A criação da Internet é uma história repleta de nomes: uma das maiores revoluções da história da humanidade, a rede não surgiu da noite para o dia e nem foi resultado de uma invenção de uma única pessoa. E dessas dezenas de peças do quebra-cabeças que acabaram formando a Internet atual, alguns nomes são instantaneamente reconhecidos por trabalhos específicos: Robert Kahn e Vint Cerf, por exemplo, são considerados os inventores do protocolo TCP/IP. Outros ficam um pouco mais distante do holofote. Parte deles, inclusive, até por escolha do própria: e esse é o caso de John Klensin.
Reconhecido em 2012 como um dos pioneiros da web pelo Hall da Fama da Internet, o cientista político e especialista em ciência da computação esteve durante os anos 60 e 70 envolvido em diversos projetos de desenvolvimento de protocolos que acabaram sendo parte da criação da ARPAnet — a rede de compartilhamento de dados financiada pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos que acabou se transformando na Internet que conhecemos hoje.
Entre entre eles, estavam alguns dos protocolos essenciais para a fundação da rede, como o FTP (File Transfer Protocol), criado para permitir a transferência de arquivos entre computadores, e o SMTP (Simple Mail Transfer Protocol), uma das bases para o envio de e-mails.
Ainda assim, Klensin se recusa a assumir um protagonismo: ele se define apenas como “um cientista político com um interesse em comunicação, influência e redes de pessoas”, e afirma que os trabalhos que levaram ao seu reconhecimento como parte da base da construção da Internet não fazem dele um dos “pais da Internet”, mas são resultado de um esforço conjunto de desenvolvimento com diversas outras pessoas.
“E eu sempre evitei me envolver com a Internet no nível dos bits. Eu me envolvi no desenvolvimento de coisas administrativas da Internet porque as pessoas que estavam envolvidas sabiam que eu tinha a habilidade para resolver os problemas humanos, políticos e dinâmicos disso, enquanto eles cuidavam da engenharia”, contou em uma entrevista ao Canaltech nesta semana, quando esteve em São Paulo para um evento que discutiu o futuro da tecnologia juntamente com o Comitê Gestor da Internet no Brasil, o CGI.br. “Mas havia uma divisão clara, então não, eu não sou um dos pais da Internet”.
Mas talvez um dos papéis mais importantes que Klensin teve para a web foi seu trabalho junto ao pesquisador Jon Postel, que acabou resultando na criação da Internet Assigned Numbers Authority (IANA), autoridade responsável pelo gerenciamento e alocação de endereços de IP.
Quando a IANA foi absorvida e sua a esponsabilidade passou para o Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (ICANN), através de um acordo com o Departamento de Comércio dos Estados Unidos, Klensin também esteve lá para garantir que a transição funcionasse bem.
Hoje, a questão da governança da Internet e do papel do ICANN volta à tona, após o governo dos Estados Unidos ter anunciado no ano passado que passaria a custódia dessas funções de gerenciamento da rede finalmente para um grupo multisetorial e global. Agora a proposta é que a internet passe a ser controlada por entidades contratadas, atuando sob um consórcio de países, empresas e órgãos competentes.
Na avaliação de Klensin, no entanto, a questão da transição até agora fez pouco mais do que ter “gerado muito barulho”, mas o comportamento da comunidade durante o processo de transição tem parecido problemático.
“Quando o ICANN foi criado, a questão era que a comunidade de Internet não estava madura o suficiente para administrar isso sem alguém que pudesse realizar a checagem final”, explicou. “Agora, 50 anos depois, a pergunta é se essa comunidade está pronta para fazer isso agora. Se a comunidade da Internet fosse mais como o caso do Brasil com o CGI.br, a minha resposta seria sim. Mas ela não é, então minha resposta é provavelmente ‘não'”.
Para o cientista político, a discussão está trazendo uma série de problemas para a transição que não deveriam estar enrolados nesse processo. Um dos exemplos que está tirando o foco das questões importantes da transição é a discussão que tenta impedir que a transição permita o surgimento de um “governo global”, que poderia utilizar a Internet como forma de controle supranacional. “[Estão sendo discutidas] coisas como quem está no controle ou onde estarão os pontos de alavancagem, ao invés de garantir que as funções administrativas funcionem bem”, afirmou. “Isso mostra que nós não estamos prontos ainda”.
Um exemplo bom de governança, na opinião de Klensin, é o caso brasileiro, que tem o CGI como órgão responsável. Ele elogia o modelo nacional e afirma que sua importância está no fato que as organizações que participam do órgão representam todos os que têm interesse que a Internet funcione — ou seja, todos que seriam afetados caso alguma coisa desse errado.
Na última segunda, o Departamento de Comércio do Estados Unidos anunciou que vai estender o acordo com o ICANN e adiar em um ano a transição prometida em 2014. Para Klensin, essa mensagem pode ter um duplo significado: ou o governo dos Estados Unidos está simplesmente adiando a questão, ou julgou que a comunidade da Internet ainda não está pronta e que ela agora terá mais um ano para organizar uma proposta eficiente.
No final, a visão do cientista é pragmática: Klensin reconhece que a questão da transição da governança da Internet tem uma importância simbólica, mas sua preferência seria por uma transição que de fato não afetasse a Internet como ela funciona hoje. “O governo dos Estados Unidos nunca interveio de forma significativa em nada”, avaliou. “Se você me der a escolha entre uma importância simbólica ou ter uma administração que funciona bem, eu escolho o segundo a qualquer momento”.
Com informações de Canaltech.