Raul Longo
Quem não viveu os anos 60/70 não tem noção de quanto a então afamada esquerda festiva colaborou com a repressão.
Evidente que mesmo sem os festivos a repressão se exerceria, pois como na época confirmou Moura Cavalcanti, o interventor da ditadura militar em Pernambuco, para um programa de TV: “Claro que sou repressor! Afinal eu sou o governador!”. Mas o recrudescimento da repressão ao movimento estudantil se estendendo ao movimento operário teve por respaldo e desculpa a ação da também chamada esquerda “oba-oba”.
No DOPS eram conhecidos como “2 Tapas”, apelido aclarado pela explicação: “Um para falar, outro para calar a boca!” E entre um e outro tapa a esquerda festiva prejudicou a vida de muita gente que até sem a vida ficou.
Depois de obrigados a oferecerem ambas as faces, ressabiados se escondiam por uns tempos na casa de praia, alguma fazenda, ou iam dar um passeio na Europa. Mais tarde voltavam e enquanto se sucediam os desaparecimentos e torturas, prosseguia a festa pelos bares, centros acadêmicos, sala de espera de cinemas de arte, escadarias de bibliotecas e outros daqueles pontos de encontro da esquerda festiva, tão manjados que os agentes só os visitavam quando necessário unir os pontos de uma história inacabada por alguém que não resistiu à cadeira do dragão ou ao pau-de-arara e, por real engajamento na luta contra a repressão do regime, era dado como desaparecido ou suicidado.
Entre os da festa alguns ficaram bem famosos, como ocorreu com o porteiro do cativeiro do embaixador sequestrado dos Estados Unidos. Fernando Gabeira, segundo depoimento dos sobreviventes daquela ação no documentário “Hércules 56” de Silvio Darin, nem fazia ideia de a quem guardava, mas quando todos caíram acabou indo parar na Europa. Na bagagem da anistia retornou com novas bandeiras, entre elas a da ecologia.
Publicou livros, virou herói e Celso Furtado se pronunciou sobre eles todos em Paris:
Se tivesse de, em poucas linhas, traçar o retrato típico do intelectual nos nossos países subdesenvolvidos, diria que ele reúne em si noventa por centro de malabarista e dez por cento de santo. Assim, a probabilidade de que se corrompa, quando já não nasce sem caráter, é de nove em dez. Se escapa à regra será implacavelmente perseguido e, por isso mesmo, uma reviravolta inesperada dos acontecimentos poderá transformá-lo em herói nacional. Se persiste em não se corromper, daí para a fogueira a distancia é infinitesimal. De resto, por maior que seja a sua arrogância, nunca entenderá o que lhe terá acontecido.
Mas o que importa mesmo é que a festa continua e o realce à frase do eminente economista paraibano, aqui mantido, foi originalmente utilizado por um dos que em Florianópolis encarnam esse espírito e com seus companheiros se sente recompensado por um segundo turno eleitoral a ser disputado entre ARENA 1 e a ARENA 2.
No município a ARENA 2 é revivida por Dário Berger (atual PMDB, ex-PSDB e PFL) que vem se esforçando para evitar a ingerência popular no Plano Diretor, o que possibilitará a aprovação de construção de edifícios na orla marítima da Ilha de Santa Catarina, hoje limitados a 2 andares.
Berger postula à sucessão de seu 4º mandato consecutivo (2 como prefeito da vizinha São José e 2 na capital) a Gean Loureiro que superou Ângela Albino da coligação PCdoB/PT em alguns décimos de votos.
La “isquierda pero no mucho”, também autoconsiderada como militância ecológica, em verdade apoiou mesmo foi ao candidato do Bornhausen da ARENA 1 tradicional e seu nova versão PSD (ex-DEM, ex-PFL, ex-ARENA e ex-UDN) que, postulando a manutenção do coronelato através do afilhado César Souza Jr., conseguiu levar o neófito para segundo turno com pouco mais de 1% de diferença à frente de Loureiro.
Bornhausen dispensa apresentação, mas para melhor se dimensionar o porre ou a ressaca da ecofesta que alia inimigos figadais do ano retrasado, é preciso lembrar que o último capataz do feudo catarinense foi o agora Senador Luís Henrique, encalacrado até o pescoço na Operação Moeda Verde que, entre outros enormes crimes ambientais, investigou inclusive as autorizações às invasões dos principais mangues da Ilha de Santa Catarina por grandes empreendedores nacionais e estrangeiros.
O desfecho da ecofesta se dará após a definição da votação de segundo turno e até lá não se sabe se o César Souza será capaz de promover o efeito Engov ou será superado pelo provável efeito do voto ao “menos pior”.
No segundo caso a ressaca moral será daquelas, pois muitos dos convivas já vieram embriagados das festinhas dos anos 70/80. Tanto que não só destacam a “homenagem” dirigida por Celso Furtado como, menos discretos do que a velha esquerda festiva, comemoram esse lamentável resultado de primeiro turno das eleições de Florianópolis congratulando-se com frases sintomáticas como: “Ecos em 'estado de graça'”.
Nem foi preciso nenhuma tapa, pois maior evidência é impossível! E desnecessária.
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