O ano é 1998 e o protagonista, o famoso ator Will Smith, está sentado em uma mesa de café. Discute com uma mulher a entrega de evidências que podem ajudar seu cliente, uma vez que era advogado. Alguns minutos depois está fugindo enlouquecido pela cidade acusado de vários crimes que não cometeu, e até mesmo sua família passa a crer que pode ser culpado. Seu crime? Saber demais, mesmo sem saber do que realmente sabia.
O filme narra a saga de uma situação que parecia completamente ficcional para a maioria das pessoas no ano de 1998: o Governo mantém total controle sobre tudo e todos utilizando equipamentos de vigilância eletrônica, muitos deles ilegais. Até que um pouco mais tarde surge o incrível Jack Bauer e mostra na nossa cara como essa vigilância acontece em nível global. Claro, era uma ficção apenas que costumava ver com meu pai. Ele acreditava cegamente que tal situação nunca seria possível. Afinal, como pode um Governo monitorar a tudo e a todos?
Uma emblemática fala do filme Inimigo do Estado resume um sentimento que parecia surreal à época:
A única liberdade que resta é a de pensamento, e talvez seja o suficiente.
Um pouco mais tarde surge o grande Edward Snowden que descreve como a vigilância acontece em nível global e continuamos achando que não é conosco. Dessa vez ninguém se preocupou em negar, apenas em acusá-lo de traidor, “cagueta” e outras coisas interessantes. A novidade? Estavam espionando a Presidenta do Brasil. Sim, liam os e-mails da Presidenta e tudo o que ela enviava para todos os seus Ministros. Como? Ela usava uma suíte de Correio proprietária da Microsoft.
Vale uma pausa para explicar um pouco sobre o significado da liberdade. Não vou discorrer muito sobre o tema, mas você pode se divertir buscando por aqui tudo o que já escrevi. Em geral a liberdade só é percebida quando sentimos falta dela, ou seja, quando somos impedidos de fazer algo que queremos por não estarmos de posse da mais absoluta e plena liberdade. Nossa Presidenta se fez de bravinha quando percebeu que tinha perdido a liberdade e soltou um Decreto para defender a Segurança Nacional, mas isso é assunto para outra oportunidade. O ponto que quero levantar aqui é: ela já sabia.
Sim, ela já sabia pois conheço pelo menos três pessoas que enviaram recomendações à Presidência da República para substituir a ferramenta de e-mail proprietária. O motivo era óbvio: como é possível tratar assuntos de interesse da Segurança Nacional com ferramentas cujo código-fonte é fechado é são produzidas por outros países?
E você, que está aqui lendo essa mensagem, você também sabe. Você sabe porque muita gente já te falou, mas você não acreditou né, porque afinal, é aquele bando de malucos seguidores do Stallman. São aqueles que ficam implicando com o que você coloca no seu computador. Tem até um maluco lá da Paraíba que “ousou” atacar o seu facebook sagrado. Como ele pode fazer isso, não é mesmo? Mas deixa eu te contar um segredo: eles estão te usando. E você sabe, mas não liga, porque né, o face é sagrado.
O ser humano tem uma capacidade incrível de se acomodar, principalmente quando vai ficando velho. E confesso: estou acomodado. Mas antes de falar de mim, gostaria de contar uma história que se confunde um pouco com a do início do Governo PT na esfera Federal (infelizmente, acredito eu). Era uma história de um grupo de pessoas que, notando algumas dessas coisas malucas, perceberam que esse negócio de Software Livre era importante para o país e começaram a se mexer. No começo eram iniciativas isoladas; depois um movimento foi surgindo, que culminou no Fórum Internacional de Software Livre. Durante algum tempo o FISL poderia ser considerado um dos maiores eventos de Software Livre do mundo.
Contudo, com o passar do tempo, o FISL também se acomodou. O motivo é simples: antigamente era basicamente um encontro de técnicos e entusiastas do tema, mas o povo foi ficando mais, digamos, “engajado”. O que era pra ser uma organização em torno do tema Software Livre (em negrito aqui) acabou se tornando um encontro de políticos que orbitam ao redor do tema Software Livre. O ser humano é político, eu sou político, você é político, mas as organizações devem servir às pessoas e seus princípios, e não o contrário. Apesar de saber que estou desagradando algumas pessoas ao escrever isso, a Associação Software Livre pode defender várias coisas hoje, até mesmo o Fórum Internacional de Software Livre, mas já faz muito tempo que não defende o Software Livre em si. Por quê? Porque o sistema hoje trabalha para manter o próprio sistema, como já dizia o sábio Capitão Nascimento. Os ideais da OSI, já bem explanados pelo amigo Anahuac, prevaleceram sobre a defesa da liberdade inexorável e indispensável sobre todos os aspectos do software.
É nesse momento que devemos aplaudir as iniciativas diferentes, como a do Coordenador Geral do FLISOL Brasil, Thiago Paixão. Contrariando muitos interesses que não sabemos bem quais são, teve a coragem de soltar uma recomendação para que não se instale Ubuntu no FLISOL em 2015. Por quê, você deve estar se perguntando. A resposta é simples: porque Ubuntu não é Livre! É surreal termos que explicar porque não queremos a instalação de software privativo no Festival Latino Americano de Instalação de Software Livre. Sim, Ubuntu não é Livre, e nada mais justo que não instalá-lo em um festival a favor da liberdade de software, mas é preciso pensar fora da caixa. Não se trata apenas de uma pura e simples recomendação ou birra com a Canonical: é uma contra revolução. É uma resposta aos que foram absorvidos pelo sistema, ao dizer pra eles que não aceitamos acordos pela manutenção do sistema. Se o jogo se tornou contra nós continuaremos lutando sozinhos, mas pelo menos olharemos para o lado sabendo quem está de verdade conosco.
O Software privativo é inimigo do Estado, e não somente do Estado nacional do Brasil, mas da ideia de Estado pregada pela democracia. O software privativo é uma arma de controle, das mais eficientes já elaboradas pela humanidade, e ao utilizá-lo você concorda em ser subserviente. Digo mais: quem usa software privativo ou promove a sua utilização é Inimigo do Estado, não se preocupa com a liberdade e trata apenas de seus interesses egoístas. Somos todos Inimigos do Estado em algum ponto, pois nos utilizamos de ferramentas e serviços proprietários quando nos é conveniente. A pergunta que fica é: e agora que você tomou a pílula azul? O que você vai fazer? De que lado está?
Com informações do site Blog de Eduardo Santos.