Santa Catarina e do Paraná e depois subiram para os estados do Centro-Oeste e países vizinhos como o Paraguai. Foram eles que plantaram as sementes do que hoje é conhecido como agronegócio. Transformei as reportagens em três livros chamados Brasil de Bombachas.

Claro, além do mate, o que une a gauchada é o churrasco e a música. Vasculhei os jornais em busca de informações sobre mudanças trazidas pela pandemia. Andei dando uma conversada com médicos sobre o assunto. Ouvi de um deles que são muitas as mudanças no convívio social que acabaram incorporadas à rotina das pessoas.

Citei a da roda de chimarrão por ser uma parte importante da cultura gaúcha. Mas creio não ser a única. Sugiro aos colegas repórteres vasculharem o dia a dia das pessoas em busca de novos comportamentos que foram trazidos pela pandemia. O assunto é de interesse público. E também rende deliciosos textos. Contei a história de maneira resumida e breve.

Mas rende mais. É só sair por aí perguntando aos moradores do interior. Existem 1,6 mil CTGs fora do Rio Grande do Sul, e a maioria deles festeja a Revolução Farroupilha. Como no território gaúcho: é uma baita festa.

*Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social — habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.


Source: https://luizmuller.com/2025/09/21/pandemia-deixou-muitas-mudancas-no-modo-de-vida-no-rio-grande-do-sul-por-carlos-wagner/

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