A banalização do cinismo
julio 13, 2017 16:21O cinismo, realmente, se integrou perfeitamente ao espírito do brasileiro.
As manifestações desse tipo de comportamento, antes restritas a uma minoria, hoje se espalham por todos os lados.
Ser cínico, hoje, parece, é obrigação de quem quer estar em dia com os ares fétidos deste Brasil Novo.
Não faltam exemplos de cinismo.
Um deles foi enviado via e-mail para um mailing extenso de jornalistas: trata-se de um press release da Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas e Serviço de Proteção ao Crédito, a respeito da infame aprovação do projeto de lei da tal "reforma trabalhista", essa monstruosidade que, na prática, acaba com a CLT, o conjunto de normas que regulava a relação capital-trabalho, promovendo algum equilíbrio entre as partes.
O título do material é um primor: "Entidades do varejo comemoram aprovação da reforma trabalhista."
Para não provocar ânsias de vômito, transcrevo apenas três parágrafo da peça pornográfica:
"A aprovação do texto-base do projeto da reforma trabalhista, na noite desta terça-feira (11), no Plenário do Senado Federal, foi recebida com o sentimento de vitória e de dever cumprido pelas principais entidades que representam o segmento do varejo. O placar de 50 votos favoráveis à 26 contrários mostra que o Brasil deseja avançar no processo de atualização das leis, que por terem sido criadas na década de 40, já não mais se adequam ao mercado de trabalho moderno.
A nova legislação que entrará em vigor 120 dias após sanção presidencial, que acontecerá nesta quinta-feira (13/07), valoriza os acordos coletivos, possibilita a readequação de jornadas de trabalho, além de reduzir a burocracia dos contratos com prevalência dos acordos. O desejo da UNECS é que o presidente Michel Temer sancione sem vetos que prejudiquem o setor, especificamente no que diz respeito ao trabalho intermitente.
Essa conquista da sociedade brasileira que tem o potencial de gerar novos empregos e impulsionar a economia nacional é comemorada pelo setor de comércio e serviços, que representa 68% do PIB nacional e 73% dos empregos diretos. Somente as sete instituições representativas que compõem a União Nacional de Entidades do Comércio e Serviços (UNECS) respondem por 21% das vagas formais do país e detém o faturamento de R$ 1 trilhão."
Enfim...
É com esse tipo de empresário que o Brasil conta para ser um país mais justo, menos desigual e mais democrático. (Carlos Motta)
A terra dos "doutores"
julio 13, 2017 11:00A sentença que condena o ex-presidente Lula a 9 anos e meio de prisão é uma peça tão absurda que faz a gente refletir sobre como algumas pessoas atingem posições de relevância na sociedade.
São os nossos "doutores".
O Brasil deve ser o país com mais "doutores" em todo o planeta.
Em toda rua de toda cidade há um "doutor" em alguma função: fisioterapia, odontologia, direito, medicina, ciências sociais...
É tanta sabedoria que chega a dar vergonha a nós, cidadãos ordinários, que escolhemos profissões tão abjetas que nunca, mas nunca mesmo, nos darão a possibilidade de sermos tratados como "doutores".
E os nossos "doutores" são cada vez mais jovens.
O doutor Dallagnol, chefe dos procuradores lava-jatos, por exemplo, tem cara de bebê.
Mesmo o doutor Moro, o juiz implacável que atribuiu para si a responsabilidade de mandar para a cadeia todos os corruptos do país, parece um daqueles meninões de praia que poderiam figurar em novelas de televisão.
Nada contra o fato de eles serem jovens, mas é que certas funções exigem um tanto de experiência de vida que não se encontra nos livros - ou nas apostilas de concurso público.
Fora a juventude, esses nossos "doutores" têm um traço em comum: a sua sapiência tem a profundidade de uma página de jornal, a leveza de uma bolha de sabão.
É uma sabedoria que só engana trouxas, ou seja, a grande massa idiotizada pelos meios de comunicação, pelos "pastores" evangélicos, pelas correntes de whatsapp, pelas postagens das redes sociais.
Qualquer doutor de verdade, ou mesmo uma pessoa medianamente educada e informada, é capaz de reduzir a pó, em minutos, o pernosticismo desses "doutores" de araque.
Só um país onde a educação é tão desleixada e o patrimonialismo tão arraigado é capaz de formar tantos "doutores" como essas estrelas dos nossos jornalões.
Chega a ser inacreditável que alguém como o juiz da tal operação Lava jato seja celebrado do modo que foi nestes últimos anos não só pelos meios de comunicação, que têm claros objetivos ideológicos, mas também por membros da comunidade jurídica.
Um fato como esse me faz lembrar de meu tipo inesquecível, o saudoso sociólogo Antonio Geraldo de Campos Coelho, com quem tive a oportunidade de passar deliciosos momentos na Jundiaí de minha juventude.
Pois bem, o Coelho não admitia ser chamado de "professor".
Ele se sentia profundamente ofendido se alguém o tratasse por esse título.
E tinha uma explicação perfeitamente lógica para isso:
- Todo mundo é professor, é uma avacalhação. Tem o professor de capoeira, o professor de ioga, o professor de bordado...
Isso foi há 40 anos.
Hoje ninguém mais quer ser chamado de professor nesta terra de doutores. (Carlos Motta)
Situação fiscal do país é dramática. Palavra do deputado tucano
julio 13, 2017 9:49Está cada vez mais difícil sustentar a tese de que o Brasil Novo superou a recessão e que, graças aos esforços do governo golpista a crise é coisa do passado. Até o relator, na Comissão Mista de Orçamento da Câmara dos Deputados, do projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias, a LDO, de 2018, Marcus Pestana (tucano de Minas Gerais), acha que a situação fiscal o país é trágica : "Nós vivemos uma situação dramática. O Rio de Janeiro é só a ponta do iceberg do que pode acontecer no Brasil se não houver responsabilidade fiscal. O governo só não chegou a um estrangulamento total porque tem capacidade de se financiar no mercado, pela emissão de títulos públicos.”
A Comissão concluiu a votação do relatório final do deputado Marcus Pestana, que será votado em sessão do Congresso Nacional.
O relatório final mantém a meta fiscal proposta pelo governo. O texto prevê, para 2018, deficit primário de R$ 131,3 bilhões para o conjunto do setor público consolidado, número que Pestana chamou de “pornográfico”.
O governo federal responderá pelo deficit de R$ 129 bilhões. Estatais federais terão como meta o deficit de R$ 3,5 bilhões, e nos Estados e municípios a projeção é de superavit de R$ 1,2 bilhão.
O projeto estabelece a possibilidade de compensação entre os resultados do governo, das estatais e dos entes federados. Com isso, desde que mantida a meta total de R$ 131,3 bilhões, o governo poderá fazer mudanças no seu esforço fiscal ou no das estatais durante a execução orçamentária.
Se os números propostos pelo governo se confirmarem, o ano de 2018 será o quinto consecutivo de deficit primário. Os saldos negativos contribuem para o crescimento da dívida do governo.
Uma elite sem cérebro, um país sem futuro
julio 12, 2017 16:12A aprovação da tal "reforma trabalhista" pelo Congresso e a condenação do ex-presidente Lula num dos sabe-se-lá quantos processos abertos contra ele para impedi-lo de concorrer na eleição presidencial - se houver - de 2018, acabaram por provar, inequivocamente, o quanto a chamada "elite" brasileira é desprovida das famosas "pequeninas células cinzentas" tão prezadas pelo famoso e imortal detetive Hercule Poirot.
Se não, vejamos.
A começar pela "reforma trabalhista", tão desejada pelos patrióticos e supercompetentes empresários brasileiros.
Não é preciso ser nenhum especialista em economia para entender que o fim da CLT vai trazer muito mais malefícios que benefícios ao país - nem é preciso dizer que para o trabalhador é uma catástrofe.
O senador João Capibaribe (PSB-AP) fez um ótimo resumo do que o tal projeto de "modernização" das relações trabalhistas vai provocar, logo depois de ele ter sido aprovado:
"Essa reforma trabalhista não tem uma vírgula a favor do trabalhador. É uma reforma unilateral e é burra, porque é recessiva. A renda do trabalhador vai despencar. E nós aqui estamos surdos, não enxergamos o óbvio."
Segundo ele, a queda da renda levará à diminuição do consumo e da arrecadação da própria Previdência Social. "Este Congresso brincou com a democracia. Não se sai da crise agradando só a um lado", disse.
Vamos agora ao segundo ponto, a condenação daquele que uma boa parte da sociedade, para achincalhá-lo, colocou nele vários apelidos depreciativos - "Nine", "Brahma", "Molusco" e "Apedeuta" são alguns dos mais ternos -, sintoma do ódio profundo, visceral e patológico, que nutre por sua figura.
A sentença do juiz paranaense é, talvez, uma das peças mais aviltantes da história do direito universal, mas nem é essa a questão que aponta para a sua imbecilidade - pelo menos do ponto de vista daqueles que tramaram e executaram o golpe que liquidou com o pouco de democracia que havia no Brasil.
Ora, Lula é talvez a maior liderança popular que este país conheceu e se há milhões que o odeiam, há outros tantos que o idolatram.
Condená-lo sem provas, apenas por convicções, num processo claramente político, é transformá-lo num mártir.
Não há como prever a reação dessas pessoas que veem nele a única esperança de uma vida melhor.
Fora isso, mesmo que, graças à condenação, Lula fique impedido de concorrer à presidência da República em 2018, não existe a menor garantia de que um candidato apoiado por ele não se eleja.
Se a intenção não foi essa, mas simplesmente a de humilhá-lo, assassinar a sua reputação, jogá-lo no picadeiro do circo de horrores apreciado por parte da classe média e burguesia do país, o resultado é ainda mais pífio: o deleite pela sua condenação será apenas e tão somente dessas pessoas; do outro lado estará uma massa cada vez mais revoltada com a farsa de uma justiça que pune apenas pobres, pretos, putas e petistas.
Os dois episódios demonstram mais uma certeza: o Brasil está muito longe de se transformar numa nação civilizada e talvez o seu destino seja mesmo o de continuar a ser um gigante bobo, uma colônia dos interesses do grande capital internacional, um imenso Zimbábue, um inferno de pobreza, injustiça e desigualdade. (Carlos Motta)
Capital e trabalho, finalmente de mãos dadas
julio 12, 2017 10:11Todas as vezes que o pessoal do sindicato dos jornalistas ia visitar as redações onde trabalhei mais tempo em São Paulo, Estadão e Valor Econômico, para explicar como andava a campanha salarial, ou informar sobre o seu resultado, ouvia de alguns coleguinhas sempre as mesmas queixas:
- Para quê serve o sindicato? Só para pegar nosso dinheiro... Putz, que reajuste ridículo vamos ter... Também com um sindicato desses...
E por aí afora.
Bem, com a aprovação da "reforma" trabalhista do governo golpista, acho que esses meus antigos colegas não terão mais do que se queixar.
Daqui em diante eles não precisarão mais de ouvir a turma do sindicato falar sobre a dificuldade de se promover uma campanha salarial, negociando com patrões irredutíveis que, todo ano, iniciam as conversas com propostas de nem repor a inflação, o que, na prática, significa rebaixar o salário da categoria.
Agora, esse povo que não se cansava de espinafrar o sindicato vai poder se reunir, discutir quanto quer de aumento, bater na porta do dono da empresa em que trabalham, ter uma boa conversa civilizada, e sair de sua sala, depois de tomar um cafezinho, dando pulos de alegria por ter conseguido o que queria.
Vai ser uma moleza, essa "reforma" realmente modernizou as relações trabalhistas no Brasil, acabou com a antediluviana CLT, coisa antiquada, inspiração do fascismo italiano, fora da realidade deste mundo, como dizem, "pós-moderno".
Esses meus coleguinhas que, hoje eu sei disso, antecipavam o futuro com rara precisão, devem estar neste momento exultantes com o advento dessa nova era que, certamente, vai revolucionar o relacionamento sempre conturbado, difícil e desgastante, entre o capital e o trabalho.
Daqui para a frente, quem sabe por séculos e séculos, os conflitos entre trabalhadores e patrões vão ser não somente amenizados, mas - como querem os homens de bom senso, os homens de bem -, extintos.
Finalmente eles não serão mais importunados por aquele bando de sindicalistas, a maioria certamente petralha, que interrompia o trabalho sério que faziam e atrapalhava o fluxo das ideias que resultava num texto perfeito de uma reportagem definitiva, para, ora vejam só, reclamar da intransigência dos patrões, da falta de mobilização da categoria, e outras bobagens.
Daqui em diante, tudo vai ser diferente.
Frias, Marinhos, Civitas, Mesquitas, todos os patrões de todas as empresas de todos os tamanhos e todas as áreas, se preparem para abraçar, com os corações em júbilo, os seus sempre leais "colaboradores", doravante parceiros de uma, com certeza, trajetória direta rumo ao sucesso e à felicidade.
O Brasil Novo vai mostrar que bastará um sorriso, um aperto de mão, uma palavra gentil para que todos sejam felizes para sempre. (Carlos Motta)