Перейти к контенту

Chipa & Café

Full screen Suggest an article

Blog

апреля 3, 2011 21:00 , by Unknown - | No one following this article yet.

Aquí se respira lucha!

марта 20, 2014 12:05, by Chipa & Café

Por Mariana Serafini, publicado no site da UJS e no ComunicaSul

No último sábado (8), a banda porto-riquenha Calle 13 realizou um show da turnê MultiViral no Paraguai. Usando camisetas que questionavam o Massacre de Curuguaty e com um discurso político provocador, Residente Calle 13 deu voz à luta campesina paraguaia que desde as eleições presidenciais em 2013 vinha perdendo espaço na imprensa internacional.

René Pérez cantou o show inteiro com a camiseta "Qué pasó en Curuguaty"

René Pérez cantou o show inteiro com a camiseta “Qué pasó en Curuguaty”

Logo depois do Golpe Parlamentar que depôs o presidente eleito Fernando Lugo em 21 de junho de 2102, o mundo voltou os olhos para o Paraguai, por razões óbvias, um presidente eleito democraticamente foi deposto em um processo que durou menos de 48 horas com apenas duas de defesa. Porém, não demorou muito para o país “voltar ao eixo” democrático, as eleições foram chamadas pelo presidente golpista Federico Franco e o atual presidente eleito, Horácio Cartes teve ampla vitória nas urnas.

Se o país voltou à democracia, não há mais porque os vizinhos interferirem nos processos políticos, e nesse caso, o Massacre de Curuguaty que derrubou 11 bravos campesinos e seis policiais em combate perdeu espaço na imprensa. A questão é que, além das mortes, ainda há 14 pessoas inocentes presas, e quase uma centena vivendo em precárias lonas à beira da estrada, nas margens de onde era o assentamento sem terra. Curuguaty está longe de ser esclarecido. Obviamente esta mudança no cenário aconteceu de forma sutil e aos poucos os militantes de Curuguaty foram se sentindo sozinhos, sem apoio das comissões internacionais que no princípio depositaram esforços na causa.

Uma atitude extremamente corajosa mudou o cenário há quase 30 dias. Cinco dos presos políticos iniciaram uma greve de fome para exigir liberdade, garantia de direito aos povos, soberania e terra. Irredutíveis, eles já deixaram claro que a greve não vai terminar enquanto não houver resposta. As famílias estão em vigília na principal praça de Assunção, capital paraguaia, e os movimentos sociais estão mobilizados. A iniciativa fez com que a luta ganhasse corpo e agilidade novamente porque a Justiça paraguaia vem travando o processo há dois anos e criando condições para que os presos políticos sejam condenados sem provas pela morte dos seis policiais, um crime que nitidamente eles não cometeram.

Há uma investigação paralela, feita pela Coordenadoria de Direitos Humanos do Paraguay (Codehupy), que prova: nenhuma arma dos campesinos foi disparada durante o massacre que durou cerca de seis horas. Todos os seis policiais foram mortos com tiros certeiros na cabeça, ou com balas de alto calibre capazes de transpassar o colete de proteção. A história está nitidamente mal contada pela Justiça, confirmada pelo Estado e veiculada pela imprensa.

Os cinco presos políticos de Curuguaty em greve de fome

Os cinco presos políticos de Curuguaty em greve de fome

Diante disso, os militantes que lutam por Curuguaty aproveitaram a presença da banda Calle 13 no país para dar voz à luta campesina. É sabido do comprometimento dos irmãos Residente, Visitante e PG 13 com as causas sociais latino-americanas. Um vídeo foi produzido em Marina Kue (que significa “Pertenceu à Marinha”, em guarani), assentamento sem terra onde aconteceu o massacre no município de Curuguaty, com a participação de familiares das vítimas e militantes sociais do Paraguai. Eles pediam que a banda fosse solidária com a causa e desse voz ao povo que há muito foi esquecido pelo Estado.

Usaram a mesma tática da banda de “infiltrar” informações nas redes sociais, com as hashtags #MultiViral e #Curuguaty conseguiram atingir o objetivo. Poucos dias antes de chegar ao Paraguai, René Pérez (o Residente) postou o vídeo em sua conta oficial no Twitter e aceitou o pedido de fazer o show usando camisetas com a frase “Calle 13 pregunta: Que Pasó em Curuguaty” (Calle 13 pergunta: “O que aconteceu em Curuguaty”).

De repente a luta ganha outra dimensão, a banda entra no palco no sábado a noite usando as camisetas e faz um show com cunho político comprometido. René fala sobre a violência em toda a América Latina, lamenta a morte de amigos de infância e pede um esclarecimento sobre o que aconteceu em Curuguaty. No dia seguinte isso era capa nos jornais e foi amplamente divulgado nas redes sociais: “Calle 13: Energia e protesto social”, dizia o ABC Color e “Calle 13 no Paraguai: o show da revolução”, estampou o Última Hora, os dois maiores diários do país. É como se a Calle 13 fosse o megafone que as vítimas de Curuguaty tiveram acesso para dar um único grito. Não falharam.

Na segunda-feira, logo pela manhã, a comissão responsável por Curuguaty – composta por familiares das vítimas, políticos e militantes sociais –  se reuniu com o presidente da Corte Suprema de Justiça do Paraguai, Raúl Torres Kirmser. Ele se comprometeu em dar agilidade ao processo dos presos políticos devido à urgência da questão. Afirmou que o Estado é responsável pela vida dos cinco presos em greve de fome porque estão sob custódia e anunciou que seriam transferidos do precário presídio de Tacumbú para um hospital, porque já estão com a saúde debilitada demais.

Novamente a luta entrou em evidência na imprensa. Mas a promessa não foi cumprida. Em situações precárias, dentro de um presídio sujo e sem condições mínimas de vida humana, os cinco presos políticos resistem sem ingerir nenhum tipo de alimento. Estão com a saúde debilitada, o desespero tomou conta das famílias e o Estado continua omisso. Calle 13 já foi embora, mas gritou antes de sair: “aquí se respira lucha!” e o público respondeu em coro “aquí estamos de pié!”.

Este espaço se dispõe a ser uma trincheira da luta de Curuguaty, e de todos os povos latino-americanos que buscam justiça, soberania e integração. Como diz Calle 13 em “MultiViral”: “Se a imprensa não fala, nós damos os detalhes”, não sei usar spray nos muros, minhas palavras são disparadas de outra forma e cada um tem um meio de fazer isso, nem que seja apenas contando essa história para um amigo, compartilhando no Facbook, no Twitter. De um em um, chegamos a milhares, mas em breve seremos milhões. Curuguaty resiste e não se cala. Amanhã serão 30 dias de greve de fome.

Este vídeo foi produzido em Marina Kue, a terra mais fértil que já pisei, e um dos céus mais azuis que já vi:

Calle 13 fala sobre Curuguaty:



O Paraguai, a greve de fome e a reforma agrária

марта 16, 2014 16:18, by Chipa & Café

Por Mariana Serafini

A juventude paraguaia enfrenta, desde o Golpe Parlamentar em 21 de junho de 2012, um árduo processo de resistência política no país irmão que vai da cidade ao campo com a mesma força. É função do Brasil, neste momento, declarar seu apoio ao povo que está dando o sangue, literalmente, pela reforma agrária, a integração latino-americana e o socialismo.

20140316-161727.jpg

Não, não é exagero, o processo político que vive o Paraguai, tão negligenciado pela imprensa brasileira, é de uma peculiaridade única e merece nossa atenção por um motivo muito simples, o internacioalismo proletário começa agora.

Desde o Golpe Parlamentar, quando o presidente eleito democraticamente, Fernando Lugo, foi deposto, o país vive uma crise política. As eleições presidenciais realizadas em 2013, onde o presidente Horácio Cartes tomou posse, e o golpe foi legitimado, não aliviaram o lado de quem luta pela soberania da Pátria Guarani.

É importante lembrar porém – porque infelizmente o episódio não ganhou no Brasil a notoriedade que deveria – o que levou o Paraguai a um golpe de Estado. Uma semana antes da deposição do presidente houve um massacre em um assentamento de trabalhadores e trabalhadoras rurais sem terra. Conhecido com o Massacre de Curuguaty, o saldo desta triste história são seis campesinos e 11 policiais mortos além de 14 presos políticos, injustamente acusados de crimes que não cometeram.

É nesse ponto que entramos nós, os brasileiros. Nosso apoio é de extrema importância neste momento. Desde o massacre, no dia 15 de junho de 2012, as famílias resistem ao poder dos latifundiários que dominam o país e continuam vivendo às margens de Marina Kue, terreno onde tudo se passou, no município de Curuguaty. As famílias vivem à margem da estrada, em precárias barracas de lona, e constantemente são ameaçadas pelos grandes produtores locais apoiados pela justiça da região.

Desde então também, estão presos os agricultores acusados pelo massacre, porque a versão oficial é que os 300 policiais que invadiram o assentamento, apoiados por um grupo tático de atiradores de elite em helicópteros, sofreram uma emboscada a pau e pedra dos perigosos agricultores e suas famílias. Sim, essa versão foi aceita e vendida com facilidade pelo governo corrupto e pela mídia aliada.

Quanto estive em Marina Kue e conheci a resistência campesina, não tive dúvidas de que os motivos que os leva a continuar ali são mais que dignos, são um exemplo para todo o povo latino-americano. Um camponês me disse que estão lutando pelo socialismo, por mais distante que isso possa parecer. “Nós estamos aqui vivendo com dificuldades, mas a reforma agrária é fundamental para a integração da América Latina, e só assim nós vamos alcançar o socialismo e ter uma pátria grande, mãe de todos os povos”. Nesse dia, o que ele tinha para comer era uma pequena porção de mandioca e macarrão, que tínhamos levado. Não tenho a mínima ideia de como seria o dia seguinte.

Mais tarde, visitei os presos políticos, acusados pela morte dos seis policias durante o massacre. Eles estão atualmente em um presídio na região metropolitana de Assunção, capital do país, cuja realidade é parecidíssima com a do sistema carcerário brasileiro. O prédio suporta o dobro da sua capacidade e as condições de vida são muito além de precárias, desumanas. Não são considerados presos políticos, e sim tratados como assassinos cruéis, que com pedras e foices mataram seis bravos policias (todos mortos com tiros certeiros ou na cabeça, ou com munição capaz de perfurar o colete de proteção). Obviamente os camponeses não tinham recursos para tal feito.

Presos há quase dois anos sem provas, eles ainda não foram a julgamento, e quando isso acontecer certamente serão condenados por um crime que não cometeram. Ao conversar com um dos líderes de Curuguaty, Rubem Vilalba, ele deixou clara a intenção da luta dos campesinos comprometidos com a libertação dos povos do mundo. “Eu provavelmente serei condenado por esse crime que não cometi, mas sei que estou defendendo a liberdade do povo do meu país porque grande parte dos meus heróis passaram boa parde da vida presos, e isso pra mim é uma escola, nós não nos sentimos presos porque lá fora tem gente lutando pelos nossos ideais”.

Isso me acompanha ainda hoje, liberdade é não estar só. Eles estão atrás das grades, mas o sistema corrompido jamais poderá prender os ideais de um povo que luta.

Faz uma semana que esses presos políticos declararam greve de fome. Ou seja, a questão é mais urgente do que parece. Em carta aberta, os presos políticos de Curuguaty declaram que a greve só terminará quando as terras de Marina Kue forem devolvidas ao povo, a quem sempre teve direito. A terra pertence a quem nela produz. Tenho a ousadia de dizer em guarani: “Marina Kue, pueblo mba’e”, que em tradução livre significa Marina Kue pertence ao povo. Isso vai muito além de uma palavra de ordem. Marina Kue pueblo mba’e é a resistência latino-americana, é a busca mais plena pela liberdade dos povos da pátria grande.

Esses agricultores paraguaios que tanto resistem precisam do nosso apoio, o sangue guarani corre nas veias abertas do lado de cá também. Jovens, mulheres, crianças e idosos estão em Curuguaty sendo massacrados pelo latifúndio, enquanto seus familiares estão atrás das grades em greve de fome para exigir um Paraguai digno. Todo apoio neste momento é fundamental porque pressiona o Ministério Público, a Justiça e o Governo Paraguaios. E como disse o bravo Rubem Vilalba, “há lá fora quem lute pelos nossos ideais”. Sim, Rubem, há! E para além da fronteira isso ganha outro peso.



Quem invadiu Marina Kue?

февраля 9, 2014 12:25, by Chipa & Café

 Por Hugo Valiente*

 Invasão, território campesino e a tradição dos oprimidos 

A recente imputação e ordem de detenção contra Martina Paredes, Mariano Castro e Darío Acosta, familiares das vítimas campesinas do Massacre de Marina Kue, por terem realizado uma plantação simbólica nas terras, nos devolve a pergunta que até agora o sistema judicial paraguaio se nega a responder: De quem é a terra?

Identificando o invasor

Os Riquelme, ou sua empresa Campos Morumbi, carecem de direitos sobre essas terras, incluso sob a generosa sombra do Código Civil paraguaio. Não se trata de um título falso. Diretamente não há tal título. Se a lei se aplicasse por igual, os Riquelme e seus seguidores da diretoria de Campos Morumbi deveriam ser os primeiros imputados.

O processo judicial fraudulento pelo qual tentaram adonar-se lhes saiu mal, porque não há crime perfeito. Na zona de Canindeyú escutei um agricultor dizer que se compra um juiz por um quilo de biscoito e um fiscal por um de erva daninha. Impossível não imaginarmos a certo juiz passando a retirar seu quilo de biscoito creditado pelo dono do supermercado. O caso segue pendente de resolução por parte da Corte Suprema de Justiça, instância que não emitiu até agora as demandas apresentadas pelo Estado para anular a fraude dos juízes de Curuguaty.

DSC_0511

A nova imputação não significa que haja um resultado até agora. No mais, é o rangir da velha máquina repressiva que novamente começou a andar. Marina Kue é um caso excepcional e sem precedentes em muitos sentidos que o fazem singular. Mas, sendo como é, uma soma de todas as injustiças que se abatem sobre os campesinos, é às vezes um caso igual a todos: Nakunday, Marakana, Laterza Kue, Tkojoja, Tapirakuãi Lóma, Crecencio González, Hugua Ñandu, María la Esperanza, Arroyito, Luz Bella e mais um tanto. Marina Kue é outra comunidade campesina atacada no marco de um plano sistemático que busca desalojar a todas para apropriar-se de seus territórios. Todo um processo reorganiador da sociedade que implica desocupar o campo de população campesina para deixar o interior vazio, cheio de cultivos transgênicos mecanizados e gado. Em um país onde há vinte anos mais da metade da população era rural.

Criminalização e controle social

Definir que conduta é um delito é uma decisão política. Definir a quem se persegue também. Em países antidemocráticos as leis penais são uma expressão dos interesses que a classe dominante protege mediante a aparência de legitimidade pública. Até 1997, por exemplo, fechar uma rua como forma de protesto não era passível de pena. Desde 2010 essa conduta pode ser penalizada como terrorismo: 30 anos de prisão. A invasão de imóel que até 1997 se sansionava com uma pena mínima que se substituía por multa. Claramente não foi suficiente, o Código Penal novo a sancionou como pena de prisão de até dois anos. Como seguiu sendo insuficiente, desde 2009 a pena pode ser de até cinco anos.

Estas inovações geraram níveis de processamento penal de campesinos e campesinas sem precedentes em todo o período anterior. Não há dados continuos, mas um trabalho publicado pela ONG Base Is nos dá uma mostra importante: entre agosto de 2008 e dezembro de 2009, 22 fiscais de zonas rurais deteram 1050 campesinos acusando-os de invasão e por outros delitos detiveram a 333. A fiscal Lilian Ruiz encabeça o ranking de detenções (223), e seu colega Troadio Galeano leva o recorde de imputações (102).

A ideia, sem dúvida, não é manter as pessoas presas, possibilidade de que todo modo está latente. Quase nenhum caso chega a julgamento. O processo penal se justifica pelo processo em si mesmo, não pela condenação. Se trata de ter a maior quantidade possível de militantes sociais sujeitos às medidas de controle estatal repressivo que entopem as prisões. E pode ser até por quatro anos, tempo que dura um processo penal sem resultados. É uma estratégia de repressão de baixo custo, funcional ao plano de desalojar comunidades.

Um caso que me coube acompanhar, os 19 campesinos imputados baixo à acusação de invasão por Ninfa Aguilar, – que casualidade onde voltamos a encontrar a fiscal do Massacre de Marina Kue! – suportaram medidas alternativas de prisão que, entre outras, incluíam a “proibição de reunir-se, associar-se ou formar parte de qualquer núcleo cujo objetivo seja incitar, instigar a violaçao ou a quebra da propriedade privada”. Em outro caso, onde me coube ser advogado, a condenação de dois anos por invasão foi suspensa com a condição de uma prisão domiciliar e que o dirigente camponês cumpriria a “proibição de assistir a reuniões onde se aglutinassem mais de três pessoas”.

Provado seu êxito no campo, a estratégia começa a ser ensaiada na cidade: os casos dos sindicalistas da ANDE e a marcha contra a Lei de Aliança Público Privada, de Alejandro Ríos de Bañado e dos quatro imputados da marcha contra o aumento da passagem de 3 de janeiro, antecipam que o dispositivo está mudando.

Quando sancionarem a lei dos grilhões eletrônicos (que já esta em aprovação na Câmara de Deputados), saberão onde estão e aonde vão os imputados, a que horas saem de suas casas e com quem se reúnem, se caso se juntam entre várias pessoas que tenham os grilhões.

Um país em que as prioridades públicas se definem desde uma posição de privilégio não é uma democracia, é uma ditadura. Também não é uma democracia um país onde o dispositivo de seu desenho institucional, previsto para proteger os direitos das pessoas, é o que se encarrega de violá-los. A experiência campesina, seja Marina Kue, Tacuati Poty ou qualquer outra, não deve nos fazer acreditar que “a tradição dos oprimidos que nos ensina que o estado de exceção em que vivemos é a regra” (Walter Benjamin). Um passo básico para redefinir nossa posição de luta, o sentido da participação eleitoral e a lógica de apoio mútuo que deve presidir nossas alianças.

*Hugo Valiente é advogado especializado em Direitos Humanos. Foi coordenador da equipe de investigação do Informe de Direitos Humanos sobre o caso Marina Kue, publicado em dezembro de 2012 pela Coordenadoria de Direitos Humanos no Paraguai (Codehupy)

Artigo publicado originalmente no portal Qué Pasó en Curuguaty.



Quanto vale 400 guaranis?

января 4, 2014 2:27, by Chipa & Café

Uma vez eu vi o jornalista Ignacio Ramonet dizer que não é a internet o que leva milhões de pessoas às ruas na sociedade contemporânea. É a indignação que elas sentem por um acúmulo de opressão. Vi minhas timelines do facebook e twitter estourarem de fotos e mensagens de amigos paraguaios com denúncias de uma repressão policial absurda durante uma manifestação pacífica nos primeiros dias desse 2014. Começou com 3, 4, quando vi já eram 16 presos, mais um incontável número de manifestantes gravemente feridos. A pauta, como recentemente no Brasil, o preço abusivo da passagem de ônibus.

O que levou milhares de paraguaios às ruas não foram os 400 guaranis que vai aumentar na passagem do transporte coletivo humilhante, desestruturado e monopolizado. Eles estavam lá por uma soma de fatores, a falta de escrúpulos do poder público ao aceitar o aumento proposto pelas empresas administradoras do transporte público foi só a gota d´água para uma sociedade cansada de ser humilhada estourar e ser recebida com a calvaria.

A polícia, a serviço de um Estado corrupto, agrediu com selvageria os manifestantes, muitos deles, amigos meus. É só o reflexo de um país injusto e omisso com seu povo. Por mais de 60 anos o Paraguai foi governado pelo partido Colorado. Em 2008 a Aliança Patriótica para a Mudança, encabeçada pelo ex-presidente Fernando Lugo, apenas tirou o país do trilho por um curto prazo. Tentou mudar a locomotiva para o lado da justiça social, da garantia dos direitos humanos e da segurança de direitos inalienáveis. Justamente por isso, levou um golpe.

Não foi Lugo quem levou um golpe, foi o povo paraguaio. Foi a América Latina, o projeto da esquerda progressista, o sonho de um continente unido e soberano. Todos levamos um golpe. O presidente deposto deu lugar ao golpista Liberal Federico Franco, que facilmente abriu as portas, já pelo caminho da legalidade, ao retorno do Partido Colorado.

Apenas quatro anos distante da presidência, não do poder, tempo suficiente para os colorados voltarem com uma cara nova. Ou melhor, “a cara da nova política”. Horácio Cartes tem absolutamente todas as características do político contemporâneo que a direita têm investido. Empresário bem sucedido (o que não significa ter enriquecido por meios lícitos), jovem, envolvido com esportes – para deixar a imagem mais simpática.

A vitória avassaladora de Cartes levou milhares de paraguaios às ruas, ao contrário do que pareceria óbvio, para comemorar. De repente um mar vermelho toma conta da capital Assunção, e percebo que as coisas por ali são tão invertidas ao ponto de que ver gente vestindo vermelho em dia de eleição não significar revolução, nem comunismo, muito menos progresso. Vermelho no Paraguai é a cor do conservadorismo.

Mas o que levou tantos paraguaios, depois de 60 anos de opressão, caírem novamente na conversa do Novo Rumo? O velho, o mais puro reacionário com cara de bom moço. Foi dessa forma, com cara de bom moço, que projeto Horácio Cartes foi vendido. Sim, vendido. E os paraguaios receberam dinheiro o suficiente para comprá-lo. Nas eleições presidenciais de 2013 foi registrada uma das maiores compras de votos dos últimos tempos no país.

E não nos cabe julgar o ignorante que vende seu voto. Se o é, é por culpa de uma política de Estado cujo interesse é manter a sociedade assim, bitolada e rasa. Quanto mais as necessidades básicas forem de suma prioridade, menos o debate político tomará conta dos ônibus (caros e ruins), das praças, dos bares, das escolas e até mesmo das faculdades. O Paraguai é um dos maiores produtores agrícolas da América Latina, principal economia do país, e ainda assim, conta com 80% da população em situação de pobreza, destes, 30% são miseráveis. Como julgar um faminto por vender seu voto? Vender algo que pra ele, nunca teve valor, apenas preço.

Mas não foi preciso nem cem dias de governo, para até o mais ignorante e necessitado, perceber não ter feito um bom negócio. O novo rumo chegou destruindo comunidades inteiras de camponeses no norte do país – onde já há cidades em Estado de Exceção –, violando os direitos humanos, oprimindo jovens manifestantes nas ruas e articulando um grandioso esquema de centralização de poder.

Eu mesma atravessei a fronteira e fui, ao lado dos irmãos paraguaios, lutar contra a aprovação da Lei que aumenta consideravelmente o poder de decisão do presidente. Aprovada foi, mas a luta nunca será em vão. A rua é o lugar do povo. Quase 100 mil paraguaios unidos em uma só voz com o lema “APP NO” (não à Lei de Aliança Público Privada), não foi o suficiente para o senado ouvir o clamor popular. Talvez até tenha sido, porque há rumores de voltar atrás com a decisão. Tarde.

A lei já está aprovada, e o gabinete presidencial desenvolve peças publicitárias de apresentação do país de vento em popa. O slogan é “Paraguai fácil”. O país onde a energia é barata, a mão de obra de fácil exploração, os minerais e recurso naturais carecem de fiscalização para serem usufruídos e as mulheres além de lindas, são fáceis. Esse é o discurso do presidente Horácio Cartes. Me vejo no século 19 quando ele começa sua conversa obsoleta com ares de modernização. Em pouco tempo anunciará chuveiro a gás e automóvel.

Isso nos faz entender porque as pessoas foram às ruas protestar pelo preço da passagem de ônibus. Porque os 400 guaranis são a violação dos direitos humanos, são a abertura do país ao poder privado, a declaração do Estado de Exceção, as mortes seletivas de líderes campesinos, os presos políticos abanados à própria sorte, a lei de entrega dos bens públicos, a centralização do poder ao executivo, a compra de votos, a corrupção desenfreada. Os 400 guaranis são um Paraguai cansado.

Por Mariana Serafini



Canese: “Paraguai poderá dificultar integração latino-americana”

октября 30, 2013 13:37, by Chipa & Café

Mariana Serafini, publicada no Portal Vermelho e na Red de Comunicadores del Mercosur

Na segunda-feira (28) a lei de Aliança Público Privada foi aprovada pelo senado paraguaio mesmo com o protesto de milhares de pessoas. Esta medida é apenas uma das quatro leis propostas pelo presidente Horácio Cartes para ampliar seu poder político. 

A APP prevê a entrega dos patrimônios do Estado para o capital privado através de alianças de concessão que podem durar até 40 anos e centraliza a autoridade para a tomada decisões no Executivo, excluindo a participação de outros poderes.

As outras três são a Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei de Militarização a Lei de Proteção às Intervenções Estrangeiras. A Responsabilidade Fiscal prevê o congelamento de salários públicos além de aumentar o imposto de trabalhadores e reduzir de empresários. Já o texto relacionado à Militarização permite intervenções militares em situações “de risco” definidas pelo presidente. Quanto à Lei de Proteção à Intervenção Estrangeira, Canese alerta que o texto ainda é desconhecido.
O deputado Ricardo Canese, Secretário de Relações Internacionais da Frente Guasu, principal oposição ao governo Cartes no país, conversou com o Portal Vermelho e explicou os impactos que essas atitudes podem causar ao Paraguai e à América Latina, principalmente ao Mercosul. Ele afirma que o presidente iniciou a implantação do neoliberalismo em seu estágio mais radical e essa medida pode trazer consequências devastadoras ao país.

Portal Vermelho: Agora que a Aliança Público Privada foi aprovada, o que representa em termos econômicos e sociais para o Paraguai?
Ricardo Canese: Esta é uma medida terrível. Em termos políticos é a oportunidade de entregar a soberania do país. Esta lei permite que todos os recursos sejam “vendidos”, menos o ar, de resto, tudo. Os rios, a água potável, sistema elétrico, escolas, caminhos, aeroportos, distribuição energética, penitenciárias, tudo. Tudo que estiver sob a competência do Estado está disponível. É ainda pior que uma privatização, porque com a privatização o Estado recebe dinheiro em troca, mas nesse sistema de aliança, o Estado entrega seus recursos para as empresas por 30, 40 anos sem ganhar nada em troca. Além disso, os impostos serão hipotecados para que os empresários possam lucrar ainda mais. A lei centraliza o poder nas mãos do Cartes, agora ele é a única pessoa que pode dominar sem nenhum controle.

Qual será o impacto para a soberania do país?
Toda a soberania está em jogo também. Todos os nossos recursos naturais, minerais, o Aquífero Guarani, tudo está sujeito a essa modalidade que o Congresso não pode intervir. Antes, para tomar alguma decisão o presidente precisava consultar o Poder Legislativo, agora, até para entregar os recursos minerais ele não precisa mais, a liberação já está prevista. Até mesmo a produção de energia de Itaipu, o que diz respeito ao lado paraguaio está sob essa modalidade de administração.

Como os parlamentares da Frente Guasu vão atuar para amenizar o impacto desta medida?
A Frente Guasu criou uma Coordenadoria Democrática que está presente em todo o país. As mobilizações que aconteceram ontem [segunda-feira 28] levaram mais de cem mil pessoas às ruas, foram mais de 70 pontos de mobilização. Em Ciudad del Este fecharam a ponte, aqui em Assunção a resistência foi muito grande, em todo o país as pessoas se mobilizaram. Esses movimentos vão continuar através da Coordenadoria Democrática. Já estamos organizando novas manifestações. Porque ao contrário do Governo Cartes que não é democrático, a nossa coordenadoria é democrática. O Cartes se tornou uma espécie de Luiz XIV [conhecido como O Rei do Sol, o maior dos reis absolutistas da França], ‘o Estado sou eu’. Ele vai negociar os bens do Estado com suas próprias empresas, e com empresas de seus amigos.

E como será a atuação da Frente Guasu junto aos movimentos sociais? Qual será a estratégia de resistência? 
Com a Coordenadoria Democrática vamos manter as mobilizações nas ruas, não só manter, mas elas vão crescer, com certeza vão crescer. Nós vamos exigir que esta lei seja revogada, ou pelo menos suspensa, através da via mais rápida. Seja pelo Congresso, ou por meio de um plebiscito, vamos propor soluções. Mas a Frente Guasu não vai deixar que Cartes siga com essa liberdade de tratar o Paraguai como se fosse sua própria indústria privada.

Recentemente o presidente aprovou leis para aumentar o próprio poder político e econômico. O que ele pretende com estas leis e quais são os impactos delas para a vida dos paraguaios?
Ele pretende que os ricos sejam mais ricos, que o Estados Unidos impere e que o Paraguai se torne um empecilho para a integração progressista da América Latina. Agora, por lei, todos os serviços públicos já estão limitados para os pobres. Porque além da Aliança Público Privada, Cartes criou a lei de Responsabilidade Fiscal e a lei de Militarização que já foram aprovadas. Ele defende a militarização para combater o EPP [Exército do Povo Paraguaio], mas sabemos que o EPP não é um grupo revolucionário e sim um grupo ligado ao narcotráfico que está mais sendo usado para justificar as ações militarizadas do Cartes do que para qualquer outra coisa. E agora ele está preparando uma 4ª lei que protege o capital estrangeiro para impedir que os governos futuros possam questionar esse sistema implantado por ele. Essa lei vai proteger o capital estrangeiro, ou seja, as empresas amigas dele. Sabemos que Cartes foi o grande articulador do Golpe de Estado [Golpe Parlamentar que depôs o presidente eleito democraticamente Fernando Lugo em 2012], e fez isso para implantar essa política que permite vender o país. Ele foi quem financiou todo o Golpe de Estado e usou os Liberais que tinham a sede pela presidência, assim como foram usados agora para aprovar essas leis.

Sendo assim, vendo de fora parece que o Paraguai está prestes a se tornar uma grande colônia ianque. 
Isso mesmo, os Estados Unidos estão entrando no Paraguai para dificultar o processo de integração da América Latina, como aconteceu no Chile de Pinochet. Cartes está implantando um neoliberalismo radical que vai atrapalhar a integração progressista principalmente do Mercosul. Ainda não sabemos se vai de fato reintegrar ao Mercosul, mas se o fizer não será para somar e sim para prejudicar a integração.