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Tânia Mandarino

3 de Abril de 2011, 21:00 , por Desconhecido - | No one following this article yet.

Séptimo (2013)

30 de Novembro de 2014, 19:40, por Tânia Mandarino

Não entendo por que as pessoas, e a crítica em geral, se referem a Séptmo tão somente como um filme de suspense.

Não é!

Aquele apartamento no sétimo andar de um prédio em Buenos Aires, abriga muito mais histórias e mágoas que dizem com relacionamento e relações familiares, do que possa supor qualquer vã história de suspense.

Se você começar a assistir o filme com a perspectiva única de ver um filme de suspense, chegará um determinado momento em que se perguntará “que diabos de porcaria de filme de suspense é esse?”

Isto porque dentro da história do sumiço dos filhos do casal recém divorciado, Sebastián, interpretado pelo tudo de bom Ricardo Darín, eDelia - a atriz espanhola Belén Rueda, de O Orfanato, há uma porção de “furos”, se teimarmos em ver o filme unicamente sob a ótica do filme de suspense.

Há um suspense, é certo – o pai desce pelo elevador e os filhos,  Luca (Abel Dolz Doval) e Luna (Charo Dolz Doval) pela escada, numa brincadeira que se repete há tempos e sobre a qual a mãe, ao deixar as crianças com o pai, advertira-o a não repetir, e os filhos desaparecem nesse ínterim.

A lógica diz que eles têm de estar no prédio, pois o pai, vindo do sétimo andar pelo elevador, ainda que o elevador, antigo, tivesse parado por um breve instante, como a indicar uma pequena falha, é certo que, mesmo assim, as crianças não chegariam antes dele ao térreo pelas escadas.

Além disso, o porteiro demonstra convicção de que esteve por ali o tempo todo e que por ali as crianças não passaram.

Darín, de rosto barbeado e terno, empresta o corpo a um advogado que deveria sair para um julgamento onde defende alguns clientes que sua ex-esposa, antes de sair para o trabalho, chama de pilantras e delinquentes.

Ele deveria estar na audiência de julgamento, mas seus filhos desaparecem. A cada instante alguém ligando de seu trabalho para lembra-lo de que se não aparecer estará frito.

Sua irmã, Gabriele, também telefona se queixando do ex-marido que a está ameaçando, num caso que parece ser um caso complicado de família em que Sebastian também atuou.

A mãe das crianças, antes de sair para o trabalho, pede que Sebastianassine os papéis autorizando-a a voltar para a Espanha com os filhos do casal, pois quer cuidar de seu pai que está doente.

Sebastian não quer se afastar dos filhos e lembra que o sogro tem dinheiro suficiente para contratar uma enfermeira.

Delia lembra ao pai de seus filhos o quanto o seu próprio pai o ajudara quando se conheceram em Madri e o quanto era responsável pelo sucesso profissional e financeiro do ex- marido. Argumenta que ele poderá visitar os filhos na Espanha sempre que quiser.

Ainda neste momento do filme, nos vem a informação de que ambos estão divorciados porque Sebastian traiu a mulher durante um ano com a melhor amiga dela.

Depois que os filhos somem, o filme passa a transitar numa dimensão mais etérea... 

Ou seja, a forma como ele trata de procurar as crianças, como pede ajuda ao síndico do prédio, um policial com o qual tinha brigada numa reunião de condomínio, como se relaciona com a ex-esposa, após a mulher retornar do trabalho, desesperada com a notícia do sumiço dos filhos, o modo como o celular fica guardado no bolso do paletó e com a bateria acabando, quando se está esperando o telefonema de supostos sequestradores...


Tudo, enfim, que diria com um filme policial e as técnicas de suspense, passa a ocupar uma dimensão mais anuviada, irreal e, neste particular, Patxi Amezcua, o um diretor catalão de Sétimo, faz com maestria uma transposição do que deveria ser um filme de suspense, para os aspectos mais subjetivos que, estes sim, são o verdadeiro plano central do filme.

A maior surpresa de Séptimo é que você só se dá conta disto quando o filme acaba.

Não posso dizer mais porque alguns leitores do blog já brigaram feio comigo por eu contar o final dos filmes.

Eu particularmente não vejo mal algum em assistir um filme sabendo o final, pois o mesmo se dá quando a gente lê um livro e vai pro cinema ver a versão animada.

Mesmo assim, em respeito aos leitores do blog, me reservo a informar apenas que, em Séptimo os personagens centrais cometeram faltas graves.

Ora, trair uma mulher com sua melhor amiga durante um ano, até ser descoberto, é, sem dúvida, uma grande canalhice e falha grave de caráter.

A questão é: quando se trata de vingança, até onde se pode chegar quando se é a mãe dos filhos do homem que a feriu?

Ficam a questões, para posterior discussão: os pecados do homem, sempre serão perdoados, ao tempo em que os delitos femininos serão tratados como crimes brutais? Nas questões envolvendo direitos de família, é difícil separar o homem – canalha, covarde, traidor – do grande e bondoso pai que é? A simbiose entre os papéis de mulher – traída, enganada, ludibriada, e mãe – zelosa, amorosa – poderá algum dia ser quebrada? Até que ponto os filhos menores são vulneráveis aos sentimentos derivados das questões sexuais de seus pais?

Sim, aquele apartamento no sétimo andar de um prédio em Buenos Aires, abriga muito mais histórias e mágoas que dizem com relacionamento e relações familiares, do que possa supor qualquer vã história de suspense.



Que Bom te Ver Viva (1989)

15 de Novembro de 2014, 2:08, por Desconhecido

Na abertura da 9ª Mostra Cinema e Direitos Humanos do Hemisfério Sul, assisti  em Curitiba, o filme QUE BOM TE VER VIVA, da cineasta Lucia Murat, que aborda a questão da tortura sob o ponto de vista de quem a ela sobreviveu. 

O filme começa com a frase do psicanalista judeu Bruno Bettelheim“A psicanálise explica porque se enlouquece, não porque se sobrevive”, dando a pista, logo no início, de que o roteiro tratará de histórias de superação. 

Porém, muito mais que isto, QUE BOM TE VER VIVA aborda, sobretudo, a questão da tortura feminina, e os dilemas corpo x sofrimento, vivenciados sob o prisma do ativismo ideológico de oito ex-presas políticas que foram cruelmente torturadas durante o regime militar. 

Os depoimentos e narrativas reais, perfeitamente orquestrados pela direção de Lucia, que os toma em plano 3 x 4, conferindo-lhes ainda maior dramaticidade, são intercalados com a narrativa  monóloga e teatral da atriz Irene Ravache, com falas que refletem memórias de uma mulher que também foi torturada e sobreviveu, talvez uma colcha de retalhos da somatória das oito personagens reais, talvez o alter ego da própria Lucia Murat.
Durante o filme, passamos a conhecer as histórias de mulheres que sofreram torturas na ditadura militar pós AI5, bem como a forma encontrada por elas para sobreviverem a tais horrores.

Maria do Carmo Brito, 44 anos, era ex-comandante da Vanguarda Popular Revolucionária. Maria Luiza Garcia Rosa, 37 anos, foi presa e torturada três vezes. Regina Toscano, 40 anos, epilética e grávida, torturada ao ser presa em 1970, perdeu o filho na cadeia. Não se deu por vencida, e posteriormente teve mais três filhos. Roselina Santa Cruz, 43 anos, presa e torturada, sofre com familiares “desaparecidos” durante a ditadura.
Criméia Schmidt de Almeida, 41 anos, perdeu o marido, o sogro e o cunhado na guerrilha do Araguaia. Na época enfermeira em São Paulo, teve um filho nascido na cadeia.  Jesse James, 37 anos, foi presa em 1970 durante tentativa de sequestro de avião.  Torturada durante três meses e presa por nove anos, também teve sua filha na cadeia. Com repercussão nacional, seu caso ganhou a atenção das forças da ditadura, que queria utilizá-la como exemplo, obrigando-a a renegar a esquerda na televisão, como, cogita-se, tenha feito um famoso ex-"guerrilheiro", envolvido na morte de Marighella, que já foi candidato a vice-presidente representando a direita.
Jesse James, ao contrário, não sucumbiu.
Grande homenageada da 9ª Mostra Cinema e Direitos Humanos do Hemisfério Sul , a jornalista e cineasta Lúcia Murat foi agente do MR-8, tendo sido presa e torturada em 1971, quando permaneceu no cárcere por três anos e meio. 
A psicanálise e a racionalização estão presentes no filme do início ao fim, e, diz-se que QUE BOM TE VER VIVA é resultado de sete anos de terapia e foi realizado por Lucia para exorcizar os seus demônios.
De revistas íntimas a estupros coletivos, do uso de baratas e lagartixas à degradação de, menstruadas, serem penduradas de ponta-cabeça no pau de arara, as mulheres contam suas histórias reais, de terem sido expostas a fotos de seus ex-companheiros decapitados, apanharem até não mais aguentarem, a ponto de implorarem pela morte, ocasião em que ouviam do torturador: “eu não vou te matar. Eu te mato se eu quiser”, numa tradução da mais absoluta impotência e fragilidade em que se encontravam.
Todas elas têm em comum atribuírem sua sobrevivência a tais horrores em função do poder feminino de dar a luz e gerar uma nova vida. Em seus filhos e filhas, alguns paridos na prisão, encontraram a revanche da continuidade da vida.
A questão do feminino fica muito acentuada e a gente percebe, vendo o filme, que o Brasil avançou um pouco na questão de gênero, de 89 pra cá, quando observa o monólogo de Irene Ravache sempre se dirigindo ao público no masculino, apesar da essência de temática feminina e, mais ainda, quando percebe a extrema importância da maternidade como a grande forma de resgate de vida para aquelas mulheres.
Uma delas parece que nos pede desculpas, quando informa que a gravidez na prisão foi traumática e que, por isto, nunca mais conseguiu engravidar novamente.
Eu, que nunca fui presa ou torturada, e mesmo assim tive um filho só, senti o distanciamento entre o que parecia mais importante para as mulheres daquela época e como vivenciamos de forma diferente nossa condição feminina, uma geração depois, nós, as mulheres da geração seguinte.
Talvez por isso mesmo, porque não tenhamos sentido a necessidade de apalpar a continuidade de nossas vidas, muitas mulheres da geração seguinte, nem quiseram experimentar a maternidade, sem que, contudo, isto tenha representado uma escolha que colocasse em cheque sua condição feminina.
De qualquer forma, fechado o parênteses, esta não é exatamente a principal questão do filme, que trata mesmo é do estar aprisionada e livre, ao mesmo tempo, dentro de um corpo de mulher que sofreu os horrores degradantes da tortura e conseguiu ser mais forte do que tudo que rasgou, feriu, cortou, sangrou, dilacerou, mantendo-se a vida em toda a sua expressão, a despeito dos traumas que marcaram profundamente a alma dessas mulheres, que escolheram sobreviver.
QUE BOM TE VER VIVA é um filme real, sensível, dramático, que emociona e toca profundamente. 
Para mim foi difícil segurar o choro durante praticamente o filme todo. Difícil, emocionalmente, sermos colocadas de frente com a inexorável verdade de que o Brasil teve um período tão sombrio, onde os direitos civis foram suprimidos e os torturadores podiam atuar a vontade, sem ninguém que os pudesse impedir.
A catarse do filme está no fato de que, entretanto, no entanto e portanto, é possível sobreviver, pois a liberdade e a vida têm maior apelo à alma humana do que a tortura e a morte.
Vigiemos, pois.




Que bom te ver viva (1989) - 9ª Mostra Cinema e Direitos Humanos do Hemisfério Sul

15 de Novembro de 2014, 0:03, por Tânia Mandarino

Na abertura da 9ª Mostra Cinema e Direitos Humanos do Hemisfério Sul, assisti  em Curitiba, o filme QUE BOM TE VER VIVA, da cineasta Lucia Murat, que aborda a questão da tortura sob o ponto de vista de quem a ela sobreviveu. 

O filme começa com a frase do psicanalista judeu Bruno Bettelheim: “A psicanálise explica porque se enlouquece, não porque se sobrevive”, dando a pista, logo no início, de que o roteiro tratará de histórias de superação. 

Porém, muito mais que isto, QUE BOM TE VER VIVA aborda, sobretudo, a questão da tortura feminina, e os dilemas corpo x sofrimento, vivenciados sob o prisma do ativismo ideológico de oito ex-presas políticas que foram cruelmente torturadas durante o regime militar. 

Os depoimentos e narrativas reais, perfeitamente orquestrados pela direção de Lucia, que os toma em plano 3 x 4, conferindo-lhes ainda maior dramaticidade, são intercalados com a narrativa  monóloga e teatral da atriz Irene Ravache, com falas que refletem memórias de uma mulher que também foi torturada e sobreviveu, talvez uma colcha de retalhos da somatória das oito personagens reais, talvez o alter ego da própria Lucia Murat.

Durante o filme, passamos a conhecer as histórias de mulheres que sofreram torturas na ditadura militar pós AI5, bem como a forma encontrada por elas para sobreviverem a tais horrores.

Maria do Carmo Brito, 44 anos, era ex-comandante da Vanguarda Popular RevolucionáriaMaria Luiza Garcia Rosa, 37 anos, foi presa e torturada três vezes. Regina Toscano, 40 anos, epilética e grávida, torturada ao ser presa em 1970, perdeu o filho na cadeia. Não se deu por vencida, e posteriormente teve mais três filhos. Roselina Santa Cruz, 43 anos, presa e torturada, sofre com familiares “desaparecidos” durante a ditadura.

Criméia Schmidt de Almeida, 41 anos, perdeu o marido, o sogro e o cunhado na guerrilha do Araguaia. Na época enfermeira em São Paulo, teve um filho nascido na cadeia.  Jesse James, 37 anos, foi presa em 1970 durante tentativa de sequestro de avião.  Torturada durante três meses e presa por nove anos, também teve sua filha na cadeia. Com repercussão nacional, seu caso ganhou a atenção das forças da ditadura, que queria utilizá-la como exemplo, obrigando-a a renegar a esquerda na televisão, como, cogita-se, tenha feito um famoso ex-"guerrilheiro", envolvido na morte de Marighella, que já foi candidato a vice-presidente representando a direita.

Jesse James, ao contrário, não sucumbiu.

Grande homenageada da 9ª Mostra Cinema e Direitos Humanos do Hemisfério Sul , a jornalista e cineasta Lúcia Murat foi agente do MR-8, tendo sido presa e torturada em 1971, quando permaneceu no cárcere por três anos e meio. 

A psicanálise e a racionalização estão presentes no filme do início ao fim, e, diz-se que QUE BOM TE VER VIVA é resultado de sete anos de terapia e foi realizado por Lucia para exorcizar os seus demônios.

De revistas íntimas a estupros coletivos, do uso de baratas e lagartixas à degradação de, menstruadas, serem penduradas de ponta-cabeça no pau de arara, as mulheres contam suas histórias reais, de terem sido expostas a fotos de seus ex-companheiros decapitados, apanharem até não mais aguentarem, a ponto de implorarem pela morte, ocasião em que ouviam do torturador: “eu não vou te matar. Eu te mato se eu quiser”, numa tradução da mais absoluta impotência e fragilidade em que se encontravam.

Todas elas têm em comum atribuírem sua sobrevivência a tais horrores em função do poder feminino de dar a luz e gerar uma nova vida. Em seus filhos e filhas, alguns paridos na prisão, encontraram a revanche da continuidade da vida.

A questão do feminino fica muito acentuada e a gente percebe, vendo o filme, que o Brasil avançou um pouco na questão de gênero, de 89 pra cá, quando observa o monólogo de Irene Ravache sempre se dirigindo ao público no masculino, apesar da essência de temática feminina e, mais ainda, quando percebe a extrema importância da maternidade como a grande forma de resgate de vida para aquelas mulheres.

Uma delas parece que nos pede desculpas, quando informa que a gravidez na prisão foi traumática e que, por isto, nunca mais conseguiu engravidar novamente.

Eu, que nunca fui presa ou torturada, e mesmo assim tive um filho só, senti o distanciamento entre o que parecia mais importante para as mulheres daquela época e como vivenciamos de forma diferente nossa condição feminina, uma geração depois, nós, as mulheres da geração seguinte.

Talvez por isso mesmo, porque não tenhamos sentido a necessidade de apalpar a continuidade de nossas vidas, muitas mulheres da geração seguinte, nem quiseram experimentar a maternidade, sem que, contudo, isto tenha representado uma escolha que colocasse em cheque sua condição feminina.

De qualquer forma, fechado o parênteses, esta não é exatamente a principal questão do filme, que trata mesmo é do estar aprisionada e livre, ao mesmo tempo, dentro de um corpo de mulher que sofreu os horrores degradantes da tortura e conseguiu ser mais forte do que tudo que rasgou, feriu, cortou, sangrou, dilacerou, mantendo-se a vida em toda a sua expressão, a despeito dos traumas que marcaram profundamente a alma dessas mulheres, que escolheram sobreviver.

QUE BOM TE VER VIVA é um filme real, sensível, dramático, que emociona e toca em profundidade. 

Para mim foi difícil segurar o choro durante praticamente o filme todo. Difícil, emocionalmente, sermos colocadas de frente com a inexorável verdade de que o Brasil teve um período tão sombrio, onde os direitos civis foram suprimidos e os torturadores podiam atuar a vontade, sem ninguém que os pudesse impedir.

A catarse do filme está no fato de que, entretanto, no entanto e portanto, é possível sobreviver, pois a liberdade e a vida têm maior apelo à alma humana do que a tortura e a morte.

Vigiemos, pois.