FROZEN (2013) - a subversão do conto de fadas
8 de Fevereiro de 2014, 21:40 - sem comentários aindaUma animação contemporânea, finalmente!
Frozen é um conto de fadas que fala de amor.
Frozen é um conto de fadas que fala de amor.
Até ai nenhuma novidade.
Acontece que Frozen já começa desconstruindo os arquétipos da Imperatriz e do Imperador, fazendo desaparecer o rei e a rainha logo no início da animação, mas, não sem antes deixá-los posicionados em relação às duas filhas que têm.
Frozen parte, portanto, de um ponto para um pouco além do momento em que os pais tratam de forma diferente duas irmãs e, como no mito de Narciso, negam-lhes o conhecimento a respeito de si mesmas, encerrando-lhes num cenário obscuro, de portas cerradas e cortinas fechadas para o mundo.
Para além do rei e da rainha, Frozen se inicia mesmo a partir do amor entre duas irmãs.
Sim, para felicidade geral da nação, há príncipes em Frozen! Ao menos um príncipe titulado, que, depois se vê, é um sapo, e há também um sapo que acaba virando príncipe, mas a animação vai mesmo é na toada das menininhas.
Há também o apaixonante Olaf, o assexuado boneco de neve que funciona como uma espécie de “grilo falante” da história do Pinóquio, uma consciência reflexiva, só que muito mais ingênua e romântica e, até, nesse aspecto, uma consciência muito mais feminina do que o rígido e masculino grilo da outra história.
Os meninos coadjuvam a história! Os heroicos atos de bravura e heroísmo em favor de si próprias são praticados mesmo é pelas mulheres e qualquer semelhança com a realidade certamente não terá sido mera coincidência.
Isto porque as verdadeiras heroínas do filme não ficam esperando pelos desajeitados meninos e assumem seus poderes, sem, entretanto, renunciar ao aconchego e ao prazer da companhia masculina.
Uma delas, né, por que a outra irmã (a mais diferentona!) parece mesmo não dar pista sobre se deseja ou não a companhia de um príncipe ao seu lado. Em última análise, é a representação da mulher que escolhe viver só, diante dos imensos poderes que tem e os quais não consegue controlar, por desconhecer-se a si mesma.
E é por isso que o filme é sensível! Por que tem a irmã hetero, tem a que parece não ser hetero, tem o príncipe malvadão que parece ser bonzinho, sabe, aquele que te jura amor eterno, mas só estava era de olho no teu trono?, tem o homem comum e desajeitado que na verdade é um príncipe... Enfim, toda diferença em Frozen é respeitada com carinho, até a subversão da ordem relativa ao complexo de cinderela!
A questão do gelo, do coração congelado que só pode ser curado por um ato de amor verdadeiro, ato este que advém, ao final, de um amor diferente daquele preconizado pelos contos de fadas que ouvimos e assistimos até hoje, e ai está a maior beleza de Frozen, na ousadia de mostrar as coisas como são e não como foram um dia!
A grande riqueza de Frozenestá no fato dessa subversão da ordem posta ter sido trabalhada de modo tão extremamente harmônico e agradável, abrigando e agregando tudo em si, ao tempo em que demonstra e faz sentir uma verdade insofismável sobre o fato de as mulheres terem assumido seu próprio destino como consequência natural da vida, a despeito dos paradigmas arquetípicos.
Em Frozen, as mulheres assumem seu próprio destino com graça, leveza e beleza, sem destituir o masculino, apenas parecendo compreender os elementos presentes na construção do masculino, assim como o ser feminino ali é naturalmente compreendido, sem restrições, chacotas ou jargões.
Os trolls, criaturinhas mágicas da animação, que ocupariam o papel do “divino” na história, mesmo sendo aqueles a quem se busca em procura de ajuda para o que não se pode resolver humanamente (ou contodefadísticamente), também não são detentores do poder absoluto; estão sempre ali, em forma de pedras e convivem harmonicamente com quem os procura, sem impor medo ou temor, ainda que, como dito a certa altura: “todo mundo precisa de algum reparo”.
Sim, “todo mundo precisa de algum reparo” e essa é a ideia central de Frozen, ao lado da coisa do amor verdadeiro: somos seres imperfeitos em constante evolução.
“Todo mundo precisa de algum reparo”, mas, convenhamos, Frozen é irretorquível!
Frozen tem duas indicações ao Oscar 2014: Melhor Longa de Animação e Melhor Canção Original.
O LOBO DE WALL STREET (2014)
8 de Fevereiro de 2014, 21:26 - sem comentários aindaO mais perfeito nome para este filme seria, na verdade, “O que terá acontecido com Martin Scorsese?”
Talvez porque a nova invenção do Scorsese seja mesmo dirigir filmes para ganhar prêmios em Hollywood, talvez porque eu tenha entrado para ver o lobo logo após ter saído da sala de cinema da águia Lars Von Trier com sua Nymphomaniac, mas a verdade é que o que vi ali, em O Lobo de Wall Street, foi um filme milimetricamente planejado para ser premiado na academia, nada mais.
O que espantou mesmo é ser um filme de Scorsese.
Olhando bem, não deveria espantar tanto, pois em 2012 Scorsese já trouxera ao mundo “A Invenção de Hugo Cabret”, feito para ganhar prêmios na Academia – e ganhou cinco.
George Clooney fez muito melhor em TUDO PELO PODER (2012), ainda que a temática fosse outra.
A fábrica de Scorsese já tem no prelo, para 2014, o filme Silence, cuja sinopse é “Século XVII. Dois padres jesuítas viajam até o Japão, onde precisam investigar acusações de perseguição religiosa” - dessa vez sem Di Caprio, e para 2015 o filme de suspense “The Snowman”, cujos atores ainda são desconhecidos.
O Lobo de Wall Street é uma adaptação do livro de “Memórias de Jordan Belfort”. Tá, dói saber que a história é real e que Belfort foi um vigarista financeiro americano que foi investigado pelo FBI até ser preso e entregar todo mundo por uma pena menor.
Mas o pior de tudo é a forma como o filme nos apresenta “O Lobo” em seu envolvimento com drogas, prostitutas e as transações de seu mercado de ações paralelo, num ensandecido culto ao dinheiro, que parece ter como objetivo continuar sendo apreciado após o final do filme, por quem com ele se identifica.
Jordan Belfort é o cara que representa “o guia”, “o pastor”, “o lobo” que conduz as pessoas que estão com ele à ética da prosperidade americana, sem se importar com os meios, desde que o final “ganhar dinheiro” seja alcançado.
Nisto, temos que admitir que Scorsese consegue nos passar bem a sensação de que toda aquela loucura que está ao redor de Jordan é, na verdade, fundada no mesmo princípio em que se assentam algumas igrejas e seitas, assim como se assentou o Estado norte-americano em sua ética protestante que sempre girou ao redor do dinheiro.
O filme é delirante, é certo, Jordan, após ingressar como corretor no mercado de capitais, vai da extrema perda ao ápice da fortuna aproveitando oportunidades paralelas ao mercado oficial sem dar a menor satisfação à Comissão de Valores Mobiliários e se tornando um lobo poderoso, na medida em que também torna ricos os homens que treinou para comandar este mercado.
No mais, é aquela impressão de eu já vi essa luxúria toda em “Cassino” (do mesmo Scorsese) e, ao final, a sensação de que o crime compensa e de que talvez Jordantenha feito mesmo atos de humanidade ao enriquecer-se e enriquecer pessoas ao seu redor.
Vi um pessoa tirando os óculos e limpando as lágrimas numa cena em que Jordan faz um dramalhão à frente de sua bolsa de valores paralela, a Stratton Oakmont, perante as centenas de “corretores” que tinha, com o microfone na mão, dizendo que ajudou uma corretora, que quando chegou para ele estava com o aluguel atrasado e um filho de oito anos pra criar e hoje vestia ternos Armani de três mil dólares e tinha uma Mercedes (amém, irmãos? Amém!).
Eu não chorei, só ri! Aliás, ri muito diante de cenas pastelões do patético Jordan e seu sócio e estranho amigo Donnie Azoff, interpretado pelo excelente Jonah Hill, extremamente drogados e caricatos. Aliás, nessa linha comédia besteirol, o filme tem lá o seu mérito.
Di Caprio e Jonah Hill estão muito bem como atores e não me surpreenderia uma indicação para melhor ator e coadjuvante ao Oscar deste ano. Aliás, Di Caprio, como está maduro e bonito e pleno!
Ao final, a sensação é de que Scorsese glorificou mesmo os crimes financeiros de Jordan, absolvendo-o como absolvido devem ser os Estados Unidos da América e como absolvido deve ser (deve?) Scorsese por se preocupar tanto em fazer apenas um filme comercial, quando a gente sabe que o grego pode dar muito mais que isso.
Mais que isso, a certeza de que o filme sublinha um tratamento da mulher como objeto e um culto ao machismo como coisa extremamente natural, com a qual Scorsese não precisaria compactuar, mesmo que quisesse se manter fiel ao livro. Para isso servem os bons diretores.
A falta da catarse aristotélica ao final, tão necessária num filme como este, me soa como algo perigoso para o mundo que absorve o que vê sem criticar.
Tá, Di Caprio e Jonah Hill valem o filme!
12 YEARS A SLAVE (12 ANOS DE ESCRAVIDÃO) – 2013
8 de Fevereiro de 2014, 21:01 - sem comentários aindaForte favorito ao Oscar de Melhor Filme em 2014, 12 Anos de Escravidão baseia-se na história real escrita em 1853 por Solomon Northup, um homem negro, livre, que tinha uma bela família e gozava de excelente posição social em sua comunidade, ao norte dos Estados Unidos, mas foi escravizado após ter sido atraído por uma falsa proposta de trabalho.
Solomon era músico, violinista, e acabou sendo enredado por pessoas que se diziam apreciadoras de seu trabalho e queriam contrata-lo, mas reduziram-lhe a um escravo, levado para longe de sua família e comercializado em um mercado juntamente com outros escravos, ainda que fosse um homem livre.
Os fatos se passam em 1941 e Steve McQueen, que também é um homem negro, nos oferece um filme de grande beleza e sensibilidade; um drama pungente que nos comove e choca.
Steve McQueen é um dos indicados ao Oscar de Melhor Direção.
A interpretação de Chiwetel Ejiofor faz de Solomon Northup é perfeita e a indicação ao Oscar de Melhor Ator pelo papel é acertada.
Algo no filme, entretanto, deixa na boca um sabor amargo em relação ao tema... Há, em 12 Anos de Escravidão, uma espécie de afirmação sub-reptícia em relação à subserviência da alma no negro.
Solomon Northup, ao longo do filme, vai se despindo de sua condição de homem livre e de seus atributos aristocráticos e se vestindo com a condição de escravo de um modo muito tocante e servil.
É certo que, em se tratando de uma história real, escrita pelo próprio Solomon, talvez não tenha restado muito a fazer por Steve McQueen neste sentido, mas, o grande pecado do filme é manter a passividade de Solomon como um homem vitimizado, que vai aceitando seu flagelo e cujas resistências se desarmam a cada nova chibatada e sofrimento.
E por falar em sofrimento, Michael Fassbender está glorioso na pele do fazendeiro que lhe impinge os maiores sofrimentos e merece muito o prêmio de Melhor Ator Coadjuvante para o qual foi indicado.
John Ridley assina o roteiro e declarou que o escreveu de graça: “Não havia orçamento definido para produzir o longa, então eu disse que encararia como um projeto experimental, o que significa que trabalhei de graça”. Porque mistérios insondáveis isto terá influenciado na submissão de Solomon em seu roteiro, somente Freud poderia explicar...
Destaque importante também para Lupita Nyong'o na pele da frágil escrava, Patsey, preferida sexual do fazendeiro exposta ao sadismo de sua esposa e aos ataques violentos do senhor de escravos. Lupita é estreante, mas tenho a impressão de que ainda ouviremos muito seu nome. Sua participação no filme lhe rendeu a merecida indicação ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante.
Quando tudo termina, mesmo com a catártica libertação de Solomon e seu reencontro com a família, fica aquela desagradável sensação de submissão humana, aquela a qual nos sujeitam e a qual, também, estranhamente, nos deixamos sujeitar.
Ah, Brad Pitt faz uma ponta no final do filme, como o advogado canadense que ajuda Solomona recuperar sua liberdade. É uma bela ponta.
12 Anos de Escravidão tem 9indicações ao Oscar de 2014: Melhor Filme, Diretor, Ator (Chiwetel Ejiofor), Ator Coadjuvante (Michael Fassbender), Atriz Coadjuvante (Lupita Nyong'o), Roteiro Adaptado (John Ridley), Figurino, Montagem e Design de Produção.
THE BUTLER (O MORDOMO DA CASA BRANCA) - 2013
7 de Fevereiro de 2014, 22:13 - sem comentários aindaNão consigo compreender porque O Mordomo da Casa Branca ficou fora da disputa pelo Oscar sendo um filme completamente americano, como é.
Inspirado na história verídica de Eugene Allen, o mordomo que trabalhou na Casa Branca durante 34 anos (entre 1952 e 1986) e que no começo do filme é um garoto negro que vê seu pai escravo ser assassinado na fazenda de algodão após o estupro de sua mãe pelo senhor de escravos, o filme é uma ode americana aos direitos civis.
Oprah Winfrey (A Cor Púrpura) está perfeita no papel de Gloria, a esposa de Eugene, que no filme recebe o nome de Cecil Gaines (vivido por Forest Whitaker, e merecia uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz).
O filme tem ainda, em papeis secundários, Vanessa Redgrave como a matriarca da fazenda de algodão, Robin Williams como Eisenhower, John Cusack como Richard Nixon, Jane Fonda como Nancy Reagan, além de Cuba Gooding Jr., Terrence Howard, Lenny Kravitz e a cantora Mariah Carey.
O diretor Lee Daniels foi fartamente criticado por ter feito um dramalhão, com trilha sonora manipuladora e absurdos como sugerir que conversas tidas entre o mordomo e alguns presidentes americanos possam ter influenciado decisões destes.
Entretanto, The Butler me parece mais libertador e construtivo do que 12 Anos de Escravidão que, até agora não entendi porque, recebeu 09 indicações ao Oscar.
Explico: em The Butler temos um paradoxal comportamento entre o Mordomo e seu filho Louis (David Oyelowo). O pai, após o assassinato de seu pai na infância, fora levado para dentro da casa e treinado para servir aos brancos sem ser notado.
Mais tarde, como mordomo da Casa Branca, fora advertido de que não poderia ter preferências políticas “não se admite política na Casa Branca!”. É, portanto, um negro passivo, não resistente às questões raciais que flamejam em seu país à época dos fatos.
Mesmo assim, pacificamente, anualmente se dirige ao gestor dos mordomos na Casa Branca e repete o aviso de que os negros precisam receber como os brancos pelo mesmo trabalho que desenvolvem ali e ter algumas chances de progredir, ainda que saiba que a resposta sempre será algo como “ponha-se no seu lugar”.
Pois bem, o filme recebe críticas ferozes por sugerir que algumas conversas entre presidentes americanos e o mordomo poderiam ter influenciado seus discursos em dados momentos, e eu pergunto: por que não?
A “passividade” do mordomo mais se assemelha a não-resistência proposta por Gandhi do que a submissão do personagem escravizado em 12 Anos de escravidão.
É certo que há um grande conflito entre o mordomo e seu filho Louis, que vai por um caminho de extremo ativismo racial, militando nas colunas de Martin Luther King e Malcon X, sendo constantemente aprisionado e espancado, mas sem desistir de sua luta, jamais se rendendo a imposição de não-resistência do pai.
Mas ao final, a despeito de todo o mega aparato utilizado por Lee Daniels para descrever este longo e crucial período da história norte americana, e apesar de seu excesso de didatismo, o filme traz a identificação da imensa importância dos dois tipos de luta: a aquela que se dá de modo intensamente ativo e a que se dá através da não resistência, mostrando o quanto ambas têm papel fundamental na transformação das coisas.
Em 12 Anos de Escravidão, ao contrário, fica na boca um amargo sabor de submissão e mais nada.
THE BROKEN CIRCLE BREAKDOWN (2013)
2 de Fevereiro de 2014, 19:50 - sem comentários aindaThe Broken Circle Breakdown (O Círculo Quebrado) é o filme belga, dirigido por Felix Van Groeningen, que concorre ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2014.
Este é somente o quinto trabalho de Felix Van Groeningen, de 36 anos, e o filme já ganhou muitas premiações na Europa.
É um filme forte e denso, que fala sobre a vida e a morte de forma intensa e crua, porém bela.
Johan Heldenbergh vive Didier, um cantor ateu country e sua história de amor com Elise, interpretada por Veerle Baetens, que também é cantora. A interpretação de ambos é simplesmente bárbara e arrebatadora!
Na linha natural da vida, ambos se apaixonam, se unem e têm uma filha. A criança, vivida pela menina Nell Cattrysse, completa o trio de atores magníficos que torna o filme ainda mais significativo pela capacidade que têm, juntos, de nos transportar para as dores da existência e nossas questões humanas mais cruciais.
O próprio Johan Heldenbergh escreveu a peça na qual o filme se baseou.
É a história de Didier e Elise, o originalíssimo casal, ele um vaqueiro que toca banjo num quinteto, ela uma tatuadora, que após se unir a ele passa a se dedicar à interpretação de música country no mesmo grupo musical.
Elise engravida acidentalmente e a vida segue seu curso até que de repente o casal se confronta com o luto: Maybelle, a filha que tiveram está com leucemia aos seis anos de idade.
O círculo da vida está quebrado. Como quebrar o círculo da morte?
O modo como Van Groeningen trabalha com os mecanismos da raiva e da dor é simplesmente perfeito! Aqui a morte vai chegando, mansa, e, ainda que pareça nos dar trégua em algum momento, ela está ali, implacável, sob a exímia regência de Van Groeningen.
Elise tem crenças, mas Didier está certo de que a morte termina com tudo.
Elise tem seus sonhos tatuados por todo o corpo e pergunta a Didier, quando se conhecem, se ele não tem nada na vida que valeria colocar em seu corpo. Ele diz que sim, mas não precisa tatuar...
Neste diálogo, uma das coisas que ele confessa amar é a América, devaneando sobre o fato de ser um lugar onde as pessoas podem recomeçar suas vidas quando quiserem.
Mais tarde, após a morte da filha, num dado momento em que Didier vê Bush na televisão dizendo que vetou as pesquisas com células tronco por questões éticas “relativas ao Criador”, então seu sonho americano se desmorona e vemos um Didier proferindo o seguinte discurso em estado de crescente indignação:
“Durante meses ficamos rodeados de células estaminais e tivemos a sensação de que a ciência médica não estava indo longe o suficiente. Que tenha sido posto um freio. É um sentimento que você não consegue explicar e seu filho morre e então você ouve um bastardo como esse que tem retardado tudo durante anos por motivos religiosos”.
Elise então lhe interrompe para dizer: “Didier, isso é a América! Aqui é permitido, mas lá eles ainda não chegaram a esse grau de evolução”.
Didier, crescendo em dor e inconformismo, repete a pergunta: “Por que esses idiotas vêm retardando tudo durante anos?”
E segue, numa crescente raiva: “Mas o que lhes dá o direito de fazer isso? Eles se autodenominam ‘pró vida’... A tecnologia deles para matar pessoas não conhece limites, mas quando se trata da tecnologia para curar pessoas é outra história. Tudo porque os embriões são cultivados fora do casamento. Embriões do tamanho de uma cabeça de alfinete! Canalha hipócrita! Pró vida uma ova! Bando de fundamentalistas extremistas, enfiem sua cruz no rabo ao lado de seu cérebro. Maldição! O mundo inteiro está obcecado com religião. O mundo inteiro ficou louco”.
Apesar da profunda verdade inserida nas palavras de Didier, ele só está buscando alguém a quem culpar pela morte da filha e é nesta toada que o filme se desenrola; Elise tenta culpar Didier que tenta culpar a América, mas ambos estão, na verdade, o tempo todo lidando com as próprias culpas.
E essa dinâmica é realizada com muito talento por Van Groeningen.
O filme emociona, e muito, ainda que não haja manipulações emocionais.
Se peca em algo é no excesso de músicas do quinteto de Didier, onde Elise também é solista, mas as músicas são ótimas e a performance musical do grupo, bem como a voz suave de Veerle Baetens, que interpreta Elise são deliciosas.
A cena final fica pra sempre gravada no coração, mas eu não vou contar, porque já tem gente bastante reclamando desse negócio de eu sempre contar o filme inteiro. Assista.