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Motta

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Segundo Clichê

February 27, 2017 15:48 , par Blogoosfero - | 1 person following this article.

As férias no Brasil Novo

June 30, 2017 13:51, par segundo clichê


Lá pelo fim dos anos 60, começo dos 70, do século passado, na modorrenta Jundiaí, cidade no meio do caminho entre São Paulo e Campinas, eu e minha irmã estudávamos na melhor escola particular de inglês que existia por lá, o Yázigi. 

Certo dia fomos informados que, nas férias de julho, a escola pretendia levar uma turma para passar duas semanas nos Estados Unidos, acho que em Miami, já naquela época sonho de consumo da classe média brasileira. 

Oferecia condições de pagamento facilitadas, era uma oportunidade e tanto para nós dois fazermos uma viagem da qual, certamente, nos lembraríamos pelo resto de nossas vidas.

Mas o capitão Accioly e a dona Vilma, nossos pais, frustraram os planos de passar férias nos States - uma viagem dessas estava além do orçamento da família.

Em troca, para compensar a nossa frustração, sugeriram que fôssemos visitar nossos parentes em Maceió.


Essa sim, foi uma viagem inesquecível, dois dias de ida, dois de volta, no melhor ônibus leito da época, com ar-condicionado, poltronas de veludo, um luxo só. 

Passamos um mês maravilhoso nas casas de nossa avó paterna e de um de nossos tios, que nos receberam com o todo o carinho e apreço que marcam a alma do nordestino.

Os Estados Unidos ficaram para trás, esquecidos por nós.

Grande parte dos brasileiros, porém, dorme, acorda e sonha todos os dias com esse grande país do hemisfério norte, superpotência incontestável, arrebatadora de mentes e corações de todos os viventes deste miserável planeta.

No ano passado, auge das manifestações contra a presidenta Dilma, várias fotos de pobres meninas ricas, segurando cartazes culpando os petralhas por não poderem ir mais para o mundo de fantasia criado pela The Walt Disney Company, circularam freneticamente em redes sociais e portais da internet.

Pouco mais de um ano de Brasil Novo foi o suficiente para perceber que o dólar continua ali na faixa dos R$ 3, os pacotes para visitar o paraíso não baixaram de preço, e, pesadelo dos pesadelos, nem passaportes mais estão sendo emitidos para os brasileiros que ainda têm reservas que permitam fazer viagens desse tipo.

A Polícia Federal, que tanto ajudou a derrubar o governo trabalhista, avisa que está sem dinheiro para providenciar o documento - é bem provável que tenha gastado tudo nessa perseguição sem fim ao ex-presidente Lula...

Esse, certamente, é um problema pequeno em relação a tantos outros criados para o futuro do país por esse pessoal que se apoderou do Palácio do Planalto. 

Mas não deixa de ser emblemático, já que atinge uma parcela da sociedade que apoiou entusiasticamente o golpe.

Parece pouco impedir uma viagem aos Estados Unidos.

Não tenho certeza, porém, que esse pessoal vá se contentar em passar as férias na linda Maceió ou em outro lugar maravilhoso qualquer deste Brasil que tanto odeiam. (Carlos Motta)



Um país feliz com a paz dos cemitérios

June 29, 2017 16:13, par segundo clichê


Em 1964, quando o golpe militar acabou com a democracia no Brasil, eu tinha 10 anos e vivia em Jundiaí, hoje um município com mais de 400 mil habitantes, a 60 quilômetros da capital paulista. 

Na época, Jundiaí era uma típica cidade de porte médio do interior, tranquila, conservadora, sem nenhum grande atrativo, a não ser um parque onde se realizavam as "festas da uva", e um ginásio de esportes de formato arredondado, que todos conheciam como "Bolão".

A sociedade jundiaiense daquele tempo obedecia a uma rígida hierarquia: havia os milionários, poucos, uma ampla classe média, que reunia desde os remediados, que moravam "de aluguel" ou em pequenas casas mais afastadas do Centro, até aqueles que, aos nossos olhos, eram ricos - ou quase -, e os pobres, a maioria.


Minha família pertencia à classe média-média - meu pai era capitão reformado do Exército, e minha mãe trabalhou muitos anos como supervisora de vendas de empresas de produtos de beleza.

Morávamos num sobrado de 140 metros quadrados numa ruazinha sem saída, que meu pai havia comprado, a prestações, por meio de um programa habitacional de cujo nome não lembro mais. E tínhamos um carro, com o qual minha mãe percorria a cidade toda e um bom número de outros municípios vizinhos para visitar as vendedoras. 

O primeiro foi um Renault Dauphine, seminovo, que vivia quebrando. Depois dele veio uma sucessão de Fuscas, menos charmosos, mas mais confiáveis.

Na minha casa e em muitas outras de classe média, os serviços domésticos, limpeza, cozinha, lavagem de roupas, eram feitos por mulheres que ganhavam pouco, mas se conformavam em pelo menos ter um trabalho.

E era um trabalho e tanto. 

As que não dormiam em quartos minúsculos nas casas dos patrões chegavam cedo para o serviço, que só acabava quando começava a anoitecer.

Saí de Jundiaí pouco depois de os militares se cansarem da brincadeira de tomar conta do país.

Ou seja, passei parte da infância, toda a adolescência e um pedaço da vida adulta sob a ditadura, numa cidade onde quase nada de extraordinário acontecia e o tempo parecia congelado.

Quando me mudei para a capital, a Jundiaí de então era praticamente a mesma de quando tinha 10 anos de idade - as únicas transformações foram a ampliação do parque industrial, com a consequente migração de pessoas em busca de emprego, o aumento da pobreza, e os primeiros sinais de uma desenfreada especulação imobiliária.

Vou à cidade pelo menos uma vez por mês para visitar familiares. 

E tudo parece alterado em sua paisagem. 

Há mais carros, mais gente, mais barulho, mais poluição, mais bares e restaurantes, dois grandes shopping centers, mais violência, uma agitação que se assemelha à da capital.

Mas sei que, no fundo, em sua alma, em sua essência, a cidade ainda vive como nos anos 60, 70 e 80 do século passado, com um medo terrível de que alguma mudança afete a sua aparente tranquilidade.

Quando chego em Jundiaí sinto que sou jogado na triste realidade do Brasil, um Brasil que se agarra com a força dos desesperados na preservação de um status quo em que cada um se conforma com o seu lugar na sociedade.

 "Você tem de concordar que está quase impossível arranjar uma empregada doméstica", escreveu, para mim, alguns anos atrás, uma jundiaiense que conheço desde a mocidade.

Ela agora deve se sentir mais aliviada.

Afinal, tudo indica que não só Jundiaí, mas grande porção do país, está contente com a possibilidade de voltar ao passado, à vida sob a vigilância não mais dos militares, mas da meganhagem, feliz com o retorno a uma paz que não vem da felicidade, mas dos cemitérios. (Carlos Motta)



Pobre Chico do Brasil doente

June 28, 2017 10:28, par segundo clichê


"Acabaram as boquinhas no MINC. Hora de trabalhar!"

"Quantas dessas músicas ele comprou?! Todas?!"

"Será que vai ser via Lei Rouanet?"

"Fez tanta falta q nem notei"

"Petista desgraçado"

"Inútil"

"Chato pra caralho"

"Tá magro, ein? Tá parecendo um cubano"

"PQP. Vamos ter que aturar essa mala com aquelas músicas de merda."

"Grande merda."

"Um grande lixo"

"Como ele lança um disco de 6 em 6 anos. No próximo, depois desse, pode ter uma parceria inédita com FIDEL CASTRO."

"Vai lançar lá na corja do PT seu vagabundo."

"Vai ficar encalhado pois ninguém compra nada de corruptos!"

"Algum hino à corrupção?"

"Esperando o tiro"

"Envelheceu mal, puta nariz de Bozo, cara de velho mafioso nojentao."

"Cantor de merda... Esse esquerdista!"

"Recolha-se a sua insignificância seu pau dágua."

Os comentários acima, no Twitter, são a respeito da notícia da Folha de S.Paulo de que Chico Buarque vai lançar, depois de seis anos, um álbum com músicas inéditas.

Eles dão uma ideia do que se transformou o Brasil, ou ao menos parte dele, depois de anos de lavagem cerebral feita na população pelos meios de comunicação, ao mesmo tempo criminalizando uma organização política e reforçando a ideologia das classes dominantes.

Em qualquer país civilizado um artista como Chico Buarque está acima de disputas partidárias - um gênio como ele é tratado como tal, como uma instituição cultural que tem de ser louvada e preservada.

A obra de Chico Buarque, não só na música popular, mas na literatura, é imensa, atemporal e imorredoura.

Poucos artistas, talvez mesmo nenhum, tem sido capaz de expressar com tanta paixão e brilho a alma do povo brasileiro.

As manifestações de ódio de que ele é vítima não o desmerecem, pois são apenas isso, sintomas evidentes de uma patologia que parece atingir cada vez mais pessoas com o passar do tempo.

São também a prova de que o Brasil está se afastando, irremediavelmente, do caminho que leva à consolidação de uma autêntica nação: tudo aquilo que deveria ser motivo de orgulho para seu povo, por representá-lo, das mais variadas formas, é desprezado.

Fico imaginando, só para ficar no campo da música popular, o que seria do Brasil sem um Chico Buarque, um Tom Jobim, um Dorival Caymmi, um João Gilberto, um Gilberto Gil, um Caetano Veloso, um Ary Barroso, um Noel Rosa, um Cartola, um Lamartine Babo, um Adoniran Barbosa, um João Bosco, um Hermeto Pachoal, um Egberto Gismonti, um Baden Powell, uma Elis Regina, uma Elizeth Cardoso, uma Ivone Lara...

Ou se artistas de tal nível tivessem sido execrados por suas posições políticas, partidárias, e mesmo pela sua vida pessoal.

Está difícil suportar este Brasil Novo. (Carlos Motta) 



As sentenças da justiça doida

June 27, 2017 10:31, par segundo clichê

Quando soube que o ex-presidente Lula estava sendo processado por causa de um apartamento no Guarujá e um sítio em Atibaia, que, na cabeça dos acusadores, eram produtos de propina, achei que tudo se resolveria em questão de alguns dias, pois pensava que uma simples ida ao cartório de registro de imóveis seria suficiente para determinar a posse dos ditos cujos.

Tolo engano.

O caso do triplex e do sítio tomou proporções gigantescas, virou uma novela, e fez com que tudo aquilo que eu sabia sobre o direito da propriedade - e sobre a justiça do meu país - desaparecesse.

Com o passar do tempo percebi que a rapaziada do Paraná, tal a ousadia em aplicar métodos para lá de estranhos, misturando alhos com bugalhos, botando fé na palavra de dedos-duros, implicando apenas com gente de determinados partidos político, preservando tipos mais que suspeitos de outros, e usando métodos do tempo em que os animais falavam, para arrancar confissões, ou estava lelé da cuca ou então atendia interesses que não têm nada a ver com justiça.


Era inevitável que, diante de tantos disparates, me lembrasse do "Samba do Crioulo Doido", do imortal cronista Sergio Porto, que também atendia pelo nome de Stanislaw Ponte Preta - o criador do Festival de Besteiras que Assola o País, ou Febeapá -, que fez sucesso nas vozes do Quarteto em Cy, lá pelo fim dos anos 60 do século passado.

A música imita um samba-enredo, em cujos versos Chica da Silva obriga a princesa Leopoldina a se casar com Tiradentes, que, por sua vez, se elege Pedro II, o qual, aliado ao padre Anchieta, proclama a escravidão no Brasil - uma confusão só:

Foi em Diamantina
Onde nasceu JK
Que a princesa Leopoldina
Arresolveu se casar
Mas Chica da Silva
Tinha outros pretendentes
E obrigou a princesa
A se casar
Com Tiradentes...

Lá! Iá! Lá Iá! Lá Iá!
O bode que deu
Vou te contar...

Joaquim José
Que também é
Da Silva Xavier
Queria ser dono do mundo
E se elegeu Pedro II
Das estradas de Minas
Seguiu pra São Paulo
E falou com Anchieta
O vigário dos índios
Aliou-se a Dom Pedro
E acabou com a falseta
Da união deles dois
Ficou resolvida a questão
E foi proclamada
A escravidão
E foi proclamada
A escravidão...

Assim se conta
Essa história
Que é dos dois
A maior glória
A Leopoldina virou trem
E Dom Pedro
É uma estação também...

Oh Oh! Oh Oh Oh Oh!
O trem tá atrasado

Ou já passou...

Agora, depois de ler alguns trechos da sentença que condena o ex-ministro Palocci a 12 anos de prisão, fiquei com a certeza de que esse pessoal da chamada Lava-Jato de louco não tem nada, já nem mesmo o mais compenetrado Napoleão de hospício seria capaz de afrontar de maneira tão ousada tudo o que se entende por justiça neste Brasilzão de tantas dores e esperanças.

Tudo isso dá uma saudade imensa do crioulo doido, de tia Zulmira, do Altamirando, do Rosamundo, de tantos personagens criados pela genialidade de Sergio Porto, que, se ainda estivessem na ativa, com certeza se perguntariam de onde vem essa fantástica capacidade da justiceira rapaziada paranaense de criar uma realidade apenas com as suas convicções. (Carlos Motta) 



O velho conhecido e o bilhete premiado

June 26, 2017 11:26, par segundo clichê


A pequena, religiosa e conservadora Serra Negra, interior de São Paulo, onde moro, tem apenas duas casas lotéricas no Centro. 

Uma delas está sempre cheia, muitas vezes com fila na calçada, prova de que as pessoas acreditam que a vida delas pode mudar num instante, não importa o quanto humildes, pobres e desesperadas elas sejam.

Gente de todo o tipo vai fazer a sua fezinha: até os que são vistos como bem-sucedidos aguardam com paciência a sua hora de entregar à moça do outro lado do vidro o seu volante da Mega-Sena, o jogo mais comum e generoso, ou mesmo da Lotofácil, de prêmio inferior, mas de maior probabilidade de acerto.

Outro dia vi um velho conhecido bem no meio da fila.


Ele parecia mais cansado, mais acabado, dava até para perceber algumas olheiras em seu rosto de traços fortes e duros. 

Seu cabelo, antes vasto e negríssimo, já se mostrava grisalho, com os primeiros sinais de calvície.

Estava também mais magro, um pouco curvado - nem parecia ter os quase 2 metros de altura que o destacavam em qualquer lugar onde estivesse.

Vestia uma roupa bem mais simples das de antigamente - ele sempre foi o típico classe média, cheio de preocupações com o julgamento que os outros faziam dele.

Foi uma visão rápida, mas suficiente para que de imediato viesse à minha cabeça um paralelo entre esse meu velho conhecido e o Brasil de hoje.

Os dois, pensei, se encontram na iminência de decidir o seu destino, aguardam na fila o bilhete de loteria que pode mudar completamente a sua situação.

São três situações: o bilhete premiado, que levará ao Executivo central um novo presidente da República eleito pelo voto popular, soberano, numa eleição da qual participem todas as forças políticas; o bilhete que passa longe do prêmio, ou seja, que manterá o país nas mãos dos golpistas, interditando a democracia; e o bilhete que dá um prêmio menor, uma eleição presidencial sem a participação da mais expressiva liderança política do país, o ex-presidente Lula.

Metros adiante da casa lotérica, virei a cabeça para dar uma última olhada no meu velho conhecido.

Não estava mais na fila, tinha sumido.

Fiquei na dúvida se o forte sol invernal que iluminava aquela tarde fria não havia ofuscado os meus olhos e eu, na verdade, tivesse confundido esse velho conhecido com outra pessoa qualquer - um brasileiro qualquer.

Talvez, refleti mais tarde, tivesse visto o Brasil inteiro, uma triste figura, naquela fila à espera da sorte grande. (Carlos Motta)



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