O processo de evolução de uma tecnologia na internet, muitas vezes, passa também por uma mudança na percepção pública de uma aplicação. Nesse sentido, o modelo de blockchain é a bola da vez, deixando de ser algo associado às transações de drogas e hackers na Deep Web para se tornar um sistema confiável que, agora, começa a ter suas aplicações testadas além das Bitcoins.
O sistema funciona mais ou menos como uma relação global de transações. A “corrente de blocos”, tradução literal do nome blockchain, é atualizada sempre que uma nova transação é realizada e todos os sistemas ligados à rede têm acesso a essa rede, de forma a validar um item e impedir que ele seja vendido duas ou mais vezes. Além disso, toda negociação exige poder de processamento para ser realizado, com a resolução de algoritmos matemáticos que servem também como criptografia sendo a prova de que tudo correu bem.
O que chamou a atenção de muitos players do mercado financeiro, inicialmente, é a ideia de que a rede blockchain é autossuficiente e não precisa de intermediários. Todo o processo necessário para validação de uma compra, por exemplo, e novos blocos são adicionados à rede a cada dez minutos, criando uma plataforma rapidamente atualizada e que funciona praticamente em tempo real. Segurança, praticidade, independência e, acima de tudo, confiabilidade em um único pacote que, agora, começa a sair do submundo.
Além das iniciativas que querem transformar as Bitcoins em um negócio mais legítimo, como é o caso de uma startup dos gêmeos Winklevoss, os mesmos do Facebook, a blockchain começa cada vez mais a ser vista como uma alternativa para outros mercados. A NASDAQ, bolsa de valores digital americana, já está estudando uma maneira de conectar mercados de ações ao redor do mundo utilizando o blockchain, e já tem uma parceria com o governo da China exatamente com esse fim.
Enquanto isso, uma startup chamada Abra trabalha em um sistema de transferência de valores entre países livre das burocracias dos bancos, transformando dinheiro em Bitcoin e usando a rede para realizar esse processo. Algo semelhante está sendo feito pela tØ, que deseja criar uma nova plataforma para bolsas de valores que utilize o blockchain como método de facilitar transações, permitir a entrada de investidores internacionais e ampliar a segurança e transparência das negociações. A concepção de uma nova base para a compra e venda de ações também é a ideia de instituições como Barclays e Goldman Sachs.
Fora do mercado financeiro, entretanto, o blockchain também tem suas aplicações. E, por mais bizarra que possa ser essa ideia, muitas empresas iniciantes estão pensando em utilizar a arquitetura como uma forma de comprar, vender ou validar objetos físicos, do mundo real, que também teriam seu mercado aquecido e tornado mais confiável com base nessa tecnologia totalmente digital.
A Bitproof e a Blocknotary, por exemplo, estão utilizando a plataforma na criação de uma espécie de cartório de imóveis nacional e digital. Registros de venda e compra, por exemplo, passam a trafegar por essa rede e deixam de exigir a presença de testemunhas na assinatura do contrato, além de reduzir fraudes ou duplicidades.
Essa busca também levou a Verisart a pensar no blockchain como uma forma de atestar a autenticidade de obras de arte, que teriam códigos individuais cadastrados na rede. Assim, sempre se saberia o histórico de compra e venda da peça, seus donos anteriores e características, reduzindo a pirataria e as reproduções vendidas por falsários como reais. Discos também entram nessa dança e existe um outro projeto, a ProofofExistence, que quer aplicar a mesma dinâmica a arquivos digitais, criando uma espécie de assinatura para usuários e empresas, que verificariam a autoria e origem de trabalhos ou pesquisas.
A IBM também está nessa e pensa em um sistema que identificaria pessoas e também evitaria fraudes. Em parcerias com a Samsung e a ShoCard, estão sendo imaginadas possibilidades não apenas para isso, mas também de uso no mundo da Internet das Coisas, com o blockchain sendo usado para abrir a porta de casa, validar os moradores e ativar certas funções residenciais de acordo com as permissões de cada um.
Nem tudo são flores
Antes que todas essas ideias mirabolantes entrem em funcionamento, porém, ainda existem alguns obstáculos. Como tecnologia, o blockchain é bastante versátil e confiável, mas ainda assim, conta com problemas que podem impedir sua aplicação em grande escala. E o principal ponto, aqui, é o tempo necessário para a criação de novos blocos e o poder computacional necessário para que esse processo ocorra.
O tamanho de cada ponto também é problemático, já que eles carregam uma capacidade máxima de 1 MB de dados, o que permitiria apenas sete transações por segundo. Em comparação, a VISA, uma das maiores operadoras de cartões de crédito do mundo, tem uma média global de 56 mil negócios por segundo. Não chega nem perto, e é preciso encontrar uma maneira de aumentar a velocidade de criação de blocos ou o número de operações possíveis em cada um deles.
Os ataques e histórico de hacks em plataformas de operações de Bitcoins também são vistos como um obstáculo para a adoção da tecnologia em grande escala, principalmente quando se fala em instituições conservadoras como as do mercado financeiro. Muita gente perdeu dinheiro, criadores foram presos e golpes aconteceram, uma vez que a descentralização desse sistema também impede uma fiscalização adequada e um controle profundo do que está acontecendo do lado de dentro.
Parecem desafios pequenos, levando em conta a empolgação dos envolvidos com a plataforma. Muitos já falam no blockchain como a mais nova tecnologia “disruptiva”, aquela que, no futuro próximo, vai causar muita dor de cabeça nos serviços tradicionais, que podem se ver perdendo espaço para uma solução, aparentemente, mais segura, rápida e confiável. Mas, aparentemente, ainda temos algum tempo pela frente até que essa briga comece, se é que ela realmente vai acontecer.
Com informações de TechCrunch e Canaltech.