Encerrou-se à 0h00 desta terça-feira (1) a consulta pública lançada pelo Ministério da Justiça sobre a regulamentação do Marco Civil da Internet, o conjunto de regras para usuários e empresas que utilizam a web no Brasil. E, ao que tudo indica, pelo menos uma opinião é unânime entre as quase 1,5 mil contribuições: o texto que vai determinar o decreto precisa de mudanças.
Na visão das teles, provedoras, fabricantes de equipamentos, companhais de internet, juristas, técnicos, acadêmicos e da sociedade civil, a lei precisa ser revista para encontrar um equilíbrio entre todos aqueles que fazem uso da internet. De forma geral, as contribuições pedem análises diferentes, principalmente no que diz respeito à neutralidade de rede, o ponto mais polêmico e criticado do Marco Civil.
De um lado, as operadoras ainda apostam na ideia de que é preciso discriminar o tipo de conteúdo visualizado pelos clientes – ou seja, entregar velocidades distintas de acordo com aquilo que eles estiverem acessando na rede. Além disso, as provedoras mantém sua posição sobre bloquear as conexões ao fim do plano de dados da franquia contratada. “[O texto] concede a flexibilidade de gestão do tráfego necessária para o que se espera de uma internet rápida e segura”, explicou a Sinditelebrasil, que representa as teles.
Em contrapartida, outras entidades acreditam que a neutralidade de rede é um dos pontos cruciais que defendem os direitos dos usuários. “Ao permitir a degradação ou discriminação de tráfego quando assim necessária para garantir a ‘adequada fruição’ de serviços e aplicações e a ‘garantia da qualidade da experiência do usuário’, o Decreto inadvertidamente faz letra morta da obrigação de garantia da neutralidade de redes”, defendeu a Associação Brasileira de Internet (Abranet). Já Demi Getschko, presidente do NIC.br, afirmou que a falta de um artigo mais específico sobre a neutralidade é uma “porta aberta” para várias interpretações que, de uma forma ou outra, tentam justificar maneiras de invalidar essa neutralidade.
Outra corporação que defendeu a neutralidade de rede é a Netflix. Para a companhia, é preciso dar mais clareza ao artigo que trata dos requisitos técnicos indispensáveis à prestação adequada de serviços e aplicações. A preocupação do provedor de conteúdo é que uma redação subjetiva e vaga, como a que está em vigor atualmente, possa ensejar o tratamento discriminatório de algumas aplicações em detrimento de outras.
A Netflix entende que os prestadores de serviços de conexão à internet devem ter flexibilidade suficiente para gerenciar suas redes, tanto na última milha da rede quanto no ponto de interconexão às redes de acesso. Contudo, ressalta que as situações nas quais essa discriminação ou degradação são legalmente aceitáveis devem ser muito restritas e claramente especificadas ou, do contrário, poderão ser enfrentadas situações nas quais, por exemplo, restará ao provedor de conteúdo pagar ao prestador de serviços de conexão pela administração da rede, com o objetivo de garantir uma melhoria da qualidade na transmissão e, de alguma forma, ter seu tráfego priorizado.
Nesta hipótese, diz a empresa, um incentivo perverso será criado para que um prestador de serviços de conexão a internet deixe seus pontos de acesso congestionados, mesmo em face dos pedidos crescentes de dados pelos seus próprios clientes, muitos dos quais já estão pagando por pacotes de serviço de banda larga com o intuito de garantir a alta qualidade na entrega do conteúdo desejado, e para tentar obter dos provedores de conteúdo online pagamentos pela sua saída do congestionamento.
Tarifa zero
As empresas individualmente (Vivo, Tim, Sky e Nextel), além de companhais como Netflix e Facebook, também querem que o Decreto aborde um ponto “esquecido”: as ofertas diferenciadas ou, mais especificamente, o “zero rating”. “Muitas formas de pacotes de dados, incluindo zero-rating ou dados patrocinados podem trazer benefícios de interesse público ao tornar os serviços de dados mais acessíveis e inclusivos”, destacou a Sky.
O Facebook quer a criação de incentivos para a existência dos programas de tarifa zero no Brasil, que considera uma maneira inteligente e colaborativa para que tanto o setor privado quanto o setor público exerçam sua parcela de responsabilidade social para levar a economia digital para aqueles que ainda não puderam se beneficiar desse gigantesco potencial. A empresa entende que é necessário que o decreto considere a adoção de um ambiente regulatório flexível, que permita modelos comerciais inovadores, particularmente aqueles destinados a promover a conectividade e os benefícios associados ao acesso à internet.
Mesmo com a clareza reconhecida, o provedor de conteúdo recomenda adaptações no parágrafo único do artigo 4º do decreto para evitar uma interpretação contrária ao espírito da lei. Com a proposta, o parágrafo único ressaltaria que as ofertas comerciais e modelos de cobrança de acesso à internet “devem preservar a natureza aberta, plural e diversificada da rede, baseada na livre iniciativa e na liberdade de modelos de negócio, e entendida como um meio para o desenvolvimento social e humano, contribuindo para a construção de uma sociedade inclusiva e não discriminatória”.
Internet das Coisas
Fabricantes de equipamentos de telecomunicações, como Cisco e Ericsson, também participaram da consulta pública. Neste caso, o alerta especial foi pela ausência de tratamentos sobre a Internet das Coisas (IoT, na sigla em inglês). “Devido a suas necessidades específicas – que demandam tratamento diferenciado nas redes das Operadoras -, tais serviços jamais se confundem com a natureza pública da Internet”, defendeu a Ericsson. Outro exemplo de conexão isenta dos princípios de neutralidade seria a IPTV.
Críticas à Anatel
As empresas também mostraram na consulta pública que estão contrárias ao papel da Agência Nacional de Telecomunicações na fiscalização e regulação previsto na proposta do Decreto do Marco Civil da Internet. De acordo com as companhias, o órgão possui um “poder excessivo” que não é adequado ao que está previsto pela lei.
Para a Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico, por exemplo, a proposta de regulamentação, ao conceder à agência o poder de avaliação dos acordos realizados entre provedores de conexão e provedores de acesso à aplicação, poderá inviabilizar novos negócios. “Não é aconselhável burocratizar a formação de um acordo, visto que isso poderia ser causa de desmotivação entre as empresas. Além disso, incumbir a Anatel e/ou outro órgão fiscalizador com essa avaliação é sobrecarregá-los desnecessariamente”, alerta a Câmara.
Já a Proteste, entidade que representa os consumidores, afirmou que “a redação proposta é genérica e possibilita o entendimento de que a Anatel poderia regular padrões de redes de internet, o que se constitui como serviço de valor adicionado e, portanto, está fora de suas atribuições”. Segundo a advogada e representante da entidade Flavia Lefevre, a minuta de decreto estaria extrapolando os limites estabelecidos pela Lei Geral de Telecomunicações.
O portal UOL também reclama da intervenção excessiva da agência reguladora de telecomunicações no mundo da internet. “Não se pode jamais pretender fazer do Marco Civil da Internet, pela via regulamentar, um instrumento de rompimento com escolhas legislativas vigentes e de indevida intervenção estatal na ordem econômica”, disse.
Com informações de Convergência Digital, TeleSíntese (1, 2), TI INSIDE e Canaltech.