LA GRANDE BELLEZZA (2013)
2 de Fevereiro de 2014, 3:22 - sem comentários ainda“Por que você nunca mais escreveu um livro?” Pergunta a velha freira quase santa, que fez voto de pobreza e se alimenta apenas de alguns gramas de raízes amargas por dia, ao escritor personagem central do filme, que lhe responde que é porque “eu procurava a grande beleza, mas... Não encontrei”.
"Sabe por que eu só como raízes?", Responde a velha freira com uma nova pergunta.
“Não... Não, por quê?”, quer saber o escritor.
“Porque as raízes são importantes”.
O italiano Paolo Sorrentino nos presenteia com este, que não é um filme e sim uma obra de arte. Pouco a falar, portanto, e muito a sentir e a apreciar.
Com visíveis influências de Fellini, o filme é quase uma releitura de La Dolce Vita, onde Marcello Mastroiani interpreta também um jornalista da alta sociedade italiana e a fluidez do lúdico e do absurdo nos inebriam.
Aqui, o charmosíssimo Toni Servillo é o refinado jornalista Jep Gambardella, autor de um só único livro, que busca inspiração para escrever mais.
Ao fundo, Roma. Não somente a cidade de Roma, muito mais: a Ideia de Roma! Aquela que permeia todo o nosso mundo ocidental, com seu brilho e decadência, e o poder, e a manipulação das coisas através da religião, ainda que, ao final, Sorrentinosepare a religião da espiritualidade e resgate a espiritualidade humana como algo que nos liberta e inspira.
A Grande Beleza, ainda que uma ilusão, pode estar em tudo, ou em nada, mas, certamente, você a encontrará nesta belíssima obra de Sorrentino que ordena o caos, que em si mesmo oferece, nos proporcionando o êxtase da sensibilidade em todas as cenas; na música, no roteiro, em tudo que nos faz ficar parados até terminar o último crédito, porque o filme não acaba, ele se despede em movimento e permanece dentro da gente ainda muito depois de assisti-lo, estou certa de que para sempre.
Ao recuperar sua inspiração para escrever, ainda somos brindados por esta magnífica fala de Jep Gambardella:
“Termina sempre assim; com a morte.
Mas primeiro havia a vida; escondida sobre o blá, blá, blá, blá, blá.
Está tudo sedimentado sobre o falatório e os rumores: o silêncio e o sentimento, a emoção e o medo; os insignificantes e inconstantes lampejos de beleza... Depois a miséria desgraçada e o homem miserável; tudo sepultado sob a capa do embaraço de estar no mundo blá, blá, blá, blá.
O outro lado é o outro lado. Eu não vivo do outro lado. Portanto, que este romance comece.
No fundo, é apenas uma ilusão. Sim, é apenas uma ilusão”.
A Grande Beleza concorre ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2014.
HER (2014)
28 de Janeiro de 2014, 19:41 - sem comentários aindaPerdoem-me os conceituados críticos de plantão, mas HER é muito mais (mas muito mais mesmo!) do que “um filme de Spike Jonze que cria um relacionamento ‘surpreendentemente possível’ entre homem e máquina”!
Ainda que o personagem Theodore Twombly, interpretado lindamente pelo magistral Joaquin Phoenix, realmente se apaixone por um OS (sistema operacional), cuja bela voz rouca de mulher fora programada em prévia triagem do OS sobre os seus desejos, a questão de ser ou não um software dotado de inteligência artificial é única e tão somente uma parábola.
Do que Spike Jonze (“Quero Ser John Malkovich”) está a nos falar ali, na verdade, é sobre o fato de que, amores possíveis ou não, nos apaixonamos e, quando isto acontece, despertamos do perigo de permanecer para sempre adormecidos.
Pena que o filme esteja sendo definido como a história da paixão de um homem pela voz de um sistema operacional... Esqueça a coisa do sistema operacional!
Samantha, a bela voz de Scarlett Johansson pela qual Theodere se enamora e que nasce da instalação de um software em seu smartphone, é, na verdade aquele Outro, para o qual se olha naquele momento em que você tinha certeza de que jamais voltaria a perceber ou se interessar por alguém.
Theodore sofre com o fim de seu casamento e os encontros reais com mulheres de carne e osso não têm sido frutíferos. Nem nos chats em salas de bate-papo o solitário homem consegue se interessar por alguém.
Theodore trabalha numa empresa chamada Cartas de Amor Escritas a Mão ponto com ou algo assim, e tem como profissão escrever belíssimas cartas de amor para as pessoas.
Pela qualidade das cartas que escreve, podemos ver que é dotado de sensibilidade e muita ternura, mas Theodore é uma espécie de Orpheu, que alivia as dores alheias, com suas belas cartas de amor, mas não consegue encontrar remédio para suas próprias dores.
Encontramos o personagem nesse momento difícil, com um trabalho bem inferior ao seu potencial, mergulhado em sofisticados jogos de videogame, cheio de lembranças da esposa, com quem convivera desde muito jovem e se recusando a assinar o divórcio. “Gosto de estar casado”, diz ele a Samanthaquando começa a conversar com a inteligência artificial que logo se mostrará uma deliciosa companheira.
Samantha, de início, se mostra de grande utilidade prática, pois consegue acessar rapidamente os e-mails de Theodore e gerenciá-los, apagando o que não tem utilidade, respondendo com perfeição os que devem ser respondidos, ou seja, o relacionamento entre eles nasce do apoio, da ajuda e da admiração que a eficiência dela gera nele.
A capacidade de interação de Samantha, muito mais do que um simples robô sem corpo, vai atraindo para si Theodoree, quando ele se dá conta, já sente necessidade do contato diário com a voz que o compreende e passa a apoiá-lo também em seus assuntos emocionais, percebendo-o em seus tons de voz, sua tristeza, alegria, desânimo... Sua dores...
A curiosidade de Theodore sobre tamanha capacidade de Samantha leva-a informa-lo: "Eu evoluo a cada momento. Eu quero ser tão complicada quanto todas as pessoas".
Samantha desbrava sua própria existência através da interação com Theodore, e, aos poucos, admite seus pensamentos pessoais, inseguranças e ciúmes, questionando se "esses sentimentos são reais ou só programação?".
É a partir da interação entre ambos, que mergulhamos de cabeça na história, ao tempo em que vislumbramos os nossos próprios relacionamentos e passamos a sentir fortemente aquilo que o filme nos desperta: paixão, ternura, poesia e uma infinidade de sentimentos outros, todos ligados ao amor.
No filme há, certamente, algo voltado para os tempos modernos, mas no sentido das relações virtuais (quem nunca?) e não necessariamente da questão da inteligência artificial e do relacionamento com uma máquina.
Evidencia-se o relacionar-se com alguém sem corpo; as maiores angústias de Samantha, inclusive, nascem do não ser corpo e, ainda que haja sexo entre ambos (numa belíssima cena onde ele desperta nela o desejo nunca dantes sentido e ambos se entregam um ao outro), a maior queixa de Samanthaé o “não ser corpo”.
Tanto que, a certa altura, Samantha convence Theodorea receber em casa uma mulher que “empresta” o corpo para OSs. É interessante e criativo o expediente, pois Samanthavê através da câmera e gruda-se uma, bem pequena, no rosto da mulher, colocando-se um fone de ouvido em ambos, a mulher e Theodore. Quem Theodoreouve é a voz de Samantha.
Olha o nível da angústia do não poder tocar-se, ser-se, dar-se!
O expediente não funciona; o que para Samantha parece natural, para Theodore é um sacrifício e a mulher, embarcando nas carícias, acaba mexendo os lábios, a certa altura, o que lembra Theodore de que ela não é Samantha e nada chega a acontecer.
Apesar disto, Theodore, satisfeito, confidencia sobre sua relação para a amiga e vizinha: “quando conversamos eu me sinto próximo dela. Eu sinto que ela está comigo. Quando apagamos a luz durante a noite, eu me sinto abraçado”.
Por não ter um corpo, Samantha compõe músicas para Theodoreao piano. “Já que nós não podemos tirar fotografia juntos, eu tento compor melodias que possam expressar nossos momentos juntos”.
Os diálogos são riquíssimos e a voz rouca de Scarlett Johansson é muito mais que uma voz e merecia a criação de um prêmio extraordinário do Oscar este ano: melhor interpretação de voz!
É simplesmente fantástico o que ela consegue fazer com aquela voz sob a batuta de Jonzee, assim como para Theodore, Samantha assume formas corporais em nosso imaginário.
Quando Theodorediz a Samantha que ainda se lembra da esposa e que conversa com ela mentalmente, lembrando-se das brigas que tiveram e das coisas que disseram um ao outro, Samantha responde que compreende o que ele está dizendo, porque se pegou lembrando-se do dia em que ele lhe dissera que ela “não sabia o que era perder alguém.”
Ele começa a lhe pedir desculpas pela mágoa que lhe causara, mas Samantha lhe responde: “está tudo bem! É só que me pego pensando nisso de novo e de novo... E então percebo que estava só lembrando de algo que estava errado comigo; era uma história que contava a mim mesma, de que eu era inferior. Não é interessante? O passado é uma história que nós contamos!”
É bela a sequência em que eles falam sobre a “fantasia do amor” e ela o lembra de que a paixão é um estado de insanidade, “uma forma socialmente aceitável de insanidade”.
O casamento de Theodore terminara, segundo ele, quando o casal começou a mudar e as mudanças aconteceram muito rápido, sem que deixassem de assustá-los um ao outro. O crescimento do outro como fator de temor e assombro.
O relacionamento entre Theodore e Samanthatermina pelos mesmos motivos, ainda que guardadas as assombrosas proporções da ultra veloz capacidade cibernética de Samantha.
O começo, meio e fim do relacionamento de Theodore e Samantha não é diferente dos nossos! Por isso, não se iludam que o foco do filme seja o apaixonar-se por uma máquina, ou algo assim!
Não é!
HER é um belo conto de amor humano. A forma como ambos constroem uma relação, a compreensão, o dar-se, o desejar-se a partir do apoio mútuo, o amparo, o cuidado, o crescer...
Crescer que muitas vezes é difícil de ser acompanhado pelo outro e traz em si a necessidade da partida, rumo a novas descobertas, experiências, velocidades, paisagens... Não importa, um sempre estará no outro.
Isso, inclusive, é dito por Samantha mais no início do filme, num diálogo em que ele chega em casa e pergunta a ela o que esteve fazendo.
Samantha diz que estivera lendo Física porque achara interessante o quanto ficou brava quando ele foi se encontrar com Catherine pessoalmente para assinar os papéis do divórcio, por ela ter um corpo. “Eu fiquei chateada por tudo em que somos diferentes. Mas depois comecei a pensar em tudo o que somos iguais. Por exemplo, somos todos feitos de matéria; isto me faz sentir que estamos todos sobre o mesmo cobertor, macio e acolhedor; e tudo abaixo dele tem a mesma idade: temos todos 13 bilhões de anos de idade”.
HER foi considerado o melhor filme pela National Board of Review. Spike Jonze, também foi reconhecido pelo seu trabalho e levou um prêmio para casa. Além de Phoenix e de Scarlett Johansson, ainda que só de passagem, Amy Adams também faz parte do elenco.
Vencedor do Golden Globe de Melhor Roteiro, o filme tem, também, uma trilha sonora linda e pertinente.
São treze músicas instrumentais do Arcade Fire, e o filme recebeu indicações ao Oscar de Melhor Som e de Melhor Canção Original (William Butler e Owen Pallet devem receber o prêmio, por Song on the Beatch).
HER, que teve cinco indicações, também foi indicado aos prêmios de Melhor Filme, Melhor Direção de Arte, Melhor Roteiro Original.
A Academia pecou ao não indicar Joaquin Phoenix ao prêmio de Melhor Ator.
Aqui o álbum completo do Arcade Fire que é a linda trilha sonora de HER pra você se deleitar: https://www.dropbox.com/sh/181q1jbyb4iq8la/Nwz-AcpYQC
NYMPHOMANIAC- VOLUME I
13 de Janeiro de 2014, 0:58 - sem comentários aindaA gente sai do cinema depois de uma almejada sessão do gênio Lars Von Trier, não, espera... A gente não quer sair nunca mais do cinema depois que, subitamente, sobem os créditos avisando que está encerrado o Volume I de Nymphomaniac, mesmo com cortes visíveis e tendo que aguardar a continuidade do filme que, noticia-se, será em maio no Brasil.
Difícil expressar em palavras as impressões causadas pela direção meticulosa, que se faz presente em cada detalhe, na performance dos atores, na luz, no som, nas cores, nos gestos, ahhhhhhhh... Êxtase!
Dividido em capítulos, como já faz Lars há tempos em seus filmes, Nymphomaniac tem dois volumes com oito capítulos: The Compleat Angler, Jerome, Mrs. H, Delirium, The Little Organ School, The Eastern and Western Church (The Silent Duck) e The Gun.
Joe, (Charlotte Gainsbourg) é encontrada toda machucada e semi-inconsciente, deitada na rua, pelo velho Seligman (Stellan Skarsgard) que quer chamar uma ambulância, mas, diante da resistência de Joe, a leva para sua própria casa e lhe dispensa tratamento acolhedor.
Durante todo o Volume I, Joe está deitada, recuperando-se numa cama de solteiro, num cômodo da casa de Seligman, a ela dispensado, mas ali é, claramente, a representação de um divã, onde o velho ouve atentamente sua história desde a infância, repleta de culpas, onde ela se confessa uma ninfomaníaca desde criança.
Seligmaninterfere exatamente nos limites de um analista, sem perplexidade diante das histórias picantes relatadas por Joe, inclusive sua relação de desejo consumado por seu pai, interpretado lindamente por Christian Slater, que é o homem fraco da vez no Volume I de Nymphomaniac (em todos os filmes de Lars, há um personagem masculino fraco).
Diante dessa relação incestuosa, a mãe de Joe é descrita como uma mulher que “vira as costas e joga paciência”.
Enquanto Joe, na pele de Charlote Gainsbourg, conta as histórias para o velho Seligman, as cenas são revividas na interpretação da modelo Stacy Martin, a Joe adolescente.
Uma sucessão de personagens masculinos, ao melhor estilo Lars Von Trier, desfila diante de nossos olhos, a começar pelo moço que a deflora a seu pedido, passando pelos inúmeros amantes que a ninfeta viciada em sexo recebe em casa, com destaque para um que, acreditando no logro da jovem decide deixar mulher e filhos e se mudar para a casa de Joe, o que é tudo que ela menos quer, mas tinha usado isto como pretexto para descarta-lo.
Neste particular, impagável a cena em que o homem chega no apartamento de Joe com a mala, e, logo atrás dele estão os dois filhos e a esposa, vivida por Uma Thurman, que vieram juntos para entrega-lo ao “novo lar”.
Discurso impecável da esposa ferida, tentando fazer parecer natural sua “perda” e praticando atos de alienação parental diante dos filhos, histérica, a cena de humor negro na qual Uma Thurman está perfeita, rende uma amargurada vontade de rir, diante de toda aquela angústia que o filme vai nos despertando.
As questões da insaciável Joe vão sendo colocadas sob signos comparativos pelo velho Seligman, o que desperta ainda mais a sensação de uma sessão de terapia. Suas histórias sexuais são comparadas à pesca da truta, ao Número de Ouro de Fibonacci e à polifonia de Bach.
Dentro da narrativa de Joe, algo nos afasta das analogias matemáticas propostas por Seligman: é o tal “ingrediente secreto” do sexo, que aponta para o amor, na figura recorrente de Jerôme (Shia Labouef), o personagem colocado por Joe nas mais distintas situações fantasiosas (fantasiosas?), o “cara da mobilete” que a desvirgina friamente e que mais tarde aparece com outras roupagens, deixando o velho, e a nós todos, incrédulos sobre a veracidade de sua existência na história contada.
O que nos atinge como uma bofetada em Nymphomaniac ao seu final é a impossibilidade de amar, apesar do desejo.
“Eu não sinto nada”, confessa Joeao velho, após narrar a morte do pai, na qual a personagem chora por sua sexualidade através de uma cena que somente Lars Von Trier poderia idealizar, onde Joe se descreve “molhada” ao ver o pai morto na cama de hospital, que nos é mostrado por entre suas pernas abertas e de uma delas escorre lentamente uma lágrima.
Nem um riso jocoso no cinema durante todo o filme. Quem não suporta sai da sala em silêncio.
Sobem os créditos e você quer ficar ali até a última letra, mesmo diante do expediente “cenas dos próximos capítulos” que macula levemente o filme após o final do primeiro volume.
Sem Wagner, desta vez a trilha é hardcore, com destaque para a música "Fuhre Mich" do grupo heavy metal alemão Rammstein, que te sacode como um despertador para o filme:
O SONHO DE WADJDA (2012)
8 de Dezembro de 2013, 21:02 - sem comentários aindaEste filme não só é o primeiro filme produzido dentro da Arábia Saudita, como também o primeiro longa-metragem dirigido por uma mulher na história da Arábia Saudita.
Haifaa al-Mansour é o nome da poderosa.
Por incrível que pareça, o filme não pode ser exibido lá, pois a Arábia Saudita não dispõe de salas de cinema oficiais.
A Alemanha co-produziu o filme, comparecendo financeiramente, com ajuda das comissões de cinema de países como a Jordânia e Abu Dhabi e também do Sundance Institute e do Hubert Bals Fund, ligado ao Festival de Roterdã
Delicado, sem ser piegas, com um pé bem fincado na atualidade, Haifaa al-Mansour, que também assina o belo roteiro, dirige a garota Waad Mohammed, que estreia no cinema interpretando a garota Wadjda, de forma brilhante, trazendo-nos, ao mesmo tempo, uma história crua e sensível.
Através de Wadjda, uma garota de 12 anos que quer a todo custo uma bicicleta para apostar corrida com seu amigo, o garoto Abdullah, a diretora e roteirista Haifaa al-Mansour constrói um cenário que vai nos descortinando a opressão sofrida pelas mulheres naquele país.
Assim, vemos a mãe de Wadjda, interpretada pela bela atriz Reem Abdullah, sofrendo porque não pode mais ter filhos e seu esposo, por mais que ambos se amem, deve ter um filho homem, o que autoriza a família dele a lhe buscar uma segunda esposa.
Somos inseridos no ambiente escolar de Wadjda, composto obviamente de forma exclusiva por mulheres, onde existem transgressões adolescentes, assim como na sociedade ocidental, mas, desde a diretora da escola, passando pelas professoras e as próprias meninas, existe, em regra, um pacto profundo com tudo aquilo que as oprime.
Podemos acompanhar, também, a questão do trabalho feminino, de sua locomoção, da forma como devem falar baixo ("sua voz é sua nudez, você quer que os homens a vejam?" ensina a professora na escola), as dações em casamento, quando ainda são muito jovens, o desejo feminino reprimido, a vaidade restrita às paredes da casa, o ciúme masculino...
Mas o centro de tudo é mostrado a partir do desejo da menina, e Wadjda quer uma bicicleta.
Diante da negativa em lhe darem uma, pois isto não é coisa para meninas, imagine! Wadjda, que já tem habilidades em juntar dinheiro, se inscreve num concurso promovido pela escola para meninas sobre o alcorão, cujo prêmio é uma quantia significativa que lhe permitiria comprar uma bicicleta.
Linda a cena em que seu amiguinho Abdullah a vê chorando e lhe diz: "eu te dou a minha bicicleta" ao que Wadjda responde: "mas ai eu não teria quem me acompanhasse!" - insistindo em ter a sua própria bicicleta.
Vejam bem que a questão aqui não é, absolutamente a falta de dinheiro para ter uma bicicleta, mas sim a proibição de que uma menina pedale pelas ruas, sob pena, inclusive, de cair, se machucar e perder o bem mais precioso de uma mulher, que é a sua virgindade (!).
O filme foi exibido e premiado em festivais como Veneza, Roterdã e Abu Dhabi.
O final, assim como o filme todo, é lindamente simples e reflexivo.
Eu recomendo que você assista!
BEHIND THE CANDELABRA - MY LIFE WITH LIBERACE (2013)
2 de Novembro de 2013, 16:55 - sem comentários aindaFazia tempo que não postava nada aqui, mas hoje, após assistir MINHA VIDA COM LIBERACE, me deu vontade de escrever alguma coisa.
Uma produção da HBO Filmes, com direção de Steven Soderbergh (Traffic, Sexo, Mentiras e Videotape, Onze Homens e um Segredo, O Inventor de Ilusões, Erin Brockovich, uma Mulher de Talento, Side Effects, Che, Che 2 - A Guerrilha, Terapia de Risco, Kafka, entre outros).
Diz-se ser este o último filme de Soderbergh, que só aceitou o financiamento de um canal televisivo porque, pasmemos, mesmo com a grandiosidade do nome de Soderbergh e do elenco composto pelos monstros sagrados Michael Douglas e Matt Damon, os produtores cinematográficos consideraram arriscado o tema da homossexualidade, pano de fundo do filme.
Mesmo assim, o motivo anunciado por Soderbergh para esta parada (ainda que possa ser temporária), é de que vai se dedicar à pintura.
O filme é uma linda adaptação do livro “Behind the Candelabra: My Life With Liberace”, escrito por Scott Thorson, que viveu durante cinco anos com o pianista e showman Liberace, uma das figuras mais populares do Show Business entre as décadas de 50 e 70, conhecido tanto pelo seu virtuosismo, quanto por sua forma excêntrica de ser e de viver.
Conta-se a história de como Scott foi apresentado a Liberace, em meados dos anos 70, iniciando uma história conturbada de sedução, amor e dependência.
Scott tinha uma carente história familiar, era órfão e já passara por vários lares adotivos. Encontrou em Liberace um provedor, um pai, um irmão, um amor, que, como parecia ser seu comportamento costumeiro com os jovens, seduziu-o com sua riqueza e com propostas de adoção e testamento a fim de que Scottpermanecesse amparado após a sua morte.
Tudo terminou com uma ação de indenização, proposta por Scott em face de Liberace, em 1982, argumentando a promiscuidade do pianista e a sua própria dependência de drogas, que teria sido provocada pelas cirurgias plásticas que Liberace o forçara a fazer.
Aliás, Liberace o convencera a fazer uma mudança em seu rosto, para que Scott pudesse ficar o mais assemelhado possível a ele, Liberace.
O processo terminou com um acordo. Liberace não tinha a menor coragem de sair do armário e seus assessores estavam sempre cuidando em colocar na mídia a imagem dele com um homem que estava em busca da mulher ideal.
Ao final, em tempos nos quais perdíamos Rock Hudson pra o vírus HIV, Liberace telefona para Scott a fim de saber se ele estava bem de saúde, rogando por uma visita, pois estava à beira da morte.
Scott (que não tinha o vírus HIV) o visita, amorosamente, e aceita seu pedido de perdão.
Ainda que a causa da morte tenha sido assinada por um médico como infarto, médicos de um departamento de saúde americano investigaram e rapidamente revelaram a verdade, que Liberace morrera por complicações causadas pelo vírus HIV.
Até ai uma história qualquer, interessante, mas mais ou menos banal e corriqueira na Hollywood daqueles (e de outros) tempos.
Acontece que a interpretação de Matt Damon como Scott Thorson e de Michael Douglas como Liberace são simplesmente E-X-T-R-A-O-R-D-I-N-Á-R-I-A-Se absolutamente impressionantes!
Vale o filme! Vale a direção de Steven Soderbergh! Mas a atuação de Matt Damon e, ainda muito mais, a de Michael Douglas valem uma vida!
O filme levou oito Emmys, das 15 indicações que teve, nas categorias voltadas a minisséries e filmes para a televisão: elenco, direção de arte, edição, hairstyling, mixagem de som, figurino, fotografia, maquiagem com prótese e maquiagem sem prótese.
"Minha Vida Com Liberace" levou o Emmy de Melhor Filme para TV e Michael Douglas o de Melhor Ator de Minissérie e Filme.
Imagina na Copa! Digo, no Oscar...
O produtor cinematográfico que se arrependeu põe o dedo aqui, que já vai fechar!