Prêmio Nobel e o Complexo de Vira-latas
21 de Julho de 2014, 9:29 - sem comentários aindaPrêmio Nobel e o Complexo de Vira-latas
Ronaldo, o fenômeno, ex-craque da seleção, que estava com vergonha do Brasil na Copa do Mundo, criticou mais o Brasil em sua conta na rede social postando uma foto em que aparece um placar : “Alemanha 102 x 0 Brasil” em alusão aos prêmios Nobel recebidos pelo país. Na imagem ainda exibe a pergunta: “E você acha que 7 x 1 foi goleada?”. Muitos brasileiros, como Ronaldo, exibem seu complexo de vira-latas, sentindo-se envergonhados por que o Brasil nunca ganhou um Prêmio Nobel. E a postagem de Ronaldo não foi bem vista por seus seguidores. Diversos deles criticaram o ex-jogador e também ironizaram suas declarações.
A questão no entanto é mais profunda - na verdade é uma questão de desenvolvimento econômico e social. Países mais desenvolvidos, basearam seu próprio desenvolvimento econômico em pesquisas científicas. Estes avanços científicos os colocaram na frente da corrida industrial. Os países subdesenvolvidos sempre estiveram à margem desta corrida devido ao comércio internacional que os impediam de avançar, colocando-os sempre como fornecedores de matérias primas. Devido a este processo os países do Primeiro Mundo receberam quase todos os prêmios Nobel, restando muito pouco aos países do Terceiro Mundo. Enquanto os EUA receberam 347 prêmios, o Reino Unido ganhou 120, a Alemanha 104, França 65, Suécia 30, Rússia 27, Suíça 26, Canadá 23, Áustria 22, Itália 20, Japão 20, Austrália 13, Polônia 15, Dinamarca 14, China 9. A América Latina recebeu 19 (Argentina 5, México 3, Chile 2, Colômbia/Costa Rica/Peru/Venezuela 1), a África 16 e a Oceania 16.
Criado pelo milionário sueco Alfred Nobel (1833-1896) para evitar que seu nome fosse lembrado somente pela invenção da dinamite, desde 1901, a Academia de Ciências Sueca escolhe seus preferidos, causando um rebuliço digno de final de Copa do Mundo. A academia só não divulga como. O processo de escolha é secreto e recebe indicações. Poucos sabem que o Brasil já esteve muito perto de ganhar o Prêmio Nobel, por diversas vezes. Vamos enumerar os casos mais famosos:
1) Santos Dumont foi uma possibilidade, mas os irmãos Wright tinham a preferência dos países do Norte;
2) o brasileiro Cândido Rondon foi indicado por Albert Einstein;
3) Carlos Chagas (1878-1934) chegou pertíssimo, foi indicado 4 vezes. A Real Academia Sueca de Ciências procurou organismos científicos no Brasil, em busca de mais dados sobre a personalidade e a obra do cientista. Aparentemente, o prêmio estava reservado para Chagas, mas o instituto sueco recebeu a informação que a doença era falsa. Curiosamente, a principal oposição à indicação de Chagas não vinha da comissão do Nobel, mas de alguns de seus compatriotas do Instituto de Patologia Experimental de Manguinhos (hoje, Fundação Oswaldo Cruz) e da Academia Nacional de Medicina, ao ponto de se negar a existência da doença e de se levantar dúvidas sobre a seriedade do trabalho de Chagas. Essas desavenças chegaram aos ouvidos da comissão do Nobel, que, por via das dúvidas, deixou o ano de 1921 sem a premiação da área para a qual Chagas estava indicado;
4) O alagoano Jorge de Lima (1893-1953) chegou perto,foi um talento reconhecido em 1947 por um olheiro do Nobel. Impressionado com a obra do poeta, Artur Lunkvist convenceu a academia a dar o Nobel de Literatura a ele no ano de 1958, já que havia uma lista de autores para ganhar antes. Infelizmente, Jorge morreu em 1953. E o Nobel só premia vivos;
5) O bioquímico carioca Maurício Rocha e Silva (1910-1983) descobriu a bradicinina, substância importante para a controle da pressão arterial, em pesquisa com o veneno da cobra jararaca;
6) O bioquímico paulista Sérgio Henrique Ferreira (1934-) continuou o trabalho de Rocha e Silva ajudando na criação de drogas a partir da bradicinina. Fez parceria com o britânico John Vane, que levou o Nobel de Medicina em 1982, sozinho;
7) Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) não queria saber do jogo. Quando, em 1967, seu tradutor para o sueco pediu todas as suas traduções disponíveis, ele não quis colaborar, disse que o merecedor era Jorge Amado;
8) O baiano Jorge Amado (1912-2001) ofereceu perigo de gol até os últimos minutos do segundo tempo. Mas acabou partindo antes que o prêmio chegasse. O momento em que esteve mais próximo do Nobel de Literatura foi em 1967, logo após o sucesso de Dona Flor e seus Dois Maridos. Nesse ano, perdeu para o guatemalteco Miguel Angel Astúrias;
9) Celso Furtado (1920-2004) paraibense, também chegou a ser cogitado, mas parece que a cartolagem preferia economistas matemáticos. Grande economista de fama mundial, representante do “estruturalismo”, o seu estudo mais importante trata-se do desenvolvimento econômico e seus problemas. Este prêmio foi atribuído em 1998 ao economista bengali Omortia Sem;
10) O mais espantoso é que um brasileiro nato já ganhou um prêmio Nobel. Peter Brian Medawar, Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia em 1960, era brasileiro, nascido no hospital Santa Tereza, em Petrópolis, onde viveu até os 14 anos de idade antes de mudar para a Inglaterra e se naturalizar. Com justiça, os britânicos o arrolam como um Nobel inglês. Entusiasta da pesquisa científica, nos anos trinta queria continuar a investigar sem renunciar à sua nacionalidade brasileira. Para isto solicitou do governo brasileiro que o isentasse de fazer o serviço militar obrigatório. O governo recusou-lhe tal isenção, assinando o escrito de recusa o ministro Salgado Filho. E este grande investigador, que trabalhara com Fleming, de pai libanês, brasileiro de nascimento e com estudos primários e secundários no Brasil, a quem se deve a importantíssima teoria da “Tolerância Imunológica Adquirida”, vital para que hoje possamos, por exemplo, fazer transplantes de órgãos, não teve outro remédio, para poder continuar a pesquisar, senão solicitar a nacionalidade britânica;
11) Cesar Lattes (1924-2005) foi injustiçado em 1950 por não ter ganho o prêmio de Física. O brasileiro comprovou experimentalmente a existência da partícula subatômica méson pi e quem levou o prêmio foi o britânico Cecil Powell, que ajudou na redação do estudo.César Lattes tinha apenas 22 anos quando publicou, em 1947, na revista Nature, a descoberta do méson pi. O artigo era assinado por Lattes, Occhialini (Giuseppe Occhialini, físico italiano) e Powell (Ceci Powell, chefe da equipe de pesquisadores da Universidade de Bristol, Inglaterra). Powell recebeu o prêmio e sua equipe nem foi citada. Powell trabalhava para Lattes que liderava e desenvolvia a pesquisa. Lattes disse: "Eu fiz a experimentação e as medidas. Ele apenas ajudou a redigir, porque possuía maior domínio da língua inglesa.”. Contudo, em 1949, o japonês que propôs a partícula ganhou o Nobel, e em 1950 Cecil Powell que trabalhava para Lattes ganhou o Nobel pela pesquisa liderada e desenvolvida por Lattes. Até hoje isso contínua sendo um grande mistério para a comunidade científica. Um dos prêmios mais injustos até hoje;
12) Dom Hélder Câmara - foi autor de um dos maiores programas sociais do Nordeste nas décadas de 1960 e 1970, o Operação Esperança. Em 1970, reuniu mais de 20 mil pessoas em Paris para denunciar torturas no Brasil. Por suas obras, foi indicado ao Nobel da Paz de 1970 a 1973. Era favorito absoluto nas quatro vezes, mas nunca ganhou por causa de pressões do governo brasileiro na época. Dizem que o próprio Médici instruiu os embaixadores brasileiros na Suécia e na Noruega que impedissem o prêmio para o "bispo comunista". O que muitos desconfiavam foi confirmado no livro Dom Hélder Câmara - Entre o Poder e a Profecia, de Nélson Pilitti e Wálter Praxedes. Os autores revelam que uma campanha afastou, entre os anos 70 a 73, o arcebispo do Nobel da Paz. Estão no livro documentos provando que o Governo Garrastazu Médici (1969-74) moveu, por meio da embaixada brasileira em Oslo (Noruega), uma campanha secreta contra a eleição do arcebispo. "Nunca soube do fato", garantiu dom Hélder, quando o livro foi lançado. Os autores mostram trechos de telegramas enviados ao Ministério das Relações Exteriores pelo embaixador do Brasil na Noruega, Jaime de Souza Gomes, em que ele presta contas de sua ação pelo discreto esvaziamento da candidatura de dom Hélder ao prêmio;
13) O químico Otto Gottlieb (1920-2011) foi proposto nos anos 1998,1999 e 2000 para receber este prêmio. Tinha elaborado um interessante índice para medir a biodiversidade dos ecossistemas da Floresta Amazônica e da Mata Atlântica. Escreveu mais de 700 artigos científicos e foi um investigador de verdadeira categoria ;
14) Miguel Nicolelis, neurocientista brasileiro, o único brasileiro hoje em dia em condições de ganhar o Nobel, tem 52 anos, é médico com doutorado pela Universidade de São Paulo, pós-doutorado no Hospital Universitário Hahnemann (EUA) e há duas décadas é professor na Universidade Duke (EUA), onde lidera um grupo de pesquisadores da área de neurociência....primeiro cientista brasileiro a ser capa da Science. Já realizou duas palestras na Fundação Nobel de Estocolmo, em 2007 e 2011. Já ganhou 38 prêmios internacionais por suas pesquisas, três deles, em 2010, do NIH - Instituto Nacional de Saúde dos EUA. Seu experimento, o exoesqueleto foi boicotado pela FIFA, na abertura da Copa do Mundo de 2014 (lhe deram apenas 3 segundos) e pela mídia brasileira (Reinaldo Azevedo e Diogo Mainardi da revista VEJA). A Rede Globo cortou a transmissão para mostrar o ônibus da Copa, e acabou não dando destaque ao exoesqueleto. Diogo Mainardi, ex-colunista da Veja, resolveu se aventurar no universo da ciência e criticou o Projeto Andar de Novo liderado pelo neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis. “Exatamente como Santos Dumont, Nicolelis inventou o que já havia sido inventado”, provocou Mainardi no Twitter. Nicolelis respondeu. “Pena que não. Nenhum paciente havia usado pensamento para controlar um exoesqueleto que devolve feedback tátil para o usuário. Talvez em Veneza não tenha chegado a notícia, mas Santos Dumont inventou o voo controlado, sem o qual o avião não seria possível. Portanto, procure se informar, estudar um pouco mais, durante seus passeios de gôndola. Ciência não é o seu forte”, concluiu o cientista.
Enquanto Miguel Nicolelis é achincalhado por Veja e seus leitores, as principais publicações científicas do mundo exaltam o seu trabalho. É que nas cabeças brilhantes dos nossos cientistas de ocasião, o sucesso do exoesqueleto seria contabilizado como uma vitória de Lula e Dilma, e não do Brasil, dos brasileiros e da comunidade científica mundial. Assim como o governo americano, o Brasil fez alto investimento no projeto: R$33 milhões. Não fez mais do que a obrigação. Mesmo assim, oposicionistas desejam minar qualquer possível ganho político que o governo venha a ter com o sucesso do projeto. Mesmo que para isso seja necessário vandalizar essa importante contribuição do país para a humanidade. É o famoso viralatismo brasileiro, misturado com campanha política em ano de eleição.
Mas nada disso mostrou-se suficiente para evitar que Nicolelis fosse alvo dos ataques dos calunistas de plantão, que o acusaram de midiático, perdulário com o dinheiro público, farsante e de criar algo que pode ter futuro uso militar - claro, como a pólvora, o avião, os alimentos enlatados, o satélite, o computador, o telefone celular.
Paulo H. Amorim disse que a mídia resolveu desqualificar um dos "maiores cientistas brasileiros vivos" por ter visto nele um "amigo de Lula".
Pois é, Nicolelis não é o primeiro a ser ignorado no Brasil. Ah, mas quando os americanos fizeram um homem voar na abertura das Olímpiadas aí sim todo mundo achou o máximo.
Parece que o complexo de vira-latas, que atingiu muita gente no Brasil, nos impede de dar valor à ciência nacional.
Outros brasileiros também mereceriam o prêmio. O mais extraordinário escritor do Brasil em toda a história foi Joaquim Mª Machado de Assis (1839-1908), poderia ter sido agraciado com o prêmio já que morreu em 1908 e o prêmio começou a ser distribuído em 1901; Cecília Meireles (1901-1964): esta grande poeta e educadora nunca foi proposta para o Nobel. Mesmo no Brasil, de forma injusta e incompreensível, foi só reconhecida postumamente, recebendo os prêmios mais importantes uma vez falecida; João Guimarães Rosa (1908-1967) ;Graciliano Ramos (1892-1953); Ariano Suassuna ; Érico Veríssimo (1905-1975), José Lins do Rego (1901-1957), João Cabral de Melo Neto (1920-1999), etc...
Dom Paulo Evaristo Arns (1921-) foi um dos defensores da camisa canarinho na disputa pelo Nobel da Paz. Ele concorreu em1990, mas teve que encarar o megacraque Dalai Lama, que ficou com o título. Zilda Arns, o sociólogo Betinho e até o presidente Lula também deram a sua contribuição para emplacar na categoria. Imagina o Lula candidato ? Choveria dezenas de cartas e protestos da direita brasileira endereçada ao comitê sueco do Prêmio Nobel.
O prêmio Nobel é tão excêntrico e político como o próprio Nobel. O prêmio Nobel, como todos sabem, sempre teve um caráter político e geo-político muito forte. O filósofo francês Jean Paul Sartre, ganhador do Nobel de Literatura de 1964, simplesmente recusou o prêmio – não queria que o reconhecimento institucional influenciasse sua obra. A meritocracia nunca foi o tema mais importante para o prêmio. Einsten não ganhou pela teoria da relatividade e sim por uma pesquisa muito menos significativa. Isso pelo medo da teoria da relatividade ser falha.Por pressão do regime nazista, Einstein teve o prêmio negado mesmo sendo indicado por anos seguidos. Apenas em 1921 ele recebeu o Nobel de Física pelos estudos sobre o efeito fotoelétrico.
Ghandi nunca ganhou o prêmio Nobel da paz, contudo Kissinger (envolvido na guerra do Vietnã e na queda do regime democrático do Chile em 1973) já levou o prêmio para os EUA. Entre 1937 e 1948, Gandhi recebeu 12 indicações à láurea apesar de ter se formado em Direito em Oxford, na Inglaterra, ele não era europeu, nem americano, nem um político de carreira, nem pertencia a alguma organização oficial. O escritor soviético Boris Pasternak (autor de Doutor Jivago) escolhido para o Nobel de Literatura em 1958 (aquele que estava prometido para o brasileiro Jorge de Lima), foi um dos que tiveram que declinar, por pressão do governo de Moscou, que acusava a fundação Nobel de sempre favorecer os países capitalistas.
Ozires Silva (Reitor da Unimonte, de Santos; foi ministro da Infraestrutura e presidiu empresas como Embraer, Varig e Petrobras) responde a pergunta: porque o Brasil nunca ganhou um Prêmio Nobel? Em 1994 quando participava de uma reunião na Real Academia Sueca de Engenharia fez a pergunta a um colega sueco e ele respondeu: "Vocês, brasileiros, são destruidores de heróis". E acrescentou que brasileiros indicados devem ter sido retirados das listas de candidatos, muito possivelmente, por cartas e manifestações, duras e ácidas, produzidas por outros brasileiros. Ao contrário dos Estados Unidos, onde, disse ele, há um aplauso generalizado aos candidatos ao Nobel, no Brasil, as pessoas usualmente se sentem constrangidas quanto a produzir elogios, mas são extremamente desenvoltas quanto a fazer críticas. Como vimos pela lista dos possíveis ganhadores do prêmio vários candidatos brasileiros foram caluniados e desconstruídos pelos próprios brasileiros na indicação do Nobel - como é o caso de Carlos Chagas e D. Hélder Câmara; fora os outros que não sabemos (Miguel Nicolelis e Lula ?). Mas também houve casos que poderíamos ter ganho o prêmio mas a política de premiação e/ou preconceito ou discriminação impediram (César Lattes, Sérgio Henrique). E outros casos que não tivemos sorte (Jorge de Lima, morreu antes de receber o prêmio) ou descaso do governo (Peter Brian Medawar).
"Darcy Ribeiro costumava dizer que temos as elites mais reacionárias do mundo e aquelas que mais internalizaram dentro de si o processo de colonização que implica submeter-se ao senhor estrangeiro, considerar-se sempre dependentes dele, e para manter vantagens como sócios subalternos e agregados, nunca se oporem a ele", analisa o teólogo, filósofo e escritor Leonardo Boff. Ele identifica que esta estratégia ainda está em vigor na mente das elites políticas brasileiras, que sempre se alinharam ao poder do momento. Primeiro a Inglaterra, agora os EUA.
No dia 17 de dezembro de 2010, durante uma aula de abertura da Universidade Aberta do Brasil em Moçambique, o Presidente Lula defendeu a necessidade de integração entre os países do Hemisfério Sul, para que deixem de ser submissos aos do Norte ou que se sintam inferiorizados: "Como tivemos nossa cabeça colonizada durante séculos, aprendemos que somos seres inferiores e que qualquer um que enrola a língua é melhor do que nós. O que queremos agora é levantar a cabeça juntos e construir juntos um futuro em que o Sul não seja mais fraco do que o Norte, em que o Sul não seja dependente do Norte. Se nós acreditarmos em nós mesmos, podemos ser tão importantes quanto eles, tão sabidos quanto eles", afirmou.... ( in : http://www.webartigos.com/artigos/porque-o-brasil-nunca-ganhou-um-premio-nobel/55611/).
Daniel Miranda Soares é economista e EPPGG aposentado. Mestre pela UFV e ex-professor.