Protagonismo internacional do Brasil agoniza depois do golpe
July 19, 2017 16:09Dois acontecimentos mostraram o arrefecimento crescente da política externa brasileira: a pouca representação do país no Fórum Acadêmico do Brics e a emenda para mudar o nome da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila). Ambos os fatos decorrem de uma vontade das forças que estão no poder para entregar o Brasil de bandeja aos países centrais, tornando-o um ator pequeno no cenário mundial, submisso e omisso frente às vontades imperialistas.
Um dos pontos altos durante os governos de Lula e Dilma foi, sem dúvida, o projeto de política externa. Tendo como eixos principais a integração latino-americana e as relações no chamado Sul global, a política externa projetou o Brasil para o mundo, tornando-o um importante player mundial. Vimos a refundação do Mercosul, a criação da União de Nações Sul-americanas (Unasul), do Brics e da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), além da institucionalização da Unila que seria um mecanismo para integrar os estudantes da América Latina e, assim, promover o intercâmbio de conhecimento na região.
O Brics tornou-se um importante canal entre Brasil, Rússia, China e África do Sul para coordenação das atuações desses países em outras instâncias como, por exemplo, o Fundo Monetário Internacional (FMI). Ademais, em 2014 foi criado o Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS, o que fortaleceria economicamente a aliança entre esses emergentes.
Porém, depois da posse do governo golpista e das nomeações de atrapalhados títeres do PSDB para o Ministério das Relações Exteriores, o diálogo com o Sul vem perdendo força frente a uma priorização das relações com os países centrais, como os Estados Unidos e a União Europeia. Nesse sentido, durante o Fórum Acadêmico dos Brics, que ocorreu na China, entre os dias 10 e 12 de junho, a pouca participação brasileira foi sintomática. O Itamaraty e o “presidente” mandaram para o evento representantes de baixo escalão, que não articularam nenhuma estratégia para o fortalecimento do Brics, tampouco demonstraram algum projeto de política externa. (Luana Forlini/Fundação Perseu Abramo)
As esquecidas lições de história
July 19, 2017 12:05A Polônia vai destruir todos os monumentos "soviéticos", ou seja, os que glorificam o Exército Vermelho, que botou os nazistas para correr de lá.
A Polônia, é bom lembrar, teve um regime comunista, satélite dos soviéticos, depois da Segunda Guerra Mundial, que, como os outros do Leste Europeu, sucumbiu lá pelos anos 90 do século passado.
Hoje o país é capitalista, membro da Otan, alinhado aos Estados Unidos, e seu governo é francamente antirrusso.
Verdade seja dita, poloneses e russos nunca se deram muito bem.
Talvez isso explique essa medida extrema de botar no chão os monumentos que exaltam as tropas soviéticas.
Mas se a gente for pensar um pouco, o que a Polônia está fazendo é simplesmente fraudar a história, apagar um episódio importante de sua vida.
Coisa feia, coisa que, a bem da verdade, quase todo mundo faz - a história não é sempre escrita pelos vencedores?
Quase da mesma forma que a Polônia, o Brasil não faz nenhuma questão de lembrar que há poucas décadas uma ditadura militar prendeu, torturou e matou um monte de gente que se opunha a ela.
Durante 20 anos o Brasil teve um dos regimes mais fechados do planeta, com generais carrancudos e sombrios se revezando na presidência, um Congresso de araque, imprensa e arte censuradas, sindicatos pelegos, e todo o tipo de arbitrariedade contra quem ousasse falar mal do governo - ou simplesmente contra qualquer um de quem as "autoridades" não gostassem.
Torturadores, assassinos e psicopatas sádicos não foram até hoje, tanto tempo depois do fim da ditadura, punidos pelo que fizeram - uma anistia absurda perdoou os seus crimes, crimes contra a humanidade.
Pior - alguns deles posam como heróis, dão entrevistas desafiadoras, mentem de maneira descarada, e afrontam, com essas mentiras, a memória de todas as vítimas de sua crueldade.
Os brasileiros mais jovens não têm a menor noção do que foi a ditadura e do mal que ela fez ao país.
Ao contrário, muitos deles glorificam hoje uma figura abjeta como o deputado Bolsonaro, apoiador incondicional da ditadura, e que tem chances de se sair bem na eleição presidencial marcada para o próximo ano.
Dizer que um dos problemas mais graves do país é a educação, ou a falta dela, já se tornou um chavão.
Falta, porém, enfatizar que, se por um desses grandes acasos, o ensino se tornar realmente uma prioridade para os nossos governantes, ele deveria abrigar lições de história, não só aquelas de um passado distante, mas de uma época mais recente, cujos eventos ainda têm forte reflexo sobre a vida da nação. (Carlos Motta)
Com a crise, só 17% dos brasileiros conseguem guardar dinheiro
July 18, 2017 14:49Dados do Indicador de Reserva Financeira do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) revelam que apenas 17% dos consumidores brasileiros pouparam ao menos parte de sua renda em maio – 75% dos entrevistados não conseguiram guardar nenhuma parte de seus rendimentos. O baixo número de poupadores tem se mantido estável desde janeiro deste ano, mês de início da série histórica.
A abertura do indicador por faixa de renda revela que é nas classes C, D e E em que o problema surge com mais força. Oito em cada dez (79%) pessoas que se enquadram nessa faixa de rendimento não conseguiram poupar dinheiro. Já nas classes A e B, o percentual de não poupadores cai para 62% da amostra.
Entre os brasileiros que não pouparam nenhum centavo, 42% justificam receber um salário muito baixo, o que inviabiliza ter sobras no fim do mês. Outros 18% foram surpreendidos por algum imprevisto financeiro e 16% relataram falta de controle ou de disciplina nos gastos.
A maior parte dos brasileiros também não tem o hábito de poupar. De acordo com a sondagem, 35% dos consumidores dizem poupar habitualmente, sendo que 31% poupam o que sobra do orçamento e 5% poupam sempre o mesmo valor. Pouco mais da metade dos poupadores (52%) precisaram dispor de parte de suas reservas em maio, sendo que 18% usaram para fazer frente a despesas extras, 15% para pagar as contas da casa e 11% para pagar dívidas. Já os imprevistos foram citados por 8%.
O rosto destes tempos de ódio
July 18, 2017 11:07Tanto fizeram, tanto encheram a cabeça dos brasileiros de idiotices, criando um monstro vermelho culpado por todos os males do mundo, que o que antes parecia impossível cada vez mais surge como uma apavorante realidade - um Brasil governado por um fascista declarado, misto de general de opereta e Bonaparte de hospício, o notório deputado Bolsonaro.
Há pouco a falar sobre o que o ídolo dos bombados, viúvas da ditadura, lutadores de MMA e descerebrados em geral, pensa sobre questões políticas ou morais - a cada entrevista que dá, a cada discurso que faz, ele vomita suas frases de ódio e preconceito contra tudo o que tangencia os valores civilizatórios responsáveis pelo progresso da humanidade.
Pouco, porém, se sabe de sua plataforma econômica, sobre o que o deputado pensa - se ele de fato tiver essa capacidade - a respeito de questões prioritárias da vida nacional, a começar sobre a mais vital, neste trágico momento, que é como sair do buraco que os golpistas cavaram e no qual foram jogados 15 milhões de desempregados, milhares de empresas, e todos os sonhos de construção de uma nação menos desigual e mais democrática.
Os militares, tão cultuados pelo deputado fanfarrão, tiveram duas décadas para fazer deste gigante bobo um país respeitado pelos do Primeiro Mundo, mas falharam miseravelmente.
Ele tiveram duas décadas e todo o poder em suas mãos: o único desejo dos generais-ditadores contrariado foi a convocação do goleador Dadá Maravilha, naquele tempo ainda chamado de Dario, para a seleção que disputaria a Copa do México, em 1970, quando ela ainda era dirigida pelo saudoso João Sem Medo, o João Saldanha de tantas histórias:
- O presidente [general Emilio Garrastazu Médici] escolhe quem quiser para o seu ministério, mas a seleção quem escala sou eu - disse o treinador, encerrando a questão.
Sem nada a acrescentar sobre os temas que realmente importam para o futuro do país, o deputado verde-oliva vai ocupando o seu espaço eleitoral, no vácuo de algum outro candidato de direita capaz de encarnar a tão cultivada repulsa às esquerdas em geral, promovida pelo establishment como peça fundamental da operação para consolidar o poder político, social e econômico.
Bolsonaro, por si só, é um personagem grotesco, que numa democracia de verdade estaria relegado à galeria dos bufões da política, ao lado de um Tiririca ou de um Romário.
Neste Brasil Novo, protagonizado por figuras igualmente bizarras, ele se destaca e atrai parte considerável do eleitorado, a massa deformada por anos de propaganda ideológica emburrecedora.
Não há como negar que o fascismo já se incrustou em boa parte da sociedade brasileira, e que o deputado boquirroto é quem o representa de forma mais inequívoca.
Para quem é saudoso do tempo em que a arte e a informação eram censuradas sem dó nem piedade, cidadãos eram presos, torturados e mortos porque pensavam de modo diferente das autoridades, as classes sociais se mantinham rigidamente estabelecidas, os conceitos de moralidade eram determinados por meia dúzia de seres iluminados, e a liberdade, em geral, era apenas um conceito abstrato, ou para quem ouviu dizer que esse foi um tempo de "ordem e progresso", o deputado-coturno é um prato cheio.
Os glutões certamente vão se lambuzar. (Carlos Motta)
Ovos, escrachos, e a indiferença
July 17, 2017 10:41A semana passada foi de lascar, cheia de acontecimentos trágicos que, fosse o Brasil uma nação desenvolvida, com um povo minimamente educado e consciente de sua cidadania, hoje as ruas estariam cheias de barricadas, com molotovs cuspindo um fogaréu glorioso, e a multidão, enfurecida, faria valer os seus direitos na marra.
Como, porém, somos uma república de bananas, o máximo que se vê de indignação contra a quadrilha que tomou de assalto o Palácio do Planalto e destrói, sem nenhuma piedade, o pouco de democracia que havia por aqui, é uma ou outra manifestação nas ruas, e muito blá-blá-blá - ou seja, nada que incomode os golpistas.
A exceção nessa semana aziaga foi a ovada que a deputada filha do ministro da Saúde recebeu como presente de casamento - em plena cerimônia, repleta de fausto, luxo e ostentação, na mais que simbólica Curitiba, capital que disputa com São Paulo a primazia de ser a vanguarda do conservadorismo - ou atraso, como queiram - deste Brasilzão velho de guerra.
Fora a chuva de proteína animal que abençoou o casamento da moça, típica representante da mais cruel oligarquia do planeta, merece também destaque, nessa semana de infortúnios, o escracho que alguns jovens fizeram defronte à mansão de 7 mil metros quadrados do prefeito paulistano, que reagiu ao ato com a típica bazófia dos covardes que não andam sem a proteção de bem vestidos jagunços.
No mais, a oposição ao bando de picaretas homiziados em Brasília segue frouxa, sem ímpeto, sem direção, e, pior, sem contaminar a massa, que continua indiferente a tudo o que ocorre na vida do país.
Aqui na pequenina Serra Negra, interior de São Paulo, uma multidão enchia as ruas centrais, os bares, restaurante e hotéis, no fim de semana, agindo como se tudo estivesse absolutamente normal, e o seu futuro como assalariados já não tivesse sido irremediavelmente comprometido com a destruição da CLT.
Serra Negra, é bom esclarecer, vive essencialmente do turismo - a sua rua principal é um enorme shopping center ao ar livre, com centenas de lojas de roupas, comidas, artesanato e decoração.
No fim da tarde de domingo, na praça João Zelante, no coração da cidade, casais dançavam em frente ao palco-coreto e outras dezenas de pessoas apreciavam a apresentação do grupo Amigos do Samba.
Numa das cadeiras de plástico branco da plateia sentava-se uma senhora, minha vizinha, viúva, que se mudou para a cidade há alguns anos, para ficar perto da filha e fugir da carestia e atropelo da capital. Dia desses ela contou que no começo do ano teve de fazer um procedimento cirúrgico no coração.
- Fiz pelo SUS, foi ótimo - disse.
Ao vê-la balançando o corpo no ritmo do samba que a rapaziada caprichava no palco-coreto, fiquei pensando se passou pela sua cabeça que, em breve, não só a saúde, como a educação, deixará de ser um direito para todos - ela, inclusive.
Provavelmente, não.
Afinal, ela é uma típica brasileira de classe média.
Portanto, que venham mais ovadas e escrachos públicos, na falta de coisa mais contundente, contra esses ladrões de sonhos e esperanças - já que esse parece ser, pelo que se vê, o limite da resistência do povo brasileiro aos golpistas.
Melhor isso do que nada. (Carlos Motta)