Cunha tem direito de espernear até a Justiça o prender
22 de Outubro de 2015, 19:47Por Gilberto de Souza – do Rio de Janeiro
É preciso crer, piamente, na Justiça brasileira. E, por acreditar que esta é uma grande nação, e não uma ‘republiqueta’, como se referiu o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, ao afirmar que os brasileiros precisarão definir se construímos uma, ou a outra, é necessário seguir os exatos termos do justo processo legal para, ao final do julgamento, mandar alguém para trás das grades. Para a cadeia. Para cumprir, em regime fechado, o tempo que a Lei assim determina.
Antes de mais nada, na fase atual da denúncia ao presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), os promotores daqui debulham, tintim por tintim, o rico material encaminhado, de mão beijada, pela contraparte suíça. Por não ser segredo nenhum para ninguém — como definiu, nesta quinta-feira, o mesmo STF onde ocorrerá o julgamento do parlamentar uma vez aceita a denúncia, a minuciosa denúncia da Procuradoria Geral da República (PGR) — a fase seguinte do rito processual transformará o ora suspeito em réu no processo. Leva um tempo até que isso aconteça e, ressabiado, o mais pio dos brasileiros percebe que não faltam atores para fazer de tudo contra a chegada do processo ao seu destino.
Resistir é tudo o que cabe ao acusado. Quanto mais esperneia e desliza e dribla e nega e esbraveja, melhor. Trata-se de ninguém menos do que o terceiro na linha sucessória da República. Não se pode esperar que entregue os pontos com a mesma rapidez e celeridade com que a Suíça lhe preparou o cenário lúgubre dos próximos anos. Como fluminense, uma vez condenado, talvez use sua influência para cumprir pena no Instituto Penal Francisco Spargoli Rocha, em Niterói, onde o ex-colega Roberto Jefferson passou dias modorrentos, enquanto pagava por uma roubalheira quase do mesmo tamanho dessa, da qual Cunha é acusado.
O que merece registro, no entanto, é o pragmatismo imoral das legendas de direita. Não que se deva esperar grandes arroubos de moralidade do DEM, do PSDB ou de qualquer das legendas rebutalhas que orbitam em torno de interesses os mais escusos, tamanha é a lista de trambiques dos quais participaram — e ainda participam — muitos de seus mais ilustres integrantes. Convenhamos que não serão pueris raposas políticas que, há décadas, dominam a planície do Congresso brasileiro. Foram capazes, ao longo de séculos, de impedir realizações das mais básicas ao país, como as reformas agrária e urbana, apenas para citar duas delas. Eles sabem o que fazem e a que senhor devem servir.
Mas os tempos mudam. Recentemente, prenderam o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu. Sem uma prova sequer, apenas porque os fatos apontavam na direção de que ele “sabia de tudo”. Não satisfeitos, consideraram-no o chefe de uma quadrilha da qual até o probo ex-deputado José Genoino fazia parte. Ainda bem que, para o beneplácito da história, anularam o processo contra o ex-guerrilheiro e fundador do Partido dos Trabalhadores. Na composição anterior do STF, o pau só cantou no lombo do Chico. Com as últimas decisões da Corte atual, começa a bater em Francisco.
Parece que os neoliberais, mesmo os mais alucinados, já perceberam que a canoa do acusado vai, inexoravelmente, afundar. Ainda assim, tentam fazer com que tramite, no Congresso, um processo de impedimento à presidenta Dilma Rousseff. Jogam com a estabilidade da economia, da sociedade brasileira, do Brasil, como se treinassem em um tabuleiro. Têm plena consciência de que a chance de uma estupidez dessas acontecer é zero, seja nos tribunais, seja nas ruas. Mas insistem, como se da insanidade possa nascer a esperança para golpistas de toda sorte.
Tudo indica, assim, que a Justiça prevalecerá. Cunha será preso. Dilma terminará seu mandato. O Brasil tende a superar o atual momento de extrema dificuldade que vive, nos campos econômico e político e, em 2018, uma nova eleição acertará os ponteiros internos do país. Este, sim, será o momento para o eleitorado ajustar as contas.
Até lá, haja paciência.
Gilberto de Souza é jornalista, editor-chefe do diário Correio do Brasil.
Das Primaveras Árabes ao Outono do Império
16 de Outubro de 2015, 15:00Por Gilberto de Souza – do Rio de Janeiro
Houve um tempo, ainda no Brasil Império, em que cidades como Damasco, capital síria, ou Beirute, no Líbano, eram oásis humanistas em um mundo com a Europa em guerras constantes, quando os EUA eram menos selvagens do que hoje. A construção de uma sociedade plurireligiosa e cada vez mais socialista, nestes países situados no entroncamento da Humanidade, ameaça o stablishment e coloca em risco a City londrina e sua filial, na Wall Street.
O extremismo religioso originário da Arábia Saudita, e sunita, sempre foi uma ameaça às sociedades seculares e democratas na região. A corrida ao petróleo promovida pelo Ocidente com os yankees na liderança, no auge do American Way of Life, desestabilizou o já frágil equilíbrio de forças e, com o advento da criação do Estado de Israel e a Guerra dos Seis Dias que se seguiu, o Oriente Médio passou a viver aos solavancos os dias que antecederam a atual crise humanitária que atinge centenas de milhares de pessoas. A Síria tem suas peculiaridades, como a manutenção dos Al Assad no poder há décadas mas, na outra extremidade, o profundo respeito à convivência entre todos os credos, os mais diversos e ancestrais de que se tem notícia.
Imobilizados na luta contra o Estado Islâmico — de longe o grupo extremista mais consistente desde os califados medievais — os EUA se veem presos, de um lado aos acordos com os sauditas e, de outro, ao declínio da supremacia diplomática e bélica após fracassos na Líbia e no Magreb como um todo, sem contar o enclave no Iêmen. Para a distinta audiência, Washington esbraveja contra o EI mas, de fato, vinha mantendo os confrontos em fogo baixo, à espera de uma possível reação dos grupos religiosos tão extremistas quanto as bandeiras negras que proliferam na Síria, na luta contra o governo secular do presidente Bashar Al Assad.
A intervenção russa, extremamente eficaz e precisa, em apenas alguns dias minou as defesas do EI, bem guarnecidas com equipamentos norte-americanos de última geração, e redefiniu o desenho geopolítico do Oriente Médio. Com a presença chinesa no Mar Mediterrâneo, segundo relatos de especialistas, aumenta a possibilidade dos coturnos marcharem sobre as áreas hoje dominadas pelos extremistas, entre elas Palmira, onde destruíram monumentos milenares, e Aleppo, onde decapitam e crucificam ‘infiéis’ de toda sorte.
Esta nova realidade política na região serve como um janela aberta aos novos ares de um mundo plural, cada vez mais livre do domínio norte-americano na vida dos países onde resolve impor, à força, seu ponto de vista e seus costumes, na máxima: “If you want it. Take it. If you take it. Pay it” que, traduzido livremente, significa “se eu quiser, pego. Se pegar, pago por isso o quanto e quando achar mais conveniente”. Por essas e outras, após patrocinar as desastradas ‘Primaveras Árabes’, os EUA agora vivem o ‘Outono do Império’.
Gilberto de Souza é jornalista, editor-chefe do jornal Correio do Brasil.