A esquerda de vitrine ataca de novo
Marzo 14, 2017 10:55O PSol, partido criado por dissidentes do PT, informa Chico Alencar, um dos seus seis deputados federais, não vai apoiar Lula à Presidência da República - isso se lhe for permitido concorrer ao cargo em 2018.
Como se sabe, a candidata do PSol na eleição passada foi a gaúcha Luciana Genro, ex-deputada pelo PT e filha do ex-governador e ex-ministro da Justiça Tarso Genro.
Alencar indicou que seu partido terá candidato próprio para a presidência.
Luciana é nome forte, mas o deputado não deu nenhum sinal de que ela concorrerá ao cargo.
Seja quem for, porém, o candidato do PSol, ele servirá apenas para fortalecer a direita, os golpistas, enfim.
O PSol, por mais barulho que façam seus parlamentares, é um micropartido, e nunca passará disso.
Faz parte da "esquerda vitrine", inconsequente, sem norte, sem nenhum trabalho orgânico nos movimentos sociais e sindicais, com um ou outro nome palatável para a classe média e um discurso vago e cambiante, e dependente da exposição midiática.
Luciana Genro, por exemplo, já deu manifestações públicas de apoio aos fascistas ucranianos.
Chico Alencar compareceu, dias atrás, a um regabofe patrocinado por um dos jornalistas mais antiesquerdas do país, estrela global, e onde alegremente confraternizou com o senador Aécio Neves, golpista de primeira hora.
Parece que todos esses próceres psolistas ainda não digeriram as diferenças que os afastaram do PT no passado e pautam a sua atividade política pelo ódio ao seu ex-partido.
O Brasil passa por um dos mais difíceis momentos de sua história, e o risco de que todas as conquistas sociais dos trabalhadores sejam varridas para a lata de lixo é enorme.
Numa hora dessas, tudo o que os golpistas querem é ver os progressistas divididos.
Lula pode não ser o melhor nome para unir a centro-esquerda brasileira.
Mas qualquer liderança política e social de alguma seriedade não pode pensar em outra coisa a não ser a união das forças democráticas como a principal, e talvez a única, arma para que o Brasil retome o caminho da democracia.
Há uma frase atribuída a Ulysses Guimarães que cabe perfeitamente a essa situação esdrúxula propagandeada pelo deputado Chico Alencar: “Não se pode fazer política com o fígado, conservando o rancor e ressentimentos na geladeira. A pátria não é capanga de idiossincrasias pessoais." (Carlos Motta)
O país dos "bicos"
Marzo 13, 2017 15:10O boletim Emprego em Pauta do Dieese aponta que, em 2016, o aumento do desemprego ocorreu junto com o crescimento da quantidade de postos de trabalho que oferecem baixa proteção. Além disso, as novas contratações formais foram realizadas com salários menores.
Para o Dieese, o quadro no mercado de trabalho para 2016 só não foi pior porque, no ano, houve crescimento de 800 mil empregados sem carteira. “Se por um lado esses empregos contribuíram para a redução do número de desocupados, por outro, ampliaram a precarização do emprego com contratações desprotegidas, revertendo tendência de formalização do mercado de trabalho, marca positiva do mercado de trabalho na última década”.
O boletim também avalia que a Indústria de Transformação foi o setor que mais eliminou postos de trabalho em 2016.
Também o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) registrou retração nos vínculos com carteira assinada. O saldo foi de destruição de 1,3 milhão de postos formais de trabalho em 2016. Em dezembro de 2016, o salário médio dos trabalhadores admitidos foi 17% menor do que o dos desligados.
As negociações coletivas também tiveram resultados desfavoráveis para a maioria das categorias profissionais: apenas 23,4% tiveram, em 2016, reajustes acima da inflação, alterando tendência dos últimos anos.
Para 2017, o “mercado” aposta em uma ligeira recuperação da economia, mas deve ser um ano difícil para os trabalhadores. (Ana Luíza Matos de Oliveira, economista/Fundação Perseu Abramo)
A ingenuidade de Dilma
Marzo 13, 2017 10:05A presidenta Dilma teria afirmado, na Suíça, onde foi para participar de uma série de debates e conferências, que errou ao conceder, em seu governo, desonerações de impostos para os empresários.
Segundo ela, a forte renúncia fiscal tinha como objetivo fazer com que os empresários investissem mais, porém, em vez disso, eles simplesmente aumentaram seus lucros.
Certo, esse foi um erro enorme.
Mas não de concepção, pois cortar impostos é tudo o que querem empresários e trabalhadores.
O erro foi de julgamento - julgamento do caráter, do modus operandi, dos empresários brasileiros.
Dilma e seus auxiliares foram extremamente ingênuos por suporem que estavam lidando com pessoas preocupadas com o bem-estar geral ou com a função social de seu negócio.
O empresário brasileiro vive na pré-revolução industrial.
Não tem a menor ideia do que é o capitalismo, sistema econômico que embute riscos para todos que dele fazem parte.
Para simplificar, ele não passa de um predador, que monta um negócio com a única finalidade de extrair dele quanto mais lucro puder, no menor tempo possível, sem um pingo de ética - ou de vergonha na cara.
Só investe em condições extremamente favoráveis e apenas quando vê uma possibilidade de aumentar seus ganhos.
A desoneração fiscal promovida pelos trabalhistas foi enorme.
A acumulação de capital por parte do empresariado foi ainda maior.
Hoje, sob o governo do Dr. Mesóclise, as coisas são bem diferentes - os espertalhões substituíram os ingênuos.
É provável que a "livre iniciativa" cabocla já esteja sentido saudade daquela "louca" que eles ajudaram a tirar da chefia do Executivo. (Carlos Motta)
A eterna farra dos nossos parlamentares
Marzo 10, 2017 15:05O jornalista Luiz Gonzaga do Monte Carmelo, amigo de muitos anos, faz o seguinte comentário para uma publicação, no Facebook, de Claudia Wallin sobre a diferença abissal entre os apartamentos funcionais utilizados pelos parlamentares brasileiros e suecos: "Nossos deputados deveriam morar nos prédios do Minha Casa, Minha Vida."
Gonzaga, que escreve uma coluna para lá de interessante no jornal ABCD Maior, intitulada Os Outros Lados da História, que mostra as lutas sociais muitas vezes esquecidas pela historiografia oficial, está mais do que certo.
Mas vou além.
Nossos vereadores, deputados e senadores vivem num luxo, numa mordomia que não condiz, absolutamente, com o trabalho que desempenham - no caso deles, que deveriam desempenhar.
A maioria quase total dos parlamentares brasileiros não passaria numa prova para alunos do Ensino Médio. Muitos, nem do Fundamental.
Fora a ignorância, há o problema, maior, da ética, ou falta dela.
Ou eles defendem, desavergonhadamente, interesses corporativos - vide as bancadas do boi, da bala, da bola, dos evangélicos... -, ou se rendem aos mais variados lobbies, para ficar nos exemplos mais corriqueiros de sua atuação.
O interesse público, parafraseando o ex-técnico da seleção brasileira Carlos Alberto Parreira, é apenas um detalhe.
E tudo isso se passa em meio a um luxo reservado a poucos neste mundo: assessores, carros, passagens de avião, moradia, tudo de graça, tudo pago por nós, os pobres, miseráveis e ordinários contribuintes.
Na minha utopia esse tipo de político faria um trabalho voluntário, ou, quando muito, remunerado de acordo com a sua atuação (comparecimento às sessões legislativas, às reuniões das comissões etc), teria o suporte de assessores técnicos do quadro de cada casa (Câmara Municipal, Assembleias Legislativas, Câmara dos Deputados e Senado), e uma ajuda fixa para viagens e moradia - e só.
Lógico que Receita Federal e outros órgãos de fiscalização ficariam de olho bem aberto para ver se esses devotos homens públicos não receberiam algum tipo de "incentivo" por fora.
Na minha utopia a coisa funcionaria assim.
Mas ela é apenas uma utopia, nada mais que uma utopia. (Carlos Motta)
Nem sempre a "iniciativa privada" é melhor
Marzo 10, 2017 9:29Reproduzo abaixo um artigo de Tim Vickery, e publicado no site da BBC Brasil, da qual ele é colunista.
Ele compara os sistemas de saúde da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos. Quem adora criticar o SUS, o sistema de saúde brasileiro, e enaltecer os serviços dos particulares, ou acha que a tal "iniciativa privada" é sinônimo de eficiência, poderia perder alguns minutos para lê-lo.
E, depois, para refletir.
Vai aí a íntegra:
Tim Vickery: A ideia de que a iniciativa privada
é sempre melhor é uma grande falácia
Tim Vickery
Colunista da BBC Brasil*
Na Grã-Bretanha, gasta-se 9,1% do PIB com saúde. Nos Estados Unidos, são 17,1% e subindo.
Mesmo assim, na semana passada, quando a minha mãe sofreu um pequeno derrame, fiquei bem feliz que ela é inglesa e não americana.
Ela foi bem e rapidamente tratada no hospital, e a recuperação está sendo acompanhada por uma equipe de especialistas que visitam a sua casa - sem que ela desembolse um centavo por tudo isso.
Claro que nada vem de graça. Alguém tem que pagar. Mas, por enquanto (já que isso é uma outra história), o país goza de um sistema socializado, financiado principalmente mediante impostos e sem cobranças, ou com contas pequenas para remédios.
Nos Estados Unidos, entretanto, o sistema é fragmentado e particular, visando o lucro. Os rios de dinheiro gastos não vão fluindo para um resultado eficiente, a não ser pelos acionistas. A expectativa de vida na Grã-Bretanha é de 81 anos - e somente 78,9 nos Estados Unidos.
A ideia de que a iniciativa privada é sempre a melhor e mais eficaz solução é uma das grandes falácias da nossa época.
Fica evidente, por exemplo, que o seu modelo de saúde é negativo para o povo dos Estados Unidos em resultados e, principalmente, em custos.
Cerca de 35% da sua população já enfrentou dificuldade financeira por causa de contas médicas. E a busca por lucro traz pressões para aumentar as cobranças para os saudáveis e limitar os tratamentos aos doentes - a velha história de oferecer o guarda-chuva quando está fazendo sol e retirá-lo na chuva.
Estima-se que o aumento de um ano na expectativa de vida é capaz de aumentar o PIB per capita em 4%, enquanto uma mão de obra mais saudável pode aumentar a produtividade de uma empresa de 20% a 47%.
Gastos com saúde, portanto, juntos aos com educação e infraestutura, não são custos, mas investimentos. Faz sentido socializá-los até numa lógica puramente comercial, pois reduzem o custo de fazer negócios e aumentam a competitividade da economia.
O oposto acontece quando a iniciativa privada toma conta desses setores. Daí, haverá uma procura por renda, que faz tudo mais caro, tirando a competitividade.
Algumas atividades estratégicas, portanto, deveriam ser feitas pelo Estado - o que conduz a uma das perguntas mais importantes da atualidade: qual tipo de Estado?
Condições fundamentais para a iniciativa privada são um Estado de direito e a proteção dos ganhos, sem as quais ninguém vai investir. Adam Smith, o pai da economia clássica, sabia disso muito bem, embora muitos de seus chamados discípulos já tenham se esquecido...
O governo, escreveu Smith, "é, na realidade, instituído para a defesa dos ricos contra os pobres ou daqueles que têm alguma propriedade contra aqueles que não têm absolutamente nada".
Duas conclusões. Primeiro, quem mais se beneficia das ações do Estado deveria estar preparado para financiá-lo. A redução de impostos em cima das grandes empresas e os super-ricos é um grande contrassenso.
Segundo, o Estado é um ator integral na engrenagem. Qualquer modelo que considera o Estado uma interferência indesejada fica sem valor, pois postula uma situação que nunca existiu nem poderia existir.
Uma das lutas do século 21 é em prol de um Estado democrático, honesto e eficiente - aquele que criou o sistema de saúde na Grã-Bretanha seria um exemplo.
Foi um Estado mobilizado por guerra que, depois da vitória sobre os nazistas, conseguiu se direcionar para o bem comum. Ajudou nas lutas da minha mãe, que nasceu em pobreza degradante, forneceu para os seus filhos oportunidades impensáveis pouco tempo antes e agora, embora sob ataque de forças poderosas, está a ajudando num momento de necessidade.
É bastante possível que alguém que esteja lendo esse humilde artigo num iPhone - dos quais os componentes-chave (internet, GPS, tela sensível ao toque e outros) foram desenvolvidos com dinheiro público e depois entregues numa bandeja para a iniciativa privada.
O iPhone é, então, uma buginganga emblemática da época contemporânea.
(Tim Vickery é colunista da BBC Brasil e formado em História e Política pela Universidade de Warwick)