Circo Tihany volta ao Brasil para turnê de cinco anos
18 de Abril de 2018, 16:02Terceiro maior circo do mundo e o maior da América Latina, o Tihany Spectacular chega ao Brasil e inicia sua turnê em Santa Catarina. Chapecó será a primeira cidade a receber a nova temporada do espetáculo “AbraKdabra”, que estreia no dia 24 de maio, com término em 24 de junho, seguindo então para Curitiba.
A turnê mais longa do Tihany no Brasil está prevista para durar até 2023. Depois de passar por Santa Catarina e Paraná, ainda em 2018, o espetáculo chegará ao Estado de São Paulo, para apresentação nas cidades de Campinas e Santos. Em 2019, a turnê continua pelos municípios de São Paulo, Mogi das Cruzes, Piracicaba, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto. Em 2020, a turnê contemplará o Estado de Minas Gerais passando pelas cidades de Uberlândia, Belo Horizonte, Juiz de Fora, Governador Valadares, Contagem e Uberaba.
No ano de 2021, diversos Estados receberão o circo, que passará por: Goiânia (GO), Brasília (DF), Montes Claros (MG), Vitória da Conquista (BA), Salvador (BA) e Feira de Santana (BA). Já em 2022, parte do Nordeste receberá o circo, nas cidades de Aracaju (SE), Maceió (AL), Natal (RN), Fortaleza (CE) e João Pessoa (PB). E no último ano da turnê no Brasil, em 2023, a cidade de Recife será contemplada.
“Para a D’color, produtora oficial do circo no Brasil, é uma grande honra e desafio trazer um circo do tamanho do Tihany ao Brasil. O circo tem muita tradição e por isso queremos oferecer aos brasileiros o espetáculo AbraKdabra com perfeição em todos os detalhes”, diz Marco Antonio Cruz Filho, produtor-executivo da empresa.
Com mais de 60 anos de atividades e 100 milhões de espectadores, o Tihany Spectacular realizou apresentações em cerca de 600 cidades espalhadas por 50 países no mundo. Fundado em 1954 em Jacareí (SP) pelo imigrante húngaro Franz Czeisler, conhecido como Tihany, sempre aliou a arte tradicional à tecnologia, conquistando públicos de todas as idades e de diferentes classes sociais.
O ilusionista Richard Massone, herdeiro artístico de Franz Czeisler, foi contratado há mais de 30 anos para ser backup do mágico Tihany, com quem apreendeu truques, magias e ilusionismo. “O ilusionismo é uma das principais atrações do espetáculo, em que tudo é possível, desde a aparição de um helicóptero até a levitação de assistentes. É um grande show de ilusionismo que trazemos diretamente de Las Vegas.”
Na atualidade, é um dos poucos espetáculos que une técnicas circenses, music hall e atos impressionantes de mágica, dignos dos melhores cassinos do mundo.
Considerado um dos mais famosos ilusionistas de todos os tempos, Tihany foi consagrado como o "mago dos magos". Entre tantos títulos, foi nomeado Embaixador Mundial do Circo, outorgado pela família Real de Mônaco; Doutor Honoris Causa pela Universidad Mesoamericana de Puebla, no México; e presidente do júri honorário do Internacional Circus Festival of Budapest, na Hungria.
As apresentações de Abrakdabra são realizadas em um terreno de 14 mil metros quadrados, que contam com quatro tendas climatizadas, com capacidade para receber até 1765 pessoas na plateia. O show tem duas horas e 20 minutos de duração, artistas de mais de 20 nacionalidades e contempla atrações como um Rolls Royce impecável, uma moto Harley Davidson e um helicóptero. No site www.circotihany.com.br é possível encontrar informações sobre as demais atrações.
A chegada da turnê, tradicionalmente, movimenta a economia local. São criados cerca de 300 empregos temporários e contratadas em torno de 1.000 diárias de hotel, além de diversos serviços locais.
Hot Club de Piracicaba comemora dez anos de música e amizade
18 de Abril de 2018, 9:54O palco do belo Teatro Erotídes de Campos, no Engenho Central, em Piracicaba, vai se iluminar neste sábado, 21 de abril, com uma constelação de músicos de primeira grandeza, que vão apresentar, a partir das 20 horas, o novo álbum do Hot Club de Piracicaba, que neste ano completa sua primeira década de existência.
Para quem não sabe, o Hot Club de Piracicaba (HCP) não é um clube com associados, mas sim um conjunto musical, fundado em 2008 pelo juiz de Direito José Fernando Seifarth de Freitas, que tem a música por hobby, e pelos profissionais liberais Alcides Lima (Cidão) e Marcos Mônaco, respectivamente baterista e clarinetista da prestigiada banda paulistana Traditional Jazz Band Brasil.
O grupo foi formado para o tocar o “jazz manouche”, ou "cigano", aproveitando elementos do jazz tradicional e da música brasileira. Atualmente há uma infinidade de "Hot Clubs" em todos os continentes, que se dedicam a preservar o estilo criado pelo violonista belga Django Reinhardt na década de 30 do século passado. O nome Hot Club deriva do grupo que imortalizou a música de Django, o Quintette du Hot Club de France.
O HCP gravou, em 2008, o seu primeiro CD, "Jazz a La Django", inspirado na obra de Django Reinhardt. Em 2010 lançou o CD “Quinteto do Hot Club de Piracicaba”. Seu novo trabalho, “Amigos”, tem participação de músicos nacionais (Bina Coquet, Florian Cristea, Seo Manouche) e internacionais (Howard Alden, Richard Smith, Robin Nolan e Paul Mehling). Misturando instrumentos de metais, típicos da bandas de jazz tradicional, com violões ciganos, o HCP foi o primeiro grupo brasileiro a ter incluída uma música no prestigiado selo europeu “Hot Club Records”, de Jon Larsen, dedicado exclusivamente ao jazz cigano.
O grupo realizou inúmeras apresentações nos teatros municipais de Piracicaba, nos Sesi e Sesc do Estado de São Paulo, e na capital, em locais como os prestigiados Bourbon Street Music Club e Jazz nos Fundos. Tocou no palco principal da Virada Cultural Paulista em 2015 e acompanhou artistas internacionais no Brasil, como Eva Scholten e Paul Mehling. É o grupo anfitrião do Festival Internacional de Jazz Manouche de Piracicaba e encabeçou o movimento do jazz cigano brasileiro, que surgiu justamente por meio desse festival.
O HCP é integrado por André Grella (piano), Eliezer Silva (trompete), Fernando Seifarth (violão/guitarra), Frank Edson (tuba), Giliadi Richter (washboard/bateria), Pa Moreno (vocal) e Eloy Porto Neto (trombone).
No sábado, além desses músicos, o show de lançamento do CD "Amigos" contará com a participação do violonista inglês radicado em Nashville Richard Smith, Tjb Brasil, Estela Manfrinato, Saulo Ligo, Renata e Paulo Bandel, o multi-instrumentista Sandro Haick, Wana Narval, Wagner Wagnão Silva, Otiniel Aleixo, Iuna Tuane Sanches, Bina Coquet, Nando Vicencio, Renata Meireles, Carlos André Donzelli e Guilherme Ribeiro Ferreira.
A pedido do blog, o violonista Fernando Seifarth, um dos fundadores do HCP, deu um depoimento sobre os dez anos do grupo: "Toda vez, repito, toda vez, é um enorme prazer tocar com essa turma. Nenhuma briga em dez anos, muita risada e história para contar", resume.
"Tenho muito orgulho do que conquistamos"
Em 2008, eu e meus dois grandes amigos Cidão e Mônaco, membros da Traditional Jazz Band, tivemos a ideia de fundar o Hot Club de Piracicaba. Seria uma banda com a ideia de receber convidados, para ser um verdadeiro clube de jazz.Muito embora tivéssemos como referência inicial o jazz cigano de Django Reinhardt, a nossa linguagem tinha muito do jazz tradicional, talvez pela própria formação, com uso de instrumentos de metais e influência da Tradional Jazz Band. Isso é bem perceptível no primeiro CD, lançado em 2008.
Ao longo do tempo, fomos amadurencendo e encontrando outros caminhos e formações.
Constituímos um quinteto e gravamos o segundo CD, com a participação do violonista piracicabano Otiniel Aleixo (Legal). Ele trouxe a proposta de misturar música brasileira com o jazz manouche. Foi um projeto muito bem sucedido, que nos rendeu a participação no selo europeu Hot Club Records numa coletânea de jazz manouche (Django Festival nº 6), com a música “Caravan”. Uma formação instrumental única nesse tipo de grupo, com dois violões ciganos, trompete, trombone e tuba.
Depois, a cantora Pa Moreno ingressou na banda, e trouxe a sua influência do blues. E o pianista André Grella incorporou ao grupo uma linguagem mais moderna.
O trabalho com Bina Coquet, a partir de 2015 (e durante toda a gravação do novo CD “Amigos”), inseriu o Hot Club na trilha que eu sempre desejei: a linguagem virtuosística do jazz manouche nos solos de violão, com uma sólida banda e arranjos criativos com os instrumentos de metais, bateria e piano, em músicas instrumentais e vocais.
A par disso, formou-se uma amizade muito forte entre os integrantes do grupo, o que, para mim, é o segredo do seu sucesso e longevidade.
É uma energia explosiva o encontro dos músicos nas apresentações.
Além daqueles que podem ser considerados “fixos” no grupo (André Grella, Eloy Porto, Eli Silva, Frank, Pa Moreno, Gilliadi e eu), há aqueles que sempre que podem se juntam ao grupo, como Wagnão (bateria), Augusto (saxofone), Edu Belloni (guitarra) e Ricardinho (trombone), além das cantoras Iuna Sanches, Estela Manfrinato e Wana Narval. O fotógrafo Antonio Trivelin, o publicitário Luis Castel, o luthier Fabiano Lima e o engenheiro de gravação Renato Napty fazem parte dessa família. O mais novo integrante da trupe é o chileno Sebastian Abuter Pinto, que também tem tocado clarinete conosco.
Tenho muito orgulho do que conquistamos. Além de sermos verdadeiros anfitriões do festival de jazz manouche de Piracicaba, nos apresentamos com músicos incríveis como Robin Nolan, Eva Scholten, Richard Smith e Paul Mehling.
A maior dificuldade da banda é conciliar atividades e horários. Porque é um time muito grande e todos tem outros trabalhos. Mas sempre damos um jeito de tocar ao menos uma vez por mês. E uma coisa é verdade: toda vez, repito, toda vez, é um enorme prazer tocar com essa turma. Nenhuma briga em dez anos, muita risada e história para contar.
Viva para sempre, senhora da canção!
17 de Abril de 2018, 10:18Carlos Motta
O Brasil ficou mais pobre, artística e culturalmente, com a morte de Dona Ivone Lara segunda-feira, 16 de abril, aos 97 anos completados três dias antes.
Escrever sobre a imensa e incomparável obra dessa extraordinária compositora e cantora é desnecessário.
Há artistas que dispensam as palavras para louvá-los - seu talento fala por si.
Dona Ivone Lara há muito tempo era uma instituição, uma frondosa e altiva árvore, generosa em frutos, saborosos e opulentos.
Em sua maravilhosa carreira, Dona Ivone Lara firmou inúmeras parcerias com outros craques, mas foi com Delcio Carvalho que trabalhou mais. Pertencem à dupla inúmeras canções que se tornaram clássicos da música popular brasileira: "Acreditar", "Sonho Meu", "Alvorecer", "Minha Verdade" e "Doces Recordações" são apenas algumas dessas pérolas.
Mestre Ariano Suassuna lembrava, sempre que podia, que outro grande brasileiro, Machado de Assis, dividia o país em dois: o real e o oficial.
O Brasil real é esse que se expressa na criatividade, na força e na persistência do seu povo. O oficial é aquele caricato que frequenta os salões e se esconde em gabinetes bem mobiliados.
Dona Ivone Lara personifica o Brasil real, essa nação que, contra todas as probabilidades, produziu, produz e produzirá, gênios em todas as áreas da atividade humana.
Ainda bem que Dona Ivone Lara teve, em vida, o reconhecimento merecido. Como nesse lindo samba de Claudio Jorge e Nei Lopes, "Senhora da Canção".
Uma música como essa vale muito mais que qualquer discurso de algum representante do Brasil oficial.
Viva o samba, viva a rainha do samba, viva a grande dama do samba, viva para sempre a senhora da canção!
Lá vou eu que bom subindo outra vez
O domingo está tinindo e assim eu sei
Que os canários, tangarás e os rouxinóis.
Já afinaram os gogos
Só falta minha voz somando
Lá vou eu pra onde o samba manda ver
Que os canários, tangarás e os rouxinóis.
Já afinaram os gogos
Só falta minha voz somando
Lá vou eu pra onde o samba manda ver
Sem confeito bem do jeito que Deus fez
Ouvir reais melodias
Imperiais harmonias
Dissonâncias não têm vez
Beber de um gole a poesia
Me embriagar de alegria
Na mais pura lucidez
Ivone lara ra ra ra ra ra
Perola rara no compor e no cantar
Senhora da canção doce instrumento
Pastora da emoção, do sentimento.
Ivone lara ra ra ra
Tudo se aclara sobre a luz do teu luar
Lavando a nossa alma
Com a mais fina inspiração
Meu samba de pega na palma
E beija sua mão
Ouvir reais melodias
Imperiais harmonias
Dissonâncias não têm vez
Beber de um gole a poesia
Me embriagar de alegria
Na mais pura lucidez
Ivone lara ra ra ra ra ra
Perola rara no compor e no cantar
Senhora da canção doce instrumento
Pastora da emoção, do sentimento.
Ivone lara ra ra ra
Tudo se aclara sobre a luz do teu luar
Lavando a nossa alma
Com a mais fina inspiração
Meu samba de pega na palma
E beija sua mão
Uma homenagem ao mestre Geraldo Pereira
13 de Abril de 2018, 16:39O Instituto Memória Musical Brasileira (IMMuB) está prestando neste mês de abril uma homenagem ao centenário de Geraldo Pereira, um mineiro de Juiz de Fora criado no morro da Mangueira. Malandro, valentão, mulherengo e principalmente excelente sambista, Geraldo Pereira foi um verdadeiro cronista dos morros, dos subúrbios e da vida boêmia do Rio.
Como tema do mês para representá-lo, o IMMuB escolheu o álbum "Evocação V", distribuído pela gravadora Eldorado, no ano de 1980. O disco foi inteiramente dedicado ao inventor de um estilo diferente de sambar, interpretado, entre outros, por Mestre Marçal, João Nogueira, Monarco, Jards Macalé e Nelson Sargento. Entre suas músicas mais famosas estão "Acabou a sopa", "Acertei no milhar" (parceria com Wilson Batista, gravação histórica de Moreira da Silva), "Cabritada mal-sucedida", "Escurinha", "Escurinho" e "Falsa baiana" (duas gravações memoráveis de Cyro Monteiro), "Bolinha de papel" (ecoou na voz de João Gilberto em tempos de bossa nova) e "Chegou a bonitona", entre tantas outras.
A seguir estão textos extraídos do álbum "Evocação V", assinados por Batista de Souza e Moacyr Andrade.
“... em 1944. Eu gravei a Florisbela no mesmo dia em que o Ciro gravou a Falsa Baiana, que eu nem preciso dizer nada.
O Ciro gravou de manhã na RCA, ali na Praça da República, com o regional do Benedito Lacerda, Dino, Meira e Canhoto, Popeye no pandeiro, e mais o Raul de Barros. Depois, de tarde, o regional foi lá pra Continental gravar comigo. A Continental ficava ali na avenida Rio Branco, em cima do Cineac Trianon, bem defronte ao Nice. Depois da gravação nós saímos pra festejar, o Geraldo, o Ciro e eu. Meu Deus! O Ciro, meu compadre, nesse tempo era da Mayrink e já era muito popular. O Geraldo tinha gravado dois sambas no mesmo dia e eu tinha gravado meu primeiro disco. Nós saímos do Nice pra Lapa pra festejar e fomos amanhecer na Taberna da Glória.
O Geraldo estava alegre e comandou a noite toda.
– Canta meu samba, ô Ciro.
– Agora o outro, Batista..."
(Batista de Souza)
"Pixinguinha, um nome que pode resumir, simbolicamente, toda a música popular brasileira, foi talvez ao longo de quatro décadas – pelo menos do fim dos anos 20 a meados dos anos 50 – o mais ativo orquestrador e arranjador dos nossos palcos e estúdios. Isso significa que trabalhou e burilou a criação de centenas de compositores, dos mais obscuros aos mais famosos. Pixinguinha aliava a genialidade à discrição: não era qualquer coisa que provocava nele uma demonstração de arroubo, um entusiasmo que traísse a sua frieza profissional. Pois bem: uma vez, em 1939, ao fazer o arranjo para uma música de um compositor até então completamente desconhecido, o grande mestre saiu por instantes de sua sábia indiferença para pedir ao cantor Roberto Paiva, intérprete do autor estreante, que o apresentasse aquele criador tão surpreendente. E foi logo dizendo o que o comovera: o samba a que acabara de dar roupagem orquestral guardava uma melodia inteiramente original para a época. O samba era o "Se Você Sair Chorando", primeira composição gravada de Geraldo Pereira.
Já estava aí nessa estreia, embora praticamente só anunciada, a fantástica divisão rítmica que consagraria Geraldo Pereira, um dos mais interessantes e mais ricos criadores de estilo, de escola, entre os compositores brasileiros. Essa marca se acentuaria logo a partir do terceiro samba que ele, no ano seguinte, e na voz de Ciro Monteiro, conseguiu pôr em disco: "Acabou a Sopa", no qual as sequências de síncopes configuram uma constante. Seu domínio desse recurso foi total. Diversificando em cada nova música uma inventiva melódica de fato prodigiosa, Geraldo levou a síncope – que basicamente consiste no prolongamento do som de um tempo fraco num tempo forte – às últimas consequências, terminando por fazer-se reconhecer como o mais perfeito cultor do gênero sincopado. É ele o modelo, o paradigma, a referência: um bom samba, cheio de síncopes, hoje, soa também como uma homenagem a Geraldo Pereira, uma citação de seu papel e de sua força no desenvolvimento da nossa música popular.
Esse papel é singular também no terreno poético. Aqui, o correspondente da síncope musical é a síntese acabada e irretocável. Cada samba de Geraldo Pereira é um quadro de costumes, um comentário de um flagrante do cotidiano de um segmento social – o seu – feito sem desperdícios retóricos, sem folclorizações e sem apelos alegóricos. Seus versos tem o poder de uma boa notícia de jornal, aquela que conta tudo numas poucas linhas de uma coluna. E são mais esclarecedores, do ponto de vista de levantamento sociológico, do que a enfadonha pretensão científica de certos estudos e pesquisas acadêmicos.
É que Geraldo punha em seus sambas – com uma felicidade constatada ao se ouvir, sempre com renovado prazer, qualquer deles – o seu ambiente, o modo de vida de toda uma camada popular carioca. E como o fazia da posição de quem está de dentro, isto é, podendo ser um personagem verossímil da cena descrita (e frequentemente o era), eis-nos diante de um observador e registrador de comportamentos provavelmente inigualável entre os que, em sua época, também tentaram, como compositores populares, contribuir para a fixação de uma fase de nossa vida urbana.
Geraldo ganhou a vida como motorista dos caminhões da coleta de lixo. E gastou-a – embora seja mais correto dizer que a aproveitou – no morro (Mangueira), no subúrbio (Engenho de Dentro) e na zona boêmia (Lapa). Essas indicações sugerem tudo: trabalhou como um mouro, fez ponto nas escolas de samba e nos terreiros (os religiosos, inclusive), amanheceu nos cabarés e nas gafieiras, viveu e sofreu incontáveis ligações amorosas. Não precisou, pois – ao contrário de outros compositores que também buscaram pintar retratos sociais, mas vendo as coisas de fora, como observadores platônicos –, de imaginar ou “criar’ situações: ele viveu cercado da inspiração, que, no seu caso, eram os próprios fatos e emoções em que esteve permanentemente mergulhado.
Quando Geraldo morreu, no dia 8 de maio de 1955, aos 37 anos e de hemorragia intestinal – consequente a uma briga até hoje não suficientemente esclarecida com outra figura de escol da Lapa, o lendário Madame Satã –, fazia grande sucesso o seu samba "Escurinho", gravado por Ciro Monteiro. Apesar disso, Geraldo morria pobre (Ciro teve de pagar do próprio bolso o enterro). E a impressão que se tinha era a de que estava arquivada uma página da música popular brasileira, destinada a futuras pesquisas de seus historiadores.
Seis anos mais tarde, em 1961, pleno apogeu da bossa nova, João Gilberto, o grande nome desse movimento, regravou "Bolinha de Papel", um samba que 16 anos antes enriquecera o repertório dos Anjos do Inferno. Foi uma revelação: a peça, da construção rítmica à picardia da letra, era plena de atualidade.
Descobria-se aí, ou confirmava-se, outra característica da obra de Geraldo Pereira: sua perenidade, hoje inteiramente comprovada. Trata-se de um clássico, um autor de sambas à prova de todas as épocas."
(Moacyr Andrade)
Livro reúne seleção de contos de João Carrascoza
13 de Abril de 2018, 16:14“As coisas estão lá, pedindo para que a gente as faça, e uma hora a gente as faz, porque temos de povoar o tempo.” Por meio de pequenas situações, João Carrascoza convida o leitor a contemplar o mistério da vida como quem contempla a paisagem, de lado, no banco de um carro. Com profundidade, proximidade e poeticidade, o autor faz desse contemplar um exercício de percepção de diferentes realidades em seu novo livro, lançado pela Editora Positivo, "A Estação das Pequenas Coisas".
Com 18 contos, selecionados de livros publicados nos últimos dez anos de carreira, Carrascoza mostra algum tipo de experiência corriqueira vista sob um olhar mais literário. “No fundo, as histórias, mesmo escritas em épocas distintas, advêm de um mesmo sentimento: a valorização das coisas aparentemente inexpressivas em nosso dia a dia, a atenção para a música em tom menor que vibra no espaço doméstico e que, no entanto, traz também notas (quase silenciosas) da esfera exterior”, explica.
Quanto ao título do livro, o escritor elucida que, além da palavra “estação” se referir a um ponto ou local de parada em meio a um deslocamento, como em uma estação de trem, também remete a um período. “Assim como a primavera e o verão são trechos de tempo, haveria uma estação, se é que ela não é a nossa vida toda, em que as coisas de pouca monta se mostram, senão grandiosas, capazes de ampliar a nossa compreensão do mundo."
Fabíola Ribeiro Farias, responsável pela seleção e organização das 173 páginas da obra, conta, na apresentação do livro, que “a arte de Carrascoza está em construir, com as palavras, o cotidiano, para que possamos extrapolá-lo, vivê-lo e compreendê-lo para além das vinte e quatro horas do dia, distinguindo o comum do banal”. Para ela, os contos são uma forma de ampliar o repertório para compreender o mundo e, especialmente, as relações entre as pessoas.
João Anzanello Carrascoza nasceu em Cravinhos, São Paulo. É escritor e professor da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado e doutorado, e da Escola Superior de Propaganda e Marketing-SP. Publicou os romances Caderno de um ausente, Menina escrevendo com pai e A pele da terra, que compõem a Trilogia do adeus, e várias coletâneas de contos, entre as quais O volume do silêncio, Espinhos e alfinetes e Aquela água toda. É também autor de obras para o público infanto-juvenil, como A terra do lá, O vendedor de sustos e Aprendiz de inventor. Algumas de suas histórias foram traduzidas para o bengali, croata, espanhol, francês, inglês, italiano, sueco e tamil. Recebeu os prêmios Jabuti (CBL), Fundação Biblioteca Nacional (FBN), Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) e os internacionais Radio France (RFI) e White Raves (Library Munich).









