Max Riccio revive violão do início do século XX
14 de Dezembro de 2021, 8:51Foi a partir de uma foto, provavelmente de 1916, imortalizando o encontro de três grandes violonistas da época, que o intérprete e educador Max Riccio, se interessou pela obra de Quincas Laranjeiras, João Pernambuco e Agustín Barrios. Em seu novo EP “Retrato Carioca”, uma alusão direta à fotografia tirada na loja Cavaquinho de Ouro, na Rua Uruguaiana, no Centro do Rio de Janeiro, onde se vendiam e se fabricavam instrumentos musicais, Riccio busca eternizar cinco obras desses compositores, usando até mesmo, na gravação, uma réplica do violão Torres, com encordoamento de tripa, o mais usual naquele período. Atuando solo e em música de câmara, o intérprete, natural de Natal (RN), é conhecido por seu trabalho de pesquisa de repertório e também pela utilização de réplicas de instrumentos históricos, como também os encordoamentos e recursos utilizados em cada período artístico.
Do pernambucano Quincas Laranjeiras, Max Riccio gravou “Prelúdio em Ré”, “Valsa para violão” e “Dores d’Alma”. Precursor do ensino de violão por partitura e decisivo na formação dos mais importantes violonistas de sua época, Quincas Laranjeiras, ou melhor, Joaquim Francisco dos Santos, foi decisivo na formação dos mais importantes violonistas da época, como Zé Cavaquinho, Levino Albano da Conceição, Gustavo Ribeiro, Donga e Antônio Rebello, entre outros. Nascido em Olinda (PE), com um ano de idade se mudou com a família para o Rio de Janeiro, em 1874, estabelecendo-se no bairro de Laranjeiras.
Já de autoria de João Pernambuco, Riccio interpretou “Sons de Carrilhões”. Nascido em 1883, o compositor e violonista mudou-se para o Rio de Janeiro em 1904 e, em poucos meses, passou a morar em uma pensão em que viviam Pixinguinha e Donga, que também era frequentada por músicos e intelectuais, como o violonista e improvisador Sátiro Bilhar e o poeta Catulo da Paixão Cearense. Torna-se rapidamente conhecido nesse círculo e a apresentar-se em residências de famílias de elite, como a casa de Ruy Barbosa e Afonso Arinos. Em 1914, formou o Grupo Caxangá, com sete integrantes, entre eles Pixinguinha e Donga, lançando moda no Rio com sua caracterização sertaneja. Com os dois amigos músicos, integrou também, mais tarde, o conjunto Oito Batutas, excursionando pelo Brasil e exterior.
O paraguaio Agustín Barrios, músico que completa a tríade registrada na fotografia da época, é lembrado no EP com sua “Una limosna por el Amor de Dios (El último trémulo)”. Também conhecido pelo apelido de Mangoré, Barrios é o mais reconhecido violonista e compositor paraguaio de música clássica. Iniciou sua carreira pelo violão, o qual tocava desde a infância, chegando a participar da Orchestra Barrios, composta por membros de sua própria família. Alternava o violino com a flauta e a harpa, embora mais tarde tenha escolhido o violão como seu instrumento principal. A partir de 1910, aprimorou o estudo do instrumento e então passou a participar de concertos no México e Cuba, seguindo depois por toda a América Latina e pelo mundo.
Doutor em musicologia, com mestrado em práticas interpretativas, o professor de violão da UFRJ e pesquisador da Biblioteca Nacional Humberto Amorim destaca que no EP “Retrato Carioca” todo “o cuidado musicológico se coaduna a interpretações absolutamente envolventes, criativas e fiéis ao estilo interpretativo do repertório, conferindo vida única a páginas musicais de três personagens decisivos na trajetória do instrumento no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro".
Para o pesquisador, “o resultado é um mágico ambiente sonoro que parece nos transportar diretamente para um salão de concerto do século XIX ou décadas iniciais do XX, como se entrássemos em um túnel do tempo que nos leva ciclicamente do presente ao passado e do passado ao presente, em uma espécie de espiral eterna".
Natural de Natal, Max Riccio se formou bacharel em violão pela Escola de Música da UFRJ. É mestre pela Unirio no programa de mestrado profissional, sob a orientação de Nicolas de Souza Barros e Ermelinda Paz Zanini, desenvolvendo o livro “O Violão Entrou na Roda: um Guia Prático para Principiantes”, publicado pela Editora Irmãos Vitale. Ultimamente, no duo The Biedermeiers, que compõe junto com Rubens Küffer, tem tido uma notável presença no cenário da música erudita nacional, com apresentações no programa “Partituras”, da TV Brasil, totalmente dedicado ao duo, e no programa Antena MEC FM, da Rádio MEC FM (Rio de Janeiro).
Em 2018 e 2020 também atuou junto com a cantora Aline Talon no Duo Iara, atuando em diversas salas de concertos no circuito nacional, transmissão de concerto ao vivo pela Rádio MEC FM e participação na edição 2020 do Festival de Inverno de Petrópolis e Nova Friburgo. Como solista, vem se apresentando regularmente em importantes séries de concerto do Rio de Janeiro e festivais internacionais e nacionais de violão. Também tem participado de diversos programas de rádio e TV, podendo destacar gravações de obras inéditas de Quincas Laranjeiras no programa Violões em Foco da Rádio MEC FM, bem como a participação na trilha sonora de novelas da Rede Globo, como “O Astro” (Remake 2011) e “Gabriela” (Remake 2012). Nesses, toca alaúde árabe.
Festival Levada comemora dez anos com quatro dias de shows
8 de Dezembro de 2021, 14:59Carne Doce faz o show de abertura do festival, nesta quarta-feira |
O Festival Levada comemora dez anos de existência com shows de grandes artistas e promessas da música brasileira independente. Entre esta quarta-feira, 8 ao sábado, 11 de dezembro, o festival irá realizar sua primeira etapa no Teatro Rival Refit, no Rio de Janeiro, com ingressos a R$ 20.
"O Levada completa uma década e se mantém fiel à sua ideia inicial de mostrar o quanto a música brasileira continua pujante e diversa. Mesmo com as dificuldades impostas pela pandemia, a classe artística teve uma produção rica e, de certa forma, foi responsável por amenizar o sofrimento da sociedade, que se viu obrigada a enfrentar o isolamento social. Para a primeira etapa dessa edição comemorativa, no Rival, teremos quatro apresentações que comprovam o que eu estou dizendo”, explica o curador Jorge Lz.
Julio Zucca, sócio da Zucca Produções, é o responsável pela realização do projeto, que se tornou um dos mais importante festival de música do país, por trazer aos palcos cariocas talentos do Brasil inteiro, antes deles aparecerem de forma mais constante em outros festivais e para a mídia. “Esse, aliás, é um dos pilares do Levada - que desde 2018, se antecipou ao mundo, ao transmitir ao vivo na Internet as suas apresentações. Em 2021, com todos já acostumados às lives que aliviaram o isolamento no auge da pandemia, os dez anos do Levada serão comemorados com doze shows presenciais e uma exposição, tudo com transmissão digital pelo canal do festival no YouTube (www.youtube.com/levadafestival), começando pelos quatro artistas já divulgados para o palco do Teatro Rival Refit”, reforça Julio Zucca.
Vanguarda desde o primeiro acorde em 2012, o festival já jogou luz sobre 121 artistas de todas as regiões do país. Foi assim, por exemplo, com o BaianaSystem, que estreou no Rio de Janeiro na edição inaugural do Levada; Letrux, que fez o primeiro show do seu aclamado álbum "Noite de climão"; Cris Braun, que lotou o Teatro Ipanema em pleno período de Rock in Rio; Aíla, que já apresentou dois álbuns com sua onda paraense sob as bênçãos do Levada; e Silva, outro que fez os seus primeiros shows nos palcos cariocas graças ao festival e depois se tornou nacionalmente conhecido.
Patrocinado pela Oi através da Lei Municipal de Incentivo à Cultura da Prefeitura do Rio de Janeiro (Lei do ISS) e tendo o Oi Futuro como parceiro desde o início, o Levada é importante para a cena musical independente e gera muitas oportunidades para os artistas que passam por ele, além de levar para os mais diversos públicos cultura, música, entretenimento, arte e experiências sonoras. "Graças ao amplo e criterioso garimpo de Jorge Lz e à produção cuidadosa da Zucca Produções, participar do Levada virou sinônimo de chancela dos trabalhos de artistas na nova cena independente brasileira, funcionando como selo de qualidade e mola propulsora das carreiras deles", diz Victor D´Almeida, Gerente de Cultura do Oi Futuro.
O show de abertura do Festival Levada 10 anos ficará sob a batuta da Carne Doce, banda de Goiânia. O primeiro show deles na vida foi criado especialmente para o Levada. E, assim, o casal estreou na edição de 2013 do festival. De lá para cá, quatro discos de estúdio e um ao vivo chegaram, além de singles, e o nome Carne Doce caiu no gosto da crítica especializada e do público.
O show desta quarta-feira vai reunir as composições do álbum "Interior" (2020) nesta que será a primeira apresentação deste show no Rio de Janeiro. A banda virá completa - Salma Jô (letras e voz), Macloys Aquino (guitarra e voz), Aderson Maia (baixo), João Victor Santana (guitarra, sintetizador e programações) e Fred Valle (bateria e percussões) - para mostrar sua universalidade sonora entre dub, reggae, samba e trap.
A cantora, compositora e atriz Juliana Linhares, potiguar radicada no Rio de Janeiro, também vocalista da banda Pietá (atração do Levada em 2019) e do trio feminino Iara Ira, está de volta ao Festival Levada para cantar as músicas do seu “Nordeste Ficção”, primeiro disco solo, imaginado como um roteiro de teatro, um romance de autoficção e uma espécie de docudrama cinematográfico.
O álbum ostenta beleza e alegria, remetendo a LPs clássicos de Amelinha, Elba Ramalho, Cátia de França e outros nomes da geração nordestina lançados entre os anos 1970 e 1980. Traz, ainda, a grandeza melódica e poética de compositores como Alceu Valença, Ednardo, Fagner, Belchior e Zé Ramalho, dialogando com os herdeiros deles nos anos 1990: Chico César, Zeca Baleiro, Rita Benneditto e Lenine.
Com canção inédita de Tom Zé cantada em dueto com Letrux, o álbum é costurado por parcerias de Juliana com Chico César, Zeca Baleiro, Khrystal, Moyseis Marques, Posada, Mestrinho, entre outros compositores. Uma faixa emblemática é uma releitura do hino nordestino “Tareco e Mariola”, de Petrúcio Amorim. “Nordeste Ficção” foi influenciado pelo livro “A invenção do Nordeste e outras artes”, de Durval Muniz de Albuquerque Jr., e abre espaço para questionamentos sobre o que significa ser nordestina hoje.
Conhecida por misturar afrobeat às manifestações populares brasileiras, a Foli Griô Orquestra é uma banda de dez integrantes que faz um som magnético, sobretudo ao vivo. Eles se apresentam no dia 10 de dezembro, com as músicas dançantes e quase espiritualizadas do álbum "AJO" (2019), o primeirão, já indicado como Melhor Álbum de Música de Raiz em Língua Portuguesa ao Grammy Latino daquele ano.
Juntos desde 2015, os músicos vêm moldando uma sonoridade potente, que soma os ritmos tradicionais brasileiros a elementos do afrobeat nigeriano, tendo como principal referência Fela Kuti. O projeto mais recente da orquestra é o show “Flutua”, gravado em apenas um take durante o pôr-do-sol, sobre um palco flutuante na Lagoa de Saquarema. Foi um jeito de estar perto do público e fazer um show diferente do formato das lives que pipocou na Internet durante a pandemia.
O último show do Festival Levada 10 anos será da incensada banda de rock alternativo Maglore. Será no dia 11 de dezembro, com um roteiro que privilegia os maiores sucessos de seus quatro álbuns de estúdio – “Veroz” (2011), “Vamos pra rua” (2013) e também o consagrado “III” (2015) e “Todas as bandeiras” (2017). No set list da noite, já estão “Mantra” (indicada à categoria Nova Canção do Prêmio Multishow de 2015), “Café com pão”, “Aquela força” e “Motor” - esta ganhou versões nas vozes de Gal Costa e Pitty.
Nascida em Salvador em 2009, a Maglore em peso mora hoje em São Paulo. Nessa jornada, artistas como Carlinhos Brown e Wado participaram de seus discos. Em 2015, quando mudaram alguns integrantes, fizeram o terceiro disco, exibindo uma sonoridade mais direta e simples, inventiva e elegante como sempre, com influências de Caetano Veloso à Wilco, do misticismo da Bahia à rotina esmagadora da vida na terra da garoa. O "III" elevou o status da Maglore na cena.
Transmissão online:
www.youtube.com/levadafestival
https://www.instagram.com/festivallevada/
Fotos de Sil Azevedo eternizam seu universo peculiar
26 de Novembro de 2021, 8:37Filha da Baixada Fluminense, nascida em Japeri, a cineasta, escritora e ativista social Sil Azevedo teve sua história contada há três anos, quando lançou seu livro “Filho de Prostituta”, uma coletânea de 28 textos, selecionados pela autora, que traduzem dores e dificuldades enfrentadas dos 15 aos 42 anos: autonegação, solidão e preconceitos vividos pela jovem negra homossexual. Desta vez, a cineasta de prestígio internacional assume por definitivo uma antiga “paixão platônica”, a fotografia, e lança diversos registros organizados em coleções, disponíveis em seu próprio site, realçando por meio de imagens o seu peculiar olhar para paisagens e personagens, sem fugir da temática social, tão presente em suas criações.
Premiada internacionalmente enquanto cineasta de forte cunho social – em 2009, sua produção “Future Filmmakers Project”, sobre quatro meninos confinados em um reformatório para menores, foi premiado em Nova Iorque como melhor documentário, e, em 2011, houve a premiação do seu documentário “The Journey”, sobre imigrantes ilegais durante o governo de Barack Obama – e também de prêmios nacionais - seu curta-metragem “Enquanto Canto” foi vencedor em cinco festivais brasileiros de cinema e duas vezes selecionado para festivais internacionais em 2017 – a multiartista investe agora também no segmento da fotografia para decoração, no ideal de tornar ambientes residenciais mais interessantes e harmoniosos, sintonizados com design de interiores, na linha dos espaços de saúde mental, com utensílios simples e acessíveis a qualquer pessoa: “Um quadro de fotografia que traga um pouco de luz e suavidade ao ambiente, para que qualquer um que trabalhe a semana inteira, tenha um espaço dentro da própria casa em que possa relaxar e se energizar para enfrentar a rotina sem estresse”, explica Sil.
A coleção “Território Diaspórico” busca descolonizar o olhar, com fotos de pessoas negras inseridas em paisagens exuberantes, fugindo totalmente da ideia do exótico - ou da maneira que o negro costuma ser apresentado dentro do conceito de beleza artística – e sim com o objetivo de “inserir o negro dentro do que se tem de mais bonito no planeta, como um representante natural da beleza daquele espaço, espaço esse, que nos pertence por direito”, revela a fotógrafa.
“Minha fotografia é uma representação do mundo que busco, uma porta que me conduz a lugares e sensações que quero eternizar, onde enquadro apenas a minha percepção do que é essencial à vida”, diz.
A paixão pela fotografia
A menina que se encantava sempre ao se deparar com calendários de parede - única forma de "foto para decoração de interiores" possível para uma jovem de comunidade pobre como a de Japeri – percebia que as imagens eram sempre de lugares distantes, belas paisagens de montanhas geladas ou praias paradisíacas. O fascínio também era por imagens encontradas pelo chão, em revistas velhas, panfleto de propaganda ou “embalagens de leite, que traziam desenhos de vaquinhas e flores, as mesmas que muitas vezes faziam a decoração em paredes de algumas cozinhas do bairro”, comenta. Porém, diferentemente da maioria das crianças com quem convivia, seu interesse não era apenas pela beleza, mas também em saber como elas foram criadas.
A paixão pela fotografia, porém, estava fora da realidade da futura artista, que começou sua vida profissional não muito diferente da grande maioria da população negra e pobre no Brasil, desempenhando funções de atendente, doméstica, garçonete ou camelô.
Aos 20 anos, ao divagar sobre as exposições de fotografia que já visitara na cidade e todo seu conhecimento e apreço pelo assunto, foi indagada por uma psicóloga: "Qual câmera que você usa?". A pergunta que mudaria sua vida, seguida de um longo silêncio e sem resposta, despertou a jovem Sil na busca por um conhecimento mais aprofundado. “Eu nem sequer fazia ideia de que existiam câmeras fotográficas, e talvez essa fosse realmente a questão. Até aquele dia a fotografia para mim se resumia à foto em si, ou seja, acreditava que a ferramenta usada para fazer aquilo eram as mesmas que eu tinha, os olhos, e não uma máquina fotográfica”, explicitando o abismo cultural, científico e tecnológico entre as diferentes camadas sociais.
“Naquele mesmo dia, eu subi o famoso edifício Avenida Central, no Largo da Carioca, e me deparei com um mundo maravilhoso (e caro) de equipamentos fotográficos. Eram muitas opções, muitas informações, muitas fotos, minha conexão foi imediata e não havia dúvidas de que meu próximo investimento seria uma câmera. Depois de vários dias de pesquisas, finalmente saí de uma loja do Edifício Avenida Central com minha primeira câmera fotográfica, uma Pentax K1000”, lembra.
De lá pra cá, muitas câmeras passaram pelas mãos de Sil Azevedo, porém o mundo da fotografia ainda não fazia parte da realidade da artista. “Meu único desapontamento com a fotografia foi a dificuldade de identificar meu mundo com ela, de estabelecer conexão com quem fotografava, e com quem era fotografado. Todos os fotógrafos que estudei eram brancos, todos os professores de fotografia que tive eram brancos, todas as pessoas retratadas nas paisagens exuberantes dos quadros decorativos, eram brancos, por isso durante muitos anos eu duvidei da minha capacidade de fazer parte desse mundo, por não me enxergar dentro nele”, destacando um questão social extremamente pertinente no universo da fotografia.
“A maturidade me trouxe a consciência de que não estar retratada nesse mundo de beleza das fotografias de paisagem, não é por incompetência minha, nem de ninguém da minha cor, mas que eu posso sim incluir meu mundo, meu olhar e meu povo no universo belo que a natureza nos oferece. Esse é o foco da minha fotografia, retratar e ter retratado a beleza de um mundo onde o povo negro está incluído, seja dentro do quadro ou atrás da câmera”, comenta e completa: “Aquelas fotos de calendário podem até ser dos Alpes suíços, vitórias régias gigantes, ou praias paradisíacas, mas serão feitas pelo olhar de quem até então não se via em tais imagens, nem como parte da paisagem, nem como fotógrafo.”
Esplendor do Cine Metro é recriado em documentário brasileiro inovador
4 de Novembro de 2021, 8:15Os áureos tempos dos luxuosos cinemas de rua voltaram à realidade. Pelo menos na realidade virtual. Assim se destaca “Cine Metro: Experiência Imersiva”, filme documental em realidade virtual do diretor Eduardo Calvet, que transporta o espectador diretamente para a sessão de estreia do Cine Metro Passeio, realizada com pompa e sofisticação em 1936, no Centro do Rio de Janeiro. O documentário é inovador, uma vez que não há registro, no mundo, de outro filme documental sobre cinemas antigos produzidos em realidade virtual.
A viagem no tempo percorre o luxuoso palácio de cinema carioca do século XX, construído pela MGM na Rua do Passeio - o primeiro a dispor de ar-condicionado na época - que funcionou até 1964, sendo substituído pelo Metro-Boa Vista, e que foi desativado em 1997.
Com produção da IDEOgraph e apoio do Programa de Pós-Graduação em Mídias Criativas (PPGMC), da UFRJ, depois de percorrer desde abril mostras em Portugal, Suíça, Alemanha, Inglaterra e Colômbia, a produção imersiva de quase 10 minutos foi selecionada para o BIAF, festival internacional de animação na Coreia do Sul. Também participou de festivais na Rússia, Hungria e Porto Rico, fechando a agenda do ano na Inglaterra, em novembro, no Aesthetica Short Film Festival 2021.
A pesquisa realizada pelo diretor Eduardo Calvet baseou-se em uma coleta de vestígios consideravelmente ampla, que incluiu periódicos de grande circulação (Jornal do Brasil, Correio da Manhã, Diário Carioca, Revista Cine Arte), folhetos de programação, livros, artigos, dissertações e teses acadêmicas, sites e também visitas ao edifício que abrigou o cinema. A pesquisa também se baseou em relatos orais, já que boa parte das informações sobre o interior do prédio – como cores e texturas – veio da memória de frequentadores da época.
A partir de fotografias e modelos originais foi possível reconstruir, com muita fidelidade e apuro técnico, a experiência de se frequentar o Cine Metro Passeio dos anos 30: o contraste das fontes na marquise, as formas decorativas do foyer no estilo D. João V, os refinados traços do mobiliário, a proporção volumétrica e curvatura da grande sala de exibição, os detalhes de iluminação, a distribuição da plateia em níveis, a tonalidade das poltronas e a diferença de ruído entre a rua e a poltrona.
Em termos sonoros, o espectador pode ouvir elementos importantes de espacialização com o respectivo cálculo de proximidade e movimento de cabeça do observador: as então inovadoras luzes em neon na parte externa do imponente edifício, o gongo, o som característico dos projetores e os múltiplos elementos de cada ambiente.
As salas de exibição cinematográfica foram os espaços de maior difusão artística e cultural do século XX. De sua origem em 1888 até seu domínio cem anos depois, o cinema evoluiu mobilizando recursos humanos e materiais em proporções inimagináveis ao meio cultural dos anos 1900.
Tão importante quanto o filme projetado era o ambiente físico da exibição: o conforto dos assentos, a plasticidade dos contornos arquitetônicos, o refinamento da decoração, a maciez dos carpetes, o isolamento acústico impecável. Tais requisitos faziam da visita aos cinemas um evento social, uma experiência sensorial que teve seu auge no Brasil no fim dos anos 1930, com espaços como o Cine Metro, conhecidos como “palácios cinematográficos”.
O filme documental de Calvet busca reproduzir, com a máxima fidelidade nos detalhes, a sessão de estreia deste cinema icônico, em 1936, com o filme “O Grande Motim”, com Clark Gable no elenco. Através de trechos de jornais e revistas da época, foram criados os textos de locução, cuja versão em inglês, inclusive, baseou-se em publicações americanas que noticiaram a inauguração do Cine Metro, como os periódicos Variety e Motion Picture Herald, entre outros.
Por conta da escassez de documentos e registros oficiais, a reconstrução tridimensional e todo o cálculo do espaço interno foram formulados a partir de observação das fotos, geometria das imagens, proporção dos elementos dispostos e a planta baixa, conseguindo alcançar um resultado com a configuração original mais provável.
Os espaços reconstituídos foram modelados em altíssima resolução com mais de 25 milhões de polígonos no modelo 3D, somando os quatro ambientes do cinema: área externa, sala de exibição, antessala e sala de projeção – utilizava-se, na época, quatro projetores, no mínimo, para atender às limitações tecnológicas (os filmes vinham em rolos, havia também a necessidade de um projetor reserva e outro para a exibição dos slides dos anúncios e “trailers” prévios de cada exibição).
“Ainda que acontecimentos passados não possam ser revisitados de forma ativa, as ferramentas exploradas em “Cine Metro: Experiência Imersiva” nos transportam para momentos indeléveis da vida social de uma geração: hábitos, costumes e dinâmicas”, comenta Calvet.
Obra de Denise Emmer chega às plataformas digitais
5 de Outubro de 2021, 9:54Denise Emmer: quatro décadas de produção agora nas plataformas digitais |
Há pouco mais de quatro décadas, a poeta, compositora, cantora e instrumentista carioca Denise Emmer conquistou o país com a canção “Alouette”, tema da novela “Pai Herói” (1979), da TV Globo. Tocada em emissoras de rádio de todo o país e lançada no ano seguinte em compacto simples, a canção romântica em francês alcançou a marca de 300 mil cópias vendidas, rendendo um Disco de Ouro e participações na TV, como no programa “Fantástico” (TV Globo).
Nascida em uma família de artistas - seus pais são os escritores Janete Clair e Dias Gomes, e seus irmãos, os músicos Alfredo e Guilherme Dias Gomes -, Denise já despontava precocemente, na adolescência, também na literatura com seu primeiro livro “Geração Estrela” (Paz e Terra, 1976), com prefácio de Moacyr Félix e preparando seu sucessor, “Flor do milênio” (Civilização Brasileira, 1981), com texto de orelha assinado também pelo saudoso poeta.
Naquele momento, Denise Emmer negou-se a trilhar o caminho do sucesso imediato - gravadoras, produtores e empresários insistiam na carreira de intérprete em francês nos moldes de “Alouette” – e decidiu criar identidade própria, tanto na música quanto na literatura, publicando, até hoje, 22 livros e lançando uma discografia robusta que chega às plataformas digitais, assim como o single inédito “Setembro Antigo”.
Os discos “Pelos caminhos da América” (1980) e “Mapa das Horas” (2004) já se encontram nos canais de streaming – até outubro serão lançados ainda seu LP de canções autorais “Canto Lunar” (1983) e o CD "Cinco Movimentos e um Soneto" (1995), com poemas de Ivan Junqueira musicados pela artista.
Além desses, a cantora e instrumentista resgatou um álbum totalmente inédito, gravado em 1992, porém não lançado na época. Musicando seus próprios poemas publicados no livro “Canções de Acender a Noite”, o disco “Cantiga do Verso Avesso”, já disponível nas plataformas, contou com arranjos de Alain Pierre e violoncelo de Jaques Morelenbaum – ambos parceiros constantes em toda a discografia de Denise – além da participação da própria artista na flauta doce, teclado e vocais.
Com forte influência da música renascentista e ibérica, o disco traz letras autorais e uma faixa escrita no português do século XV: “Aquestas manhãnas frias”, cujo instrumental se destacam a viola da gamba, a flauta doce, o alaúde, violões e vocais que remetem a madrigais. “Ao escutá-lo hoje, tive uma grata surpresa por redescobrir, naquele disco, aquelas canções gravadas há quase três décadas, mas que não perderam o valor melódico e poético”, revela Denise.
Destaque também para as faixas “Casa da Infância”, “Cantiga da Estrela Barca”, “Cantiga da Noite Mágica”, “Canção do Inverno”, “Gira Noite” e “Cavaleiro do Rio Seco”, uma homenagem ao compositor e cantor Elomar.
O ímpeto em revisar tantos anos de carreira musical – também integra, desde 2001, como violoncelista, a Orquestra Rio Camerata, bem como quartetos de cordas, trios e outras formações camerísticas – rendeu novos frutos, como o single “Setembro Antigo”, composto a partir do poema de Álvaro A. de Faria. Com a participação dos antigos parceiros Alain Pierre (arranjo, violões, teorba, vocais) e Jaques Morelenbaum (violoncelo), trata-se de uma canção em tom maior, que remete no fim a um grande coro e fala de uma busca por si mesmo. Nas palavras da artista, a música “sugere alguma alegria e esperança em meio a todo esse momento sombrio de tanto desalento e perdas. O setembro como uma metáfora de bonança e jardins, após um grande período de escuridão e descrença.” O single ganhou também versão em videoclipe, já disponível no YouTube, e despertou a artista para novas composições e novos trabalhos.
Atividade sempre desempenhada em paralelo às canções, a literatura rendeu a Denise Emmer muitos prêmios e publicações também em Portugal, traduções na Espanha, Turquia e EUA. Seu quarto livro, “A Equação da Noite” é um divisor especial para a poeta, que fala sobre as grandezas maiores do amor e da morte, como consequência de grandes perdas.
Seu livro “Invenção para uma Velha Musa” (Ed. José Olympio) lhe rendeu dois importantes prêmios: da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) e Olavo Bilac, da Academia Brasileira de Letras. Além desses, ela tem em seu currículo os prêmios José Marti de Literatura (conferido pela Casa Cuba Brasil-Unesco), o Prêmio Nacional de Literatura do Pen Clube do Brasil (Poesia e romance) e o Prêmio ABL de Poesia 2009 com o livro “Lampadário” (Ed. 7Letras), dentre outros.
Serviço
Ouvir o disco “Cantiga do Verso Avesso”:
https://open.spotify.com/album/4fkufMHrxcYsR2YeB6xkh0
Single inédito “Setembro Antigo”:
https://www.youtube.com/watch?v=dbVHtPLoyEs&feature=youtu.be
Ouvir discografia de Denise Emmer:
https://open.spotify.com/artist/7kMQNGEc6170mKXHJB2QOn