“O tema migração é intrínseco à natureza humana. Ao longo da história da humanidade, a migração é parte de um processo fundamental da existência humana. Nunca foi diferente”. Assim ocorreu a abertura do debate sobre a reforma da legislação migratória e o tratamento dispensado aos estrangeiros no país. As palavras de Beto Vasconcelos, secretário nacional de Justiça do Ministério da Justiça, deram o tom das discussões que viriam a seguir.
Realizada pela Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, em 26/8, a reunião extraordinária teve outros dois convidados: Juana Kweitel, diretora de Programas da Conectas Direitos Humanos e Paolo Parise, padre e diretor da Missão Paz de acolhimento aos imigrantes e refugiados.
Os números da Organização das Nações Unidas apontam para a realidade que compõe a história de todos nós: hoje, no mundo, existem 230 milhões de migrantes. Este número tem um crescimento estável, porém acentuou-se ligeiramente nos últimos anos em razão de restrições financeiras e crises econômicas, conflitos armados e guerras, que geram movimentos migratórios forçados. Conforme explicou Beto Vasconcelos, este grupo, sim, teve uma variação dramática: em 2014 foi registrado o total de 60 milhões de deslocados no mundo.
Ele destacou que o quadro que se mostra hoje no Brasil é o de uma sociedade aberta à migração, solidária e humanista. “Nós temos uma construção histórica da nossa sociedade forjada em fluxos migratórios. Está na nossa história. Está no nosso sangue”. O Brasil tem atualmente um número menor de nacionais de outros países – menos de 1% – vivendo em seu território do que de brasileiros vivendo no exterior.
No decorrer do debate ficou claro que o novo projeto de lei que tramita no Senado necessita de alguns ajustes para ser satisfatório em sua abrangência. A atual legislação sobre o tema, datada de 1980, anterior, portanto, à Constituição Cidadã, é inadequada em todos os sentidos, tendo sido estabelecida durante os anos do regime militar, e não passando por nenhuma atualização desde então. O grupo de convidados frisou a importância destas modificações serem feitas e pôs-se à disposição para ajudar na construção de um texto que seja – de fato – eficiente e eficaz em sua proposta.
Juana Kweitel, argentina, explicou as dificuldades que enfrentou para se regularizar no país e destacou a importância de se ouvir os imigrantes de forma a construir um texto final justo e equânime. Ela lembrou que “estamos convivendo com uma lei da ditadura, uma lei que não é coerente com os princípios da Constituição brasileira, uma lei que vê o imigrante como uma ameaça”. Isto, conforme explicou, gera uma sucessiva violação de direitos, que não facilita nem estimula a regularização destes cidadãos que escolheram o Brasil para viver.
Um outro aspecto importante apresentado refere-se ao papel que o Brasil busca ter no panorama político internacional. Para Kweitel, “este é o momento desta Casa mandar uma mensagem diferente para a sociedade. O Brasil quer liderar com novos modelos em vários assuntos de políticas públicas e, sem dúvida, este é um exemplo no qual o país pode fazer um contraponto às políticas de securitização que estamos vendo na Europa e nos Estados Unidos, com consequências nefastas e números de mortos chocantes”.
Durante o encontro foi mostrado que o Brasil tem condições de fazer uma política migratória solidária, humana e de acolhida. Juana Kweitel citou exemplos de países vizinhos, com a Argentina, que adotou este modelo e isto não resultou em uma chegada de imigrantes em grandes levas àquele país.
A presidente da Comissão, Jô Moraes, parabenizando o deputado Heráclito Fortes (PSB/PI), que solicitou a audiência para o tema comentou que o debate havia sido um “excepcional momento desta Comissão, sobretudo porque eles (os convidados) deram indicações concretas. Indicações de questões para as quais devemos nos alertar quando formos apreciar os projetos”.
Jô destacou ainda a importância do tema, já discutido outras vezes em audiências, mas nunca antes com o foco na legislação referente à política migratória. “Os debatedores que aqui vieram, o fizeram sob a ótica da ampliação dos direitos. Já tivemos debates aqui sobre o que representa a ameaça do migrante. Eu realmente me alimentei das excelentes contribuições que os senhores trouxeram para aqui”, observou.
No encerramento, Beto Vasconcelos reiterou que migração não é questão de saúde ou segurança públicas, mas sim de direitos humanos e concluiu: “não haverá tijolos suficientes para levantar muro algum no mundo ou no Brasil para impedir algo que é da nossa natureza, que é intrínseco ao nosso comportamento, intrínseco à nossa identidade, que é a migração. Nós, brasileiros, sabemos muito bem disso, somos filhos da América, somos filhos da África, somos filhos da Europa, da Oceania, da Ásia. Não haverá muro com altura suficiente que vá impedir que as pessoas se movimentem, migrem. No começo e no fim, somos todos migrantes”.
Texto e foto: Cláudia Guerreiro