Violão, contrabaixo, criatividade a mil...
30 de Outubro de 2017, 10:27Carlos Motta
Bina e Gilberto são músicos experientes, que mergulharam de cabeça nas águas do manouche há alguns anos. Hoje, são considerados referências do estilo no país.
O disco de Bina Coquet, que leva o seu nome, além de músicas compostas por ele, traz outras, clássicos da MPB, como "Pagode Russo" (João Silva - Luiz Gonzaga), "Palpite Infeliz" (Noel Rosa), "Feijoada Completa" (Chico Buarque), "Doce de Coco" (Jacob do Bandolim), e "Alvorada" (Cartola - Carlos Cachaça), em arranjos capazes de entusiasmar tanto quem gosta dos ritmos brasileiros quanto os mais exigentes ouvintes do jazz cigano.
Gilberto de Syllos, professor de contrabaixo, história da música, teoria e percepção da Faculdade Berklee Souza Lima, em São Paulo, é também compositor e tem vestido o figurino do "Seo Manouche" nos seus trabalhos solo recentes.
O disco que lançou no começo do ano, "Cavaquinho de Itu", tem, além de uma versão cigana de "Com que Roupa" (Noel Rosa), músicas suas em parceria com o letrista Carlos Castelo, e abusa da criatividade e bom humor.
Anteriormente, ele já havia gravado um CD com as mesmas características deste último, com o intrigante título de "Já que tá que fique", uma das faixas do disco, que revisita a melodia do clássico russo "Olhos Negros" - não é todo mundo que sabe que a frase encerra o canto de guerra da torcida do XV de Novembro, time de futebol da cidade paulista de Piracicaba, considerada a capital brasileira do jazz manouche.
O clipe da música é imperdível:
Da mesma forma, o vídeo que Bina Coquet gravou do delicioso "Pagode Russo" mostra toda a sua criatividade:
Os dois são artistas que provam a excelência da música popular brasileira, de longe o melhor produto cultural do país.
Livro mostra um Marquês de Sade sem sadismo
29 de Outubro de 2017, 11:37Cinco textos do Marquês de Sade (1740-1814) compõem mais um lançamento da Editora Carambaia. “Novelas Trágicas” está em pré-venda com 10% de desconto. Inéditas no país, as histórias são destituídas das descrições de atos sexuais e torturas, típicas nos outros escritos do autor. Sade produziu as novelas entre 1787 e 1788, em um dos períodos em que esteve encarcerado na prisão da Bastilha.
Ao que tudo indica, Sade escreveu essas novelas em busca de reconhecimento literário e para tentar convencer seus leitores de que não era o autor de livros obscenos que circulavam clandestinamente e sem assinatura. O projeto de narrar histórias “contidas nas regras do pudor e da decência” rendeu dezenas de novelas, das quais 11 foram publicadas em 1799, com o título de "Crimes do Amor: Novelas Heroicas e Trágicas". Cinco desses textos compõem o volume, além do ensaio que Sade escreveu sobre a história e as características do gênero romance, prefácio ao conjunto original.
Selecionados e traduzidos pelo professor de literatura André Luiz Barros, também autor do prefácio, os textos mostram um outro Sade, em narrativas que - ao menos aparentemente - buscam exaltar a virtude e condenar a perfídia. Ainda assim, os pilares da "filosofia" sadiana continuam presentes nessas histórias: a racionalidade fria e precisa do crime, a execução metódica do desejo, as elucubrações vazias da religião, as ilusões patéticas que alimentam a ideia de virtude.
A leitura das "Novelas Trágicas" mostra que Sade cumpriu os requisitos que elegeu como obrigações dramáticas do romance, sobretudo compor “personagens vigorosos que, joguetes e vítimas daquela efervescência do coração conhecida com o nome de amor, nos mostram dele, de uma só vez, os perigos e os infortúnios”. Na alma e na ação dos personagens, contudo, esconde-se o mesmo escritor subversivo e cruel das páginas libertinas. O “divino marquês”, como o chamavam os surrealistas, recheou seus “contos de amor” de violência física e psicológica, incesto, cativeiro e assassinatos covardes, entre outras atrocidades.
Donatien Alphonse François de Sade passou quase metade de seus 74 anos de vida encarcerado sob acusação de promover orgias, praticar abusos sexuais e provocar danos físicos. Só assinou duas obras durante a vida – além de "Crimes do Amor", o romance epistolar "Aline e Valcour" (1795). O período de cinco anos que passou na Bastilha terminou em 1789, poucos dias antes de o presídio ser invadido pelos revolucionários.
Sade, que via na queda da monarquia a possibilidade de surgimento de uma época de liberdade irrestrita, se engajou na nova ordem, mas seria preso de novo durante o período do Terror. Mais tarde, também o regime de Napoleão o jogaria na cadeia. Durante o século XIX, a obra e a pessoa de Sade foram submetidas ao esquecimento forçado, embora manuscritos clandestinos circulassem por mãos célebres como as de Stendhal e Flaubert. Somente no século XX a literatura de Sade voltou à luz, atraindo o interesse de pensadores como Georges Bataille, Theodor Adorno e Simone de Beauvoir.
Luciana Facchini assina o projeto gráfico de "Novelas Trágicas", que traz ilustrações de Zansky e propõe um jogo que remete às atitudes dissimuladas dos personagens e aos disfarces do próprio autor. O livro vem inserido numa luva que funciona como uma máscara: quando sobreposta aos desenhos, tanto das capas como internos, revela traços escondidos nas ilustrações.
A Editora Carambaia trabalha com obras que dificilmente serão esquecidas no futuro. Procura "furos" literários, textos que merecem uma nova ou inédita edição no Brasil, e busca tradutores e designers que desenvolvam um projeto especial para cada uma delas.
Uma exposição em branco
29 de Outubro de 2017, 10:38Integrantes da Associação dos Artistas Plásticos de Jundiaí, entidade que mantém atividade constante desde a década de 70 do século passado, estão promovendo uma interessante exposição, na Pinacoteca municipal Diógenes Duarte Paes (Rua Barão de Jundiaí, 109, Centro), em Jundiaí.
A mostra chama-se "Passar em Branco", e reúne trabalhos unicamente nessa cor, que junta todas as outras do espectro de cores.
Segundo o folheto explicativo da exposição, o branco é a cor mais importante para o artista e está associada a inúmeras imagens, a mais conhecida delas a paz.
"Branco proporciona frescura, calma, e dá ideia de maior espaço e sensação de liberdade", sintetiza o texto da associação sobre a exposição.
As obras ficarão expostas até o dia 28 de novembro,
Participam da exposição os artistas jundiaienses Abel Oliveira, Ael Perboni, Alex Roch, Andréia Dulianell, Chrismontez de Brito, Dani Shirosono, Marckos Pamplona, Marco Antonio Scarelli, Mihnea Cernat, Paulo Gomes, Regina Kalman e Vera Palermo.
Um palco de melodias
28 de Outubro de 2017, 8:26O 5º Festival de Jazz Manouche de Piracicaba mostrou, no palco externo do teatro Erotides de Campos, um time de músicos de primeira linha, do Brasil e do Exterior.
Mostrou ainda que a música não tem fronteiras e os ritmos são meras convenções: o jazz cigano, surgido nos anos 30 do século passado, por obra do genial violonista Django Reinhardt, como se vê nos vídeos abaixo, é tão universal quanto o chorinho, o samba, o baião, o frevo...
Vamos a eles, então:
A abertura do espetáculo, com a banda formada pelo pessoal
do Hot Jazz Club de Piracicaba
A cantora Patrícia Moreno misturou chorinho, samba e baião com o jazz manouche.
O resultado empolgou o público.
Momento de brincadeira e descontração. E exibição de técnica apurada:
Robin Nolan e Bina Coquet tocam, a quatro mãos, um único violão.
Robin Nolan, que foi amigo de George Harrison,
interpreta Something, clássico do ex-Beatle, acompanhado
pelos violões de Bina Coquet e Fernando Seifarth,
e pelo contrabaixo de Gilberto de Syllos, o seo Manouche.
Uma dupla internacional: o eslovaco Rudi Bado, no violino,
e o italiano Dario Napoli, no violão. Dois virtuoses.
No encerramento das apresentações, uma festa no palco, com a
presença de quase todos os músicos que atuaram no festival
Meio calvo, ateu, indiferente à Academia
27 de Outubro de 2017, 17:10Hoje, 27 de outubro, é o aniversário de um grande brasileiro, Graciliano Ramos, escritor mais que necessário para a língua portuguesa e cidadão acima de qualquer suspeita, daqueles que fazem uma tremenda, enorme, incomensurável falta nos dias de hoje.
É desnecessário falar do Velho Graça, todo mundo já fez isso.
Melhor mesmo é ler o que ele escreveu sobre si mesmo, com seu texto inconfundível, aos 56 anos, num "autorretrato" aqui reproduzido:
Nasceu em 1892, em Quebrangulo, Alagoas.
Casado duas vezes, tem sete filhos.
Altura 1,75.
Sapato n.º 41.
Colarinho n.º 39.
Prefere não andar.
Não gosta de vizinhos.
Detesta rádio, telefone e campainhas.
Tem horror às pessoas que falam alto.
Usa óculos. Meio calvo.
Não tem preferência por nenhuma comida.
Não gosta de frutas nem de doces.
Indiferente à música.
Sua leitura predileta: a Bíblia.
Escreveu "Caetés" com 34 anos de idade.
Não dá preferência a nenhum dos seus livros publicados.
Gosta de beber aguardente.
É ateu. Indiferente à Academia.
Odeia a burguesia. Adora crianças.
Romancistas brasileiros que mais lhe agradam: Manoel Antônio de Almeida, Machado de Assis, Jorge Amado, José Lins do Rego e Rachel de Queiroz.
Gosta de palavrões escritos e falados.
Deseja a morte do capitalismo.
Escreveu seus livros pela manhã.
Fuma cigarros "Selma" (três maços por dia).
É inspetor de ensino, trabalha no “Correio do Manhã”.
Apesar de o acharem pessimista, discorda de tudo.
Só tem cinco ternos de roupa, estragados.
Refaz seus romances várias vezes.
Esteve preso duas vezes.
É-lhe indiferente estar preso ou solto.
Escreve à mão.
Seus maiores amigos: Capitão Lobo, Cubano, José Lins do Rego e José Olympio.
Tem poucas dívidas.
Quando prefeito de uma cidade do interior, soltava os presos para construírem estradas.
Espera morrer com 57 anos.
(Graciliano morreu aos 61 anos, em 1953)