Deputado Estadual Luiz Augusto Lara (PTB) propôs CPI dos Benefícios Fiscais
Com Déficit de R$ 2 bilhões mas concedendo Benefícios Fiscais de mais de R%$ 9 Bilhões de Reais, Governo alega que está “quebrado” e por isto propõe “vender o futuro”, como disse o Secretário da Fazenda Giovani Feltes a empresários na semana passada. Além disto, Sartori aceita as draconianas medidas de privatização e mais enxugamento ainda do Estado, em troca de uma “renegociação da Dívida com a União, que também é condenada pelo Deputado. Leia a entrevista do Deputado Lara a Marco Weissheimer no SUL 21:
A proposta de um novo refinanciamento da dívida do Rio Grande do Sul com a União, com a suspensão por três anos do pagamento da mesma, o seu alongamento por mais vinte anos e a exigência de contrapartidas como privatizações, aumento da alíquota previdenciária e cortes de salário, não representa um alivio financeiro como o governo José Ivo Sartori vem dizendo, mas sim um novo peso para o Estado. É crédito para negativado, o pior crédito do mundo. A avaliação é do deputado estadual Luis Augusto Lara (PTB), autor de uma proposta para a instalação de uma CPI dos Benefícios Fiscais na Assembleia gaúcha.
Em entrevista ao Sul21, Lara falar sobre o objetivo dessa proposta, defende que não é possível enfrentar o tema da crise financeira do Rio Grande do Sul só pelo lado da despesa e que é preciso abrir a caixa preta da receita do Estado. “Conforme está consignado no voto sobre o orçamento, do relator Marlon Santos, nós temos, só em benefícios fiscais, 9 bilhões de reais este ano. Esse é o valor atual da renúncia fiscal. O déficit do Estado está na casa dos 2 bilhões de reais, dinheiro que falta para a saúde, educação, segurança e outras áreas”, assinala o deputado. Lara critica a falta de transparência sobre o tema e garante que não vai trabalhar para vender estatais ou extinguir órgãos de Estado, cortando na carne dos servidores, sem ter clareza sobre o que está acontecendo com a receita do Estado.
Sul21: Quais são as razões que o levaram a propor a criação de uma CPI das isenções fiscais e o que representa esse tema no debate sobre a crise financeira do Estado?
Luis Augusto Lara: Na verdade, essa é a CPI do óbvio. É uma CPI que busca transparência sobre os incentivos fiscais fornecidos pelo Estado para que empresas possam gerar aqui desenvolvimento social e econômico, gerar empregos e combater desigualdades regionais, conforme diz a legislação. Desde o ano passado, quando assumi a presidência da Comissão de Finanças na Assembleia, estamos debatendo esse problema da falta de dinheiro, que é histórico no Estado, não tem nada de novo. Talvez agora tenha chegado a sua parte mais aguda, mas a maioria dos governadores enfrentou grandes problemas com a questão financeira.
Só que esse debate costuma se concentrar no lado da despesa do Estado. É claro que precisa haver um debate sobre isso, sobre as despesas que são essenciais, sobre a atual estrutura do Estado, etc., mas também precisamos ver o lado da receita e investigar aquilo que o Estado tem direito a receber e não recebe, aquilo que o Estado abre mão de receber. Essa discussão sobre a receita praticamente não existe. Além da receita corrente normal, constituída pelos impostos que pagamos, temos também a situação daqueles que estão autorizados legalmente a não pagar impostos que é o caso dos chamados incentivos fiscais.
Neste caso, os órgãos de controle do Estado precisam saber quais são as empresas beneficiadas, por que estão recebendo esse benefício e se as devidas contrapartidas estão sendo cumpridas. Conforme está consignado no voto sobre o orçamento, do relator Marlon Santos, nós temos, só em benefícios fiscais, 9 bilhões de reais este ano. Esse é o valor atual da renúncia fiscal. O déficit do Estado está na casa dos 2 bilhões de reais, dinheiro que falta para a saúde, educação, segurança e outras áreas. E temos uma renúncia de 9 bilhões, sobre os quais não temos sequer o controle do Tribunal de Contas que, por seis anos, vem pedindo aos governadores que abram a lista das empresas beneficiadas, as razões pelas quais foram beneficiadas e se elas estão fazendo a contrapartida. Essas informações não são públicas.
Sul21: Quais são as razões que fundamentam esse sigilo?
Parte dos benefícios são federais e valem para todos os estados. Outra parte é de natureza interestadual, envolvendo acordos entre estados. E outra parte é aquilo que é dado dentro de cada estado para determinados empreendimentos. Alguns poucos, que aprenderam o caminho das pedras na Fazenda praticamente vivem disso. Em vários casos, não pagam imposto e, na hora em que precisam começar a pagar imposto, dizem que quebraram e estão em recuperação judicial. Será que entre alguns dos maiores beneficiados não estão também alguns dos maiores devedores do Estado? Nós temos aí uma caixa preta que o Tribunal de Contas não consegue acessar. Luis Augusto Lara: Há uma lei sobre esse tema que estabelece, em alguns artigos, o sigilo sobre essas operações. Mas esse sigilo não deveria valer para o Tribunal de Contas ou para o Ministério Público. Esses órgãos têm o dever de guarda e a capacidade de compartilhar entre o sigilo fiscal. Em Santa Catarina, todo processo de benefício fiscal que é aberto vai, eletronicamente, para o Ministério Público e para o Tribunal de Contas. Se esses órgãos tiverem alguma dúvida ou denúncia sobre determinado processo, eles têm automaticamente acesso ao mesmo. Podem verificar também se as visitas de fiscalização estão sendo feitas a cada 90 dias.
Nós chamamos, via Comissão de Orçamento, representantes da Secretaria da Fazenda para falar sobre o tema e também não conseguimos ter acesso a esses dados. Até que, recentemente, o Ministério Público entrou com uma ação determinando que o Estado forneça os dados sobre os maiores contratos de benefícios fiscais num prazo de 20 dias. O Judiciário concedeu uma liminar e o Estado deve fornecer informações ao menos sobre uma parte desses processos. É ridículo nós aqui dentro da Assembleia não encararmos essa discussão porque partido A ou partido B fez parte de algum governo. Mato Grosso fez a sua CPI dos incentivos fiscais e achou cerca de 2 bilhões de reais de rombo.
Sul21: Qual a natureza desse rombo?
Luis Augusto Lara: Contratos mal feitos. A legislação de Mato Grosso estabelece que a Secretaria da Fazenda tem um mínimo de 30 dias para dar resposta a um pedido de benefício fiscal. A CPI achou dezenas de processos onde o benefício fiscal foi dado um dia depois à entrada do pedido. O que fazer neste caso? Corta o benefício. A ideia da nossa proposta de CPI não é promover uma caça às bruxas, mas sim passar um pente fino nos contratos, olhando a questão técnica de cada um deles. Não sou contra os benefícios fiscais, mas sim contra quem recebe esse benefício indevidamente. Esse processo precisa ser marcado pela transparência. Se tivermos transparência e análise do Tribunal de Contas, encontraremos irregularidades em pelo menos 10% dos contratos. Isso representa algo em torno de R$ milhões, metade do déficit para o próximo ano. É preciso enxugar dos dois lados, não apenas no lado da despesa.
O governo acabou de anunciar que conseguiu, junto à União, a suspensão do pagamento da dívida. Na verdade, trata-se de um alongamento. Suspende por três anos e fica devendo por mais vinte anos. A dívida do Rio Grande do Sul, que deveria terminar em 2027, com esse alongamento, só vai terminar em 2047. Já viu negócio ruim para banco? Não existe. São vinte anos a mais de pagamento da dívida por três anos de suspensão. É um fiasco estarmos pagando essa dívida até hoje. E aí temos uma falha dos meus amigos queridos do Tribunal de Contas. O Estado tem hoje 48 bilhões de reais para receber da Lei Kandir. Pelos valores da União, nós devemos cerca de 50 bilhões de reais, calculando pela Selic mais juros sobre juros, a chamada Selic capitalizada, que não é o que diz o contrato. Mas vem cá, se o governo federal nos deve 48 bi e nós devemos 50, por que não é feito esse encontro de contas? Por que essa questão não é judicializada, como fizeram Maranhão e Pará? O STF deu recentemente 90 dias para a União resolver o caso do Pará, para quem o governo federal deve 22 bilhões.
Sul21: Como está o processo de coletas de assinaturas para a instalação dessa CPI?Se eu, enquanto gestor e ordenador de despesa, tiver uma dívida para receber e não cobro essa dívida, ela recai sobre mim. Posso até não conseguir o dinheiro, mas tenho que tomar as devidas providências para tentar receber o que é devido. O governo federal deve 48 bilhões de reais e o Tribunal de Contas não aponta o governador que não fez nada para cobrar essa dívida? Nem o atual nem os últimos governadores fizeram isso com medo de ferir suscetibilidades. O mínimo que o governo tem que fazer é ingressar com uma ação no STF pedindo o encontro de contas.
Luis Augusto Lara: Tenho dez assinaturas. Faltam nove. Todas as entidades de servidores de fundações e de estatais também assinaram o pedido. Estamos buscando também o apoio do Judiciário, do Ministério Público e do Tribunal de Contas. Uma vez constituída a comissão, esses órgãos vão nos ajudar a fazer o roteiro da CPI. Não adianta eu inventar esse roteiro da minha cabeça. Eu propus uma CPI para investigar o processo de concessões de benefícios fiscais. O PT está propondo uma CPI principalmente sobre sonegação e contrabando. A minha proposta é que esses temas sejam agregados a CPI dos benefícios fiscais. Na minha avaliação, só não podemos abrir mão e tirar a parte dos incentivos fiscais.
A sonegação é um tema mais de longo prazo. No caso dos incentivos, se for encontrada alguma irregularidade você pode retirar o incentivo no dia seguinte. O Rio de Janeiro abriu uma CPI na semana passada. Na noite da última quarta, ela mandou bloquear os incentivos fiscais dados a todas as empresas que trabalham com a Petrobras.
Sul21: Como a CPI é pública, caso ela se concretize, será uma oportunidade de a sociedade conhecer o conteúdo de ao menos uma parte desses contratos…
Luis Augusto Lara: Creio que a CPI deve ter acesso ao material relativo às irregularidades nos contratos, levantadas pelo Ministério Público e pelo Tribunal de Contas. Nós teremos um filtro, por parte do Ministério Público, dos incentivos fiscais concedidos nos últimos cinco anos, mas nós queremos investigar os últimos vinte anos, afinal esse problema não começou de cinco anos pra cá. Se pegarmos só metade do governo do Tarso e metade do governo do Sartori, vai virar uma disputa partidária e aí não vai dar em lugar nenhum.
Sul21: Há quem diga que essas isenções beneficiam um pequeno número de empresas. É isso mesmo?
Luis Augusto Lara: Não são tão poucas assim. Nós temos as 20 maiores, mas temos muitas pequenas empresas também. Mito ou realidade, nós só vamos saber a partir da análise do Tribunal de Contas que, para fazer isso, precisa ter acesso aos dados dos contratos. A lei que regula esse processo foi criada há uns 50 anos e é uma coisa fechada mesmo. Mas, considerando tudo o que está acontecendo no país hoje, é insustentável não ter transparência sobre a receita do Estado. Sobre a despesa, nós temos toda a transparência do mundo. Todo mundo sabe quanto é de folha de pagamento, quanto é de aposentadoria, quanto é de déficit do Estado. Já do lado da receita, não se sabe nada. Neste momento da história brasileira e com o tamanho da crise no Rio Grande do Sul, não faz sentido termos uma caixa preta da receita.
Sul21: No início desta semana, a Assembleia Legislativa deve começar a votar o pacote do governo Sartori que estabelece uma série de cortes e extinção de estruturas do Estado. O PTB já definiu sua posição sobre o pacote e qual é a sua posição em particular?
Luis Augusto Lara: O PTB, em muitos pontos, deve ter posição fechada, especialmente sobre aquilo que retira direitos dos trabalhadores. Sobre isso não tem negociação. A transformação do décimo terceiro salário em vigésimo quinto salário é um exemplo. A retirada, da Constituição, da data de pagamento do salário é outro. Eu até entendo porque o governo quer fazer isso. Quando você tem uma data determinada constitucionalmente para pagar o salário e não paga está se colocando em situação de improbidade administrativa e de crime de responsabilidade. O atraso salarial ponde ensejar inclusive o impeachment do governador. Então, essa proposta não é apenas para pagar o salário depois. Isso eles já estão fazendo. Com um mês de atraso, você já enseja um descumprimento constitucional. Sobre outros pontos, ainda estamos debatendo.
Sul21: Qual a tendência em relação às propostas de extinção de fundações?
Luis Augusto Lara: Sobre as fundações, depende de cada caso. Em mais da metade dos casos, a opção deve ser por mantê-las. A minha posição é clara. Eu não vou trabalhar para vender estatais ou extinguir órgãos de Estado, cortando na carne dos servidores, sem ter clareza sobre o que está acontecendo com a receita do Estado. O acesso do Tribunal de Contas aos incentivos fiscais e o ajuizamento de uma ação de encontro de contas no STF relativa à Lei Kandir e à dívida do Estado deve vir antes dessa proposta que penaliza um monte de gente e que não representa 1% do valor do orçamento.
Neste cenário não faz sentido propor a extinção da CEEE e da CRM. Essas duas empresas atuam principalmente na região da Campanha e na zona sul do Estado, as duas regiões mais deprimidas economicamente do Rio Grande do Sul. Aí o governo quer tirar dois mil empregos da economia dessas regiões? Essa não pode ser a primeira opção. O pacote causa essa polêmica toda, chama a atenção para as fundações e para situações de quebra de direitos de trabalhadores, mas o seu objetivo central é a venda dos setor energético do Rio Grande do Sul. Pouca gente fala que a CEEE tem a tarifa de energia mais barata entre as concessionárias que atuam no Estado. Pouca gente fala também que as concessionárias privadas pegaram as linhas de transmissão todas prontas graças ao trabalho da CEEE.
É preferível fazer a CEEE dar lucro, e ela dá lucro, mantendo os empregos na região Sul do Estado, do que vender a empresa. O dinheiro da venda de todas essas estatais dá para pagar dois meses de folha. Vamos deixar duas mil pessoas desempregadas para pagar dois meses de folha? Imagina o impacto de tirar os empregos da CRM? Esses trabalhadores não serão aproveitados pela iniciativa privada. Virão os chineses como vieram para construir Candiota. O objetivo central desse pacote, repito, é vender o setor energético do Estado. Os chineses já compraram a AES Sul e a RGE e estão de plantão para comprar a CEEE também.
Sul21: Quais são as perspectivas para a votação do projeto que pretende revogar a exigência de plebiscito para privatizar essas empresas?
Luis Augusto Lara: Acho que o governo não terá maioria para derrubar a exigência do plebiscito. Neste caso, se quiser seguir em frente com o projeto das privatizações, terá que realizar um plebiscito. Aí teremos que dar conta desse desafio. Há uma predisposição contra empresas estatais, com a grande mídia toda batendo nisso, dando amém para as exigências de bancos. Os banqueiros disseram agora para o Rio Grande do Sul: vocês têm três anos de folga e, em troca, vão pagar mais vinte anos. Mas vocês terão também que privatizar, aumentar a contribuição previdenciária, cortar salários e incentivos fiscais, o que é uma grande novidade em termos de exigência bancária.
Sul21: Essa proposta, então, na sua avaliação, é mais ou menos o que acontece quando alguém está endividado no banco e faz um acordo alongando o parcelamento dessa dívida? Isso representa um alívio financeiro para o Estado?
Luis Augusto Lara: Mais ou menos, não. É igual. Em linguagem popular, vou rolar o meu papagaio. Isso não é alivio financeiro. Financeiramente, os juros e os vinte anos a mais que teremos que pagar representam um peso para o Estado. Isso é um crime para o Estado. Alívio seria, por exemplo, fazer um encontro de contas entre o que devemos e o que nos é devido. Esse acordo anunciado agora é crédito para negativado. É o pior crédito do mundo. O sujeito chega lá, com a corda no pescoço e o banco diz: Até vou te conseguir, mas vende esse Fiat que você tem, se livra do cachorro porque a ração está muito cara e aluga uma parte da tua casa que é para garantir que vai me pagar daqui um ano. Se não me pegar daqui um ano, ficamos com a tua casa.
É isso que está sendo feito em todo o lado pelo sistema financeiro. É a mesma fórmula em todo o lado. E o governo vem apresentar essa fórmula como se fosse uma coisa nova. Isso pode ajudar agora este governo e o primeiro ano do outro, mas e depois, como é que faz? Estão chamando de suspensão temporária de dívida, mas o nome verdadeiro é alongamento de dívida. O governador Sartori disse no início do seu governo que não iria mais fazer dívida. Pois acabamos de renovar a nossa dívida por mais vinte anos