Jogava pedras no telhado do juiz e repetia "não há Justiça, não há Justiça..."
11 de Maio de 2017, 10:31Um certo conto, ou novela, ou romance, que li há muito tempo e do qual não guardei o seu nome nem o de seu autor - com quase certeza latino-americano -, e que se passa num vilarejo ermo, desses perdidos neste mundo imenso, tem uma passagem da qual, volta e meia, me recordo: o protagonista, um camponês miserável, para se vingar de um juiz que, em vez de lhe fazer justiça, manteve a sua sentença execrável, passa a jogar pedras, escondido nas sombras da noite, no telhado de sua casa, tirando-lhe o sono, o sossego, e amedrontando-o.
E a cada pedra jogada, repetia para si a mesma frase: "Não há justiça, não há justiça."
Nessa quarta-feira, 10 de maio, o ex-presidente Lula, respondeu, durante cerca de 5 horas, a perguntas de procuradores públicos e de um juiz de 1ª instância, em Curitiba, num processo em que é acusado, entre outros crimes, de ter recebido um apartamento na cidade litorânea paulista de Guarujá como propina de uma construtora.
Os advogados de Lula e ele próprio, em suas considerações finais, observaram que seus acusadores não apresentaram uma prova sequer de que o imóvel lhe pertence.
As perguntas que lhe foram feitas oscilaram entre a estupidez e a infantilidade.
Várias delas se basearam em fofocas, boatos, e matérias jornalísticas.
O juiz chegou ao cúmulo de mostrar ao ex-presidente um documento apócrifo, como se ele fosse evidência de alguma coisa...
Fora esse, Lula é réu em outros processos igualmente sem nenhuma fundamentação lógica, jurídica ou factual.
Seu interrogatório na autoproclamada "República de Curitiba" apenas reforçou a tese de que ele vem sendo vítima do chamado "lawfare", a guerra jurídica movida para destruir a possibilidade de que concorra na eleição presidencial de 2018, com boas chances de vencer, e, se eleito, reverta as medidas do governo golpista que estão levando o Brasil de volta a um passado sombrio - e destruindo seu futuro.
Uma Justiça de verdade nem aceitaria Lula como réu, tal a fragilidade das acusações contra ele.
O Brasil, porém, possui um Judiciário que tem lado, o dos ricos, dos poderosos, dos endinheirados de sempre - essa turma que patrocinou o golpe que destituiu a presidenta Dilma e provocou a maior crise político-social-econômica da história do país.
Constatado esse fato, não há a menor possibilidade de que um dos representantes mais notórios desse tipo de "Justiça" absolva o ex-presidente Lula por absoluta falta de provas em qualquer um dos processos de que é réu.
Os julgamentos são meras formalidades, encenações, puro teatro, para dar um ar de legalidade a processos político-ideológicos, construídos apenas para destruir uma das maiores lideranças populares da história brasileira, um símbolo, ele sim, de Justiça e igualdade social.
Para todos os que desejam construir uma nação à base da democracia, com reais oportunidades para todos, instituições verdadeiramente republicanas, que respeite as diferenças e proteja as minorias e seus cidadãos mais fragilizados, infelizmente restará tão somente jogar pedras no telhado da casa do juiz e murmurar "não há Justiça, não há Justiça..." (Carlos Motta)
Um país dividido e à beira do abismo da ditadura
10 de Maio de 2017, 10:15O colunista da revista semanal, que se vangloria de ter criado o termo "petralha" e até outro dia se refestelava com o uso do substantivo "apedeuta" em seus textos, escreve que a decisão do juiz que mandou fechar o Instituto Lula representa um "impressionante rasgo de autoritarismo" e "agressão" à ordem legal.
O Estadão, uma das vozes mais estridentes do conservadorismo nacional, diz em editorial que "é perniciosa a tentativa de transformar a Lava Jato na grande panaceia nacional; além de não tirar o país da crise, esse modo de conduzi-la, como se tudo estivesse podre – como se os poderes constituídos já não tivessem legitimidade para construir soluções –, inviabiliza a saída da crise."
As duas recentes manifestações, que se somam a várias outras nas últimas semanas, poderiam ser consideradas meras opiniões isoladas nesta imensa crise social e política que o golpe que afastou Dilma Rousseff da presidência da República provocou, não fosse o fato de que elas se dão em meio a uma escalada rápida e violenta da supressão do Estado de direito no país - a impressão que se tem é que o aparato jurídico-policial-midiático corresponsável, com políticos corruptos e oligarcas, pelo ataque à democracia, está perdendo o controle de suas ações e atingiu um ponto no qual não há mais retorno.
A comparação com o malfadado AI-5 de 1968, que marcou o endurecimento da ditadura militar, é bem plausível.
O golpe, é quase unanimidade entre os analistas, teve por finalidade permitir a volta do ideário neoliberal ao centro das decisões do Executivo central, a destruição do PT e das esquerdas em geral do cenário político-partidário, tornando inviável a candidatura de sua principal liderança, o ex-presidente Lula, em 2018, e a entrega despudorada das principais riquezas do país ao capital internacional.
O que não estava no radar dos golpistas, talvez, tenha sido a dificuldade para levar adiante a extinção do campo progressista.
O núcleo jurídico do golpe bem que tem feito a sua parte.
A atuação do juiz paranaense e seu grupo de procuradores, promotores e agentes de polícia, tem sido digna dos melhores - piores - momentos históricos do nazi-fascismo.
O ex-presidente, alvo prioritário da operação, porém, tem se mostrado duro na queda.
Já conseguiu, até mesmo em âmbito internacional, demonstrar que é vítima do processo denominado de "lawfare", no qual o aparato legal é utilizado como arma de guerra, com o claro objetivo de impedir a sua atuação política-partidária.
Essa resistência quase desesperada de Lula contra os sucessivos golpes do aparato jurídico-policial teve o efeito de melhorar sua posição na preferência do eleitorado para a disputa de 2018 e insuflar ânimo na luta contra o golpe não só nos militantes do seu partido, mas em milhares de cidadãos que não se conformam com a perda da democracia.
Emparedados, os criadores do caos se mostram quase sem alternativas: recuar agora seria mostrar uma fraqueza que poderia estimular ainda mais seus adversários; aumentar a pressão, como estão fazendo, embute o risco de jogar o país numa ditadura escancarada, com todas as consequências nefastas de tal ação.
A reação contra o endurecimento das medidas dos golpistas, por parte de setores conservadores e até ontem favoráveis a este "Brasil Novo", resume o momento da nação: cada vez mais se agrava a divisão entre os que almejam, para si e seus sucessores, viver numa democracia, mesmo que imperfeita, e os que só se sentem bem num mundo de injustiças, desigualdade, opressão, ódio, preconceito e violência. (Carlos Motta)
O fim da multa de 40% do FGTS na demissão de trabalhador aposentado
8 de Maio de 2017, 10:11Silvia Barbara
Um exemplo: uma pessoa trabalhou por 30 anos numa empresa, aposentou-se e continuou trabalhando por mais cinco anos. A empresa o demite e ele não recebe nenhum centavo da multa indenizatória garantida pela Constituição.
A novidade foi introduzida ao texto pelo deputado Arthur Maia (PPS-BA), relator da PEC 287. Ele alterou o artigo 10 das Disposições Transitórias, exatamente a cláusula que assegura indenização na demissão sem justa causa — a todos os trabalhadores — no valor de 40% do FGTS de tudo o que foi depositado.
O golpe aplicado por Maia foi muito bem observado pelo advogado José Geraldo Santana, companheiro de luta e assessor jurídico da Contee. Ele denunciou a nova redação dada ao artigo 10 das Disposições Transitórias na CF:
Art. 10 ...
§ 4º Até que seja publicada a lei complementar a que se refere o inciso I do art. 7º da Constituição, o vínculo empregatício mantido no momento da concessão de aposentadoria voluntária não ensejará o pagamento da indenização compensatória prevista no inciso I. (NR)
A mudança, aprovada a boca pequena e patrocinada pelo empresariado, é uma das mais antigas reivindicações patronais: o lobby data de 1966, quando o FGTS substituiu o antigo regime de estabilidade. Desde então, por diversas vezes, a legislação foi alterada por pressão dos empresários.
Em 1988, entretanto, a Assembleia Nacional Constituinte, transformou a multa em direito constitucional, além de ampliar o valor de 10% para 40%. Ainda assim, o empresariado resistia ao pagamento para os aposentados demitidos. Por se tratar de uma questão constitucional, o caso foi parar Supremo Tribunal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1721-3.
O julgamento ocorreu em 2006 e finalmente, os aposentados que continuaram a trabalhar tiveram o direito reconhecido. É esse direito que Arthur Maia e o bando que aprovou o texto substitutivo querem acabar.
(Silvia Barbara é professora, diretora do Sinpro-SP e colaboradora do Diap)
A miséria volta às ruas
8 de Maio de 2017, 9:57Em cerca de meia hora, no sábado passado (6 de maio), em dois quarteirões da Rua 13 de Maio, centro comercial de Amparo, cidade de 70 mil habitantes do Circuito das Águas Paulista, uns 10 pedintes abordavam os passantes, que ainda tinham de se desviar de uma meia dúzia de camelôs.
A volta desse cenário comum no Brasil dos tempos de FHC, Collor, Itamar, Sarney, e da ditadura militar, quando a miséria era muito mais visível que nos poucos anos em que o trabalhismo esteve no comando do Executivo central, é apenas a ponta do iceberg dos estragos que a recessão econômica provocada pelo golpe jurídico-parlamentar que depôs a presidenta Dilma Rousseff vem fazendo ao país.
Aparentemente, a classe média ainda não sentiu os efeitos mais danosos da crise para o seu bolso.
Dois exemplos são o próprio centro comercial de Amparo, que estava bastante movimentado no sábado, ou a vizinha Serra Negra, lotada nos últimos três feriadões.
Os preços das mercadorias das lojas, responsáveis por atrair tantos turistas para o município serrano - sua principal rua é um enorme shopping center ao ar livre -, porém, não aumentaram nos últimos meses, e os dos restaurantes populares caíram: hoje se come em sistema de bufê completo por menos de R$ 20.
Mas os sinais de que a crise já chegou à cidade de 27 mil habitantes começam a surgir: nos fins de semana há pedintes no centro e mesmo o único jornal de circulação periódica, "O Serrano", noticiou, na primeira página, a existência de cerca de 20 moradores de rua no município, algo que não se via ali havia muito tempo.
E pelo que relatam alguns amigos feicebuqueanos, a situação no resto do país não é muito diferente dessa das estâncias hidrominerais de São Paulo.
A jundiaiense Ana Lucia Oliveira, por exemplo, diz que sua cidade, pouco mais de 400 mil habitantes, a 60 quilômetros da capital, altamente industrializada, "também está assim [como Amparo], fora o semáforo com gente fazendo malabarismo e vendendo balinhas".
O jornalista e professor universitário Adelto Goncalves, ex-Estadão, entre outros órgãos da imprensa, hoje morador de Amparo, relata que voltou ao município "depois de alguns dias em Praia Grande e São Vicente - e a terra do vice-governador [São Vicente] está pior que na Etiópia".
Bea Falleiros, também jornalista e residente na capital, esteve recentemente no país africano, e completa a informação de Adelto: "Vou lhe contar que lá tem muito menos gente na situação de pedinte do que aqui no país do golpe."
Outro morador de Jundiaí, o sindicalista Douglas Yamagata, acha que "ainda que não se chegou totalmente ao fundo do poço, pois a súbita classe média ainda está queimando seus estoques da era Lula e Dilma". Ele acredita que "quando isso acabar, haverá ainda mais pedintes e se engana quem acha que o desemprego irá diminuir, pois este é o instrumento do capital para deixar salários baixos e trabalhadores reféns do patrão".
Já o jornalista carioca Boecio Vidal Lannes dá notícias da situação no Rio de Janeiro: "Nem queiram imaginar como tem camelô aqui. De cada 10 vagas de trabalho fechadas no país, pelo menos 7 são aqui do Rio. Os camelôs se organizam em escala, e fazem fila, para entrar no BRT com o objetivo de evitar a canibalização deles mesmos. Ou seja, estão tentando dividir os lucros fazendo a divisão dos clientes."
Do jeito que está a situação, é quase certo que o Brasil entrou num túnel do tempo, retornando a uma realidade de miséria e desigualdade social que só foi alterada na década e um pouco em que os trabalhistas ocuparam o Palácio do Planalto e tentaram transformar o país numa social-democracia. (Carlos Motta)
E o Brasil real vai se calando
6 de Maio de 2017, 10:18Com a diferença de poucos dias, a música popular brasileira perdeu o cantor Jerry Adriani, um dos protagonistas da "Jovem Guarda", o cantor e compositor Belchior, autor de versos perenes, e Almir Guineto, o sambista completo.
Estão internados outros dois notáveis artistas, Arlindo Cruz, compositor de mais de 300 sambas gravados por inúmeros cantores, inclusive ele próprio, e Luiz Melodia, um dos principais renovadores da MPB.
Arlindo se recupera de um AVC e Melodia trata um câncer.
2017 está sendo um ano terrível.
De um lado, uma crise econômica profunda que caminha ao lado de uma crise política, as duas prejudicando de forma aparentemente irremediável o fiapo de democracia, redução de desigualdades sociais, e projeto de nação que os governos trabalhistas aprofundaram.
De outro lado, uma crise ética e moral, com o governo central expondo as vísceras de um sistema político-partidário profundamente corrupto, Ministério Público e Justiça atuando como milícias ideológicas, e o fascismo caminhando impune em todos os cantos do país, repetindo, em ações violentas e criminosas, o modus operandi que o fez, no passado, mergulhar o mundo no caos e insanidade da guerra.
País de escassos lampejos de inteligência, que se revelam como luzes piscando em profundas trevas de ignorância e estupidez, artistas como esses que deixaram a vida ou estão, ao menos momentaneamente, incapacitados para trabalhar, fazem muita falta.
Todos, cada um ao seu modo, representam o que há de melhor no Brasil.
São a antípoda daquilo que se apresenta como oficial, esses pomposos e ridículos ministros de Estado, secretários de governo, parlamentares, autoridades "sabe com quem está falando?" a granel, doutores formados e titulados em uniesquinas, empresários semialfabetizados, jornalistas que apenas vocalizam a palavra do patrão...
Dá uma tristeza imensa ver que, aos poucos, o país vai perdendo aquilo que o mantém culturalmente coeso, essas vozes que unem compatriotas distantes milhares de quilômetros, e que ajudaram, com sua arte, a moldar a alma de um povo que mistura a ingenuidade das crianças com a criatividade dos adolescentes.
País ainda jovem em todos os sentidos, o Brasil necessita, para atingir a maturidade, que não só a obra de um Belchior, de um Guineto, ou um Adriani, seja perpetuada, mas que surjam outros artistas que sigam seus passos.
O Brasil real não pode ficar refém do Brasil oficial. (Carlos Motta)