A destruição, além do físico
September 3, 2018 10:04Raphael Kapa
O incêndio que destruiu o Museu Nacional/UFRJ na noite de domingo, dia 2, levou consigo muito mais do que um prédio histórico que abrigou a família real.
Aliás, desde quando se transformou em Museu Nacional, a instituição fazia questão de se apresentar como um espaço de produção e exposição de ciência.
Quem visitasse esperando um trono real de D. João VI sairia desolado. Poucas referências à presença dos imperiais apareciam em seus corredores. Ainda assim, indiretamente os antigos moradores estavam presentes na exposição.
A cadeira real do antigo imperador do Brasil não estava ali, mas outro trono tinha destaque no acervo. Era do rei Adandozan, do reino de Daomé (atual Benin), na África, e que foi dado em 1811 para Dom João VI como uma prova da boa relação que o reino português – recém-fugido para o Brasil – queria manter com este povo.
Uma peça que contribuiu nas relações diplomáticas que consolidaram na trágica história escravista do país.
Muito perto deste trono também havia um manto real. Novamente, não era da família portuguesa. Era um presente, cheio de plumas, do rei Tamehameha II, das ilhas Sandwich (atual Havaí) ao imperador D. Pedro I.
A possível perda destes itens configura um vazio no entendimento de uma relação entre o Brasil e povos estrangeiros que até hoje não é tão exposta ao grande público. Em um museu com uma entrada de R$ 3, ela se tornava mais difundida.
As tão comentadas exposições de Grécia, Roma e Egito também tiveram seu surgimento atrelado às aquisições da família real. D. Pedro, por exemplo, comprava múmias de mercadores para sua coleção particular.
Seu filho, D. Pedro II, chegou a fazer expedições ao Egito para comprar mais. Dentre as adquiridas, existe uma cujo processo de mumificação é bastante raro: cada parte do corpo é enrolada de forma que se possa identificar dedos, braços e pernas.
Somente outras seis no mundo obedecem a essa lógica. Uma peça cuja preservação é de interesse mundial e que atravessou milhares de anos.
Já a imperatriz Teresa Cristina contribuiu com a exposição de Grécia e Roma ao ter expostos os vasos etruscos que tinha comprado. São peças que detalhavam hábitos cotidianos de povos da península de Itálica de uma época anterior ao nascimento de Jesus Cristo. Ao contrário do que muito foi escutado na cobertura do incêndio, o acervo do Museu Nacional transcende os seus 200 anos.
A exposição era muito mais do que as peças adquiridas pela família real. Aquele prédio também era uma instituição de produção de conhecimento. Estavam ali os fósseis de Luzia, a mais antiga moradora de nossas terras e que mudou a percepção sobre o deslocamento da humanidade da África até a América.
É também o museu que fez importantes descobertas paleontológicas e se transformou em um dos principais centros de estudo na América Latina. São dezenas de pesquisadores que perdem completamente suas pesquisas. O prédio, tombado como patrimônio público, poderá ser reerguido. Não será como antes, infelizmente.
Ainda assim, irrecuperáveis serão as peças e pesquisas que, porventura, forem destruídas. Surgirão lacunas na já tão complicada forma como narramos e lidamos com o nosso passado e um atraso cientifico que impedirá a produção de conhecimentos futuros. (Agência Brasil, foto de Tânia Rego/ABr)
Raphael Kapa é jornalista, historiador, doutorando em história pela UFF e trabalhou como instrutor na exposição do Museu Nacional por seis anos
O mercado fonográfico e a nova tendência de reprodução, distribuição e difusão digital no Brasil
September 1, 2018 9:37Daniele M. Garcia
Com a queda progressiva e anual da prensagem de discos e CDs, o mercado fonográfico brasileiro também se reinventou gradativamente, e novas formas de veiculação e distribuição de mídia têem se reafirmado de maneira positiva, com grande retorno e aceitação mercadológica, prometendo ser uma grande tendência para as próximas décadas. As vendas de CDs físicos tiveram declínio na média mundial de 5,4%, enquanto no Brasil, em que o mercado varejista diminuiu ainda mais, a queda verificada foi mais de dez vezes maior, de 56%.
As gravações e o processo de produção musical nunca estiveram tão fortes, pois as obras de uma coletânea agora podem ser adquiridas por download, via aplicativos tradicionais, como Itunes, Google Play, ou via streaming, ligados à telefonia móvel, como Spotfy, Deezer e outros.
O mercado diminuiu a prensagem, mas em contrapartida, aumentou a produção fonográfica.
Segundo dados de “O Estado de S. Paulo” (24/4/2018), “graças ao streaming, o mercado fonográfico brasileiro cresceu 17,9% em 2017 na comparação com 2016.” Os dados foram publicados pela Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI) e pela Pró-Música Brasil – Produtores Fonográficos Associados. Ainda segundo o artigo, “a maior adesão a plataformas como Spotify, Apple Music e Deezer fez com que o avanço do streaming no Brasil fosse de 64% ano passado; no mundo (onde os assinantes já somam 176 milhões de pessoas), foi de 41,1%.”
Dessa forma, o acesso ao consumo dos produtos artísticos também se modificou. Cada faixa (fonograma) também é considerada uma obra individual (assim como na situação de prensagem), mas com o diferencial da possibilidade de ser adquirida individualmente, via download ou streaming, gratuito ou pago.
Em contrapartida a essa nova tendência, o conceito de disco, CD ou coletânea, que compreende o conjunto de faixas de um mesmo trabalho, ainda existe, daí a necessidade de uma identidade visual (encarte) que identifique e exiba informações sobre a obra. O mercado fonográfico tem deixado de prensar CDs e singles, mas não de investir em uma imagem de qualidade, que identifique e possa caracterizar e difundir a obra fonográfica.
O que mudou no custo final para o mercado fonográfico é a ausência de prensagem, mas a ainda necessária produção de encarte digital contendo as informações da obra e adequado para difusão nos meios de download e streaming. Sua imagem reduzida será associada a cada faixa e identificando a que trabalho ela pertence, além do ISRC, código que nacional e internacionalmente continua validando todos os fonogramas produzidos.
Na necessidade de um produto físico, há ainda a alternativa de brindes digitais, como cartões promocionais pendrive, feitos em quantidade diminuta e de acordo com as necessidades de cada empresa. A identidade visual do trabalho pode ser impressa diretamente nesses cartões e as faixas inseridas no produto.
Em resumo, a gravação e produção musical (processo independente da prensagem) segue pelas mesmas etapas de antes, mas da seguinte forma:
♪ Cada faixa ainda recebe um código específico (ISRC) emitido pelo Selo Fonográfico (CDWB) e autorizado pela filial ECAD a que o selo se encontra associado.
♪ O processo de gravação continua o mesmo, até a etapa final de entrega de máster (prova definitiva), que pode ser feita alternativamente por pendrive, cartão de memória, upload em nuvem, HD virtual ou externo, e não necessariamente em CD master.
♪ A aquisição do produto pode se dar de forma fragmentada (faixa por faixa), individualmente, ou o conjunto total da obra ( faixas + encarte informativo) via plataformas de download, streaming, portal, site ou link que o detentor da obra autorizar e publicar.
Dessa forma, espero ter proporcionado um panorama geral das tendências do mercado de gravação, assim como a real viabilidade da produção fonográfica, em constante resignificação e em acordo com as práticas atuais e as novas mídias de reprodução e difusão da música. A gravação vive,
(Daniele M. Garcia é mestre em música Pela UNESP, coordenadora do Espaço Musical Sintonia, artista e produtora do Migrassom)
Uma canção sobre a esperança
August 31, 2018 10:07Carlos Motta
Houve um tempo em que a esperança pairava sobre os brasileiros.
Tênue, frágil, mas ainda esperança.
E nesse tempo os poetas se deixavam embalar pelo doce som da palavra - e o que ela significava.
E faziam versos, lapidavam rimas, compunham canções que apanhavam no ar fresco e leve de um país jovem e rico - rico porque tinha esperança.
Agora, nada resta, tudo se foi, levado pelo ódio de homens sem coração, sem alma e sem esperança.
Ficam, porém, na memória do povo alguns versos, algumas rimas, algumas melodias que sobreviveram à catástrofe e ajudam a aplacar as dores da existência.
Como essa maravilhosa "Tom Maior", do sensível poeta Martinho José Ferreira, o da Vila, a Vila Isabel de tantos outros poetas populares.
A música foi composta, explica o autor, para homenagear as mães.
Mas é também uma ode à esperança - esse sentimento tão em falta hoje em dia.
https://www.youtube.com/watch?v=Lq1G3oR-ek0
Está em você
O que o amor gerou
Ele vai nascer, e há de ser sem dor
Ah! Eu hei de ver
Você ninar e ele dormir
Hei de vê-lo andar
Falar, sorrir
Ah! Eu hei de ver
Você ninar e ele dormir
Fazê-lo andar
Falar, cantar, sorrir
E então quando ele crescer
Vai ter que ser homem de bem
Vou ensina-lo a viver
Onde ninguém é de ninguém
Vai ter que amar a liberdade
Só vai cantar em tom maior
Vai ter a felicidade de
Ver um Brasil melhor
Porcelana europeia ganha exposição
August 30, 2018 10:30A Casa-Museu Ema Klabin, em São Paulo, promove de 1º de setembro a 16 de dezembro a exposição “Porcelana europeia da Coleção Ema Klabin”. Com curadoria do arquiteto Paulo de Freitas Costa, a mostra apresenta 39 peças raras das manufaturas de Sèvres, Berlim, Viena, Meissen, Limoges, Coalport, entre outras.
Como tantos colecionadores, Ema Klabin deixou-se seduzir pelo fascínio e sofisticação da porcelana, presente na decoração de todos os ambientes de sua casa. Desse conjunto, a porcelana chinesa de exportação possui o maior destaque, já que muitas peças pertenceram aos serviços trazidos por D. João VI em sua chegada ao Brasil em 1808.
Paralelamente, porém, Ema também reuniu uma representativa coleção de porcelana europeia, que abrange desde itens de colecionador, até peças de caráter sentimental – compradas em sua juventude¬ ou herdadas de sua mãe – além dos serviços de uso efetivo nas festas e no dia a dia da casa. As peças de maior valor eram originalmente expostas em dois nichos no fundo da sala de jantar, cobertas por painéis de Mestre Valentim, enquanto as demais eram guardadas em um grande guarda-louças na passagem para a cozinha.
“Esta exposição pretende inverter essa ordem ao ocupar os ambientes sociais da casa com uma seleção de 39 peças das manufaturas de Sèvres, Berlim, Viena, Meissen, Limoges, Coalport, entre outras, buscando narrar a fascinante história da porcelana europeia que, além dos aspectos estéticos e funcionais, muito pode nos revelar sobre o espírito de uma época, seus hábitos e costumes”, explica o curador da mostra e também da Casa-Museu Ema Klabin Paulo Costa.
Origens da porcelana
Acredita-se que a primeira peça de porcelana a chegar a Europa tenha sido um pequeno vaso branco trazido por Marco Polo em 1295, junto com sua carga de sedas, perfumes e especiarias. A ele também se atribui a denominação “porcelana”, derivada do nome de um tipo de concha marinha - porcella -, que possui a mesma brancura, translucidez e brilho das peças que tanto o encantaram em sua viagem à Ásia.
Apesar de algumas peças de porcelana terem chegado à Europa pelos tortuosos caminhos da rota das sedas, o comércio em grande escala para o mercado europeu só teve início em 1557, durante a dinastia Ming (1368-1644), quando os portugueses conseguiram permissão para se estabelecer em Macau, de onde começaram a trazer peças de porcelana azul-e-branca, que passariam a ser conhecidas pelo nome desse porto de exportação.
A leveza do material e a qualidade de sua decoração logo despertaram grande interesse, gerando intenso comércio de porcelana com a Ásia, impulsionado, no início do século XVII, pela criação das Companhias das Índias Orientais. A aristocracia europeia logo foi tomada pela “doença da porcelana”: só pelos portos dos Países Baixos, foram importadas três milhões de peças entre 1604 e 1654.
Serviço
Exposição - Porcelana europeia da Coleção Ema Klabin
Curadoria: Paulo de Freitas Costa
Abertura: 1º de setembro, às 14h
Período: 1º de setembro a 16 de dezembro – De quarta a domingo, das 14 h às 17h
Entrada: Grátis nos fins de semana e feriados. De quarta a sexta o ingresso custa R$ 10,00 (inteira) e R$ 5,00 (meia)
Horário: Das 14h às 17h (com permanência até às 18h), sem agendamento.
Fundação Ema Klabin:
Endereço: Rua Portugal, 43, Jardim Europa - São Paulo. Tel: 55 11 3897-3232
"Kafka português" chega ao palco em SP
August 30, 2018 10:18“Um soco no peito.” Assim o diretor André Abujamra define "Matteo Perdeu o Emprego", da Cia dos Tios. “Tem alguma comédia embutida dentro dessa tragédia, sim, mas para mim chega a ser triste”, explica ele. “O homem é uma experiência que não deu certo”, reflete.
Nessa adaptação do texto do escritor português Gonçalo Tavares, três atores têm de dar conta de um total de 26 personagens, que vão se encadeando na narrativa – o que não significa que eles estão conectados, ao contrário. “Quanto mais conexão a gente tem e mais velocidade de internet, menos conexão temos com a vida real”, diz o diretor.
No palco, Armando Liguori Jr., Paulo de Moraes e Ricardo Sequeira interpretam as manias e neuroses de seus personagens, que vão do desempregado do título ao homem que visita um bordel com uma bateria de 40 quilos conectada ao coração. Mas se o texto original já era “maluco”, nas palavras de Abujamra, a montagem acabou mergulhando nesse espírito e, ao narrar a história de um colecionador de baratas, por exemplo, a opção foi contá-la a partir do ponto de vista do inseto.
“O autor já foi considerado por revistas especializadas o Kafka português, então a ideia era pertinente”, explica Liguori Jr., que interpreta a barata. Na peça, optou-se por retratar o inseto como a única sobrevivente após o colecionador, em um ataque de fúria, matar todas as suas baratas. “Ela é racional, retórica e, ao contrário dos outros personagens da peça, focada e sem nenhuma neurose em particular”, diz o ator. “Ela é puro raciocínio e uma narradora de mão cheia. Talvez tenha sido esse o grande desafio”, finaliza.
Serviço
Teatro Cacilda Becker. Rua Tito, 295, Lapa. Zona Oeste. | tel. 3864-4513. +14 anos. 70 min. De 31/8 a 30/9. 6ª e sáb., 21h. Dom., 19h. R$ 30