Com investimentos no limite, pesquisadores do Proantar – o Programa Antártico Brasileiro – lutam para manter o importante trabalho que, se for interrompido, além de gerar grandes prejuízos à ciência, pode tirar o Brasil do cenário de decisões que influenciarão o futuro climático do mundo.
São 14 milhões de km² - uma área maior que a Europa – cobertos de gelo, onde se encontram 90% da água doce do planeta. Este é o primeiro retrato que se faz da Antártica. Entretanto, o continente gelado é uma riquíssima fonte de dados para todas as áreas de pesquisa e tem um papel determinante na regulação do clima da Terra.
Quando se compreende a importância da Antártica para a humanidade, percebe-se que os investimentos em pesquisa são fundamentais para que o Brasil – sétimo país mais próximo da região cujas correntes marinhas influenciam diretamente no nosso clima – tenha uma responsabilidade ímpar no apoio aos trabalhos científicos desenvolvidos no continente antártico.
Atualmente, 16 universidades nacionais de nove estados (Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco, Bahia e Amazonas) em parceria com outros 30 grupos científicos internacionais, desenvolvem pesquisas na região. Entretanto, problemas orçamentários constantes ameaçam o trabalho dos pesquisadores e, naturalmente, representam um atraso no desenvolvimento científico brasileiro.
Em reunião ocorrida na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, em 14/8, o professor e cientista Jefferson Simões, glaciologista e líder de pesquisa do Programa Antártico Brasileiro, o Proantar, explicou as necessidades urgentes pelas quais o Programa tem passado e apresentou as condições mínimas para que possa continuar funcionando. Sua maior preocupação, caso o programa seja interrompido por falta de verbas, é a desmobilização das pessoas envolvidas, com perda da mão-de-obra qualificada e, por conseguinte, de todo o trabalho feito até então.
Os últimos aportes financeiros recebidos pelo Proantar são do edital realizado em 2013. Estes valores, pagos parceladamente, garantem o funcionamento do Programa Antártico Brasileiro até 2016. Depois disso, se não houver mais financiamento, a interrupção do trabalho será inevitável. Até o momento, nada foi garantido e o Programa encontra-se na iminência de parar.
Entre os anos de 2007 e 2012 o Programa conseguiu garantir recursos na ordem de R$15 milhões. Estes valores, alocados pela Frente Parlamentar de Apoio ao Proantar, foi exclusivamente para o desenvolvimento da ciência antártica brasileira. “Isto fez uma diferença enorme para as pesquisas”, afirmou Jefferson Simões. Os trabalhos voltados para climatologia (a ciência que estuda o clima do planeta) e para as consequências diretas do aquecimento global no mundo e, mais especificamente, no Brasil, cujo território recebe influência direta do clima antártico, avançaram sobremaneira. “A origem de todos os rios da Bacia Amazônica está nas geleiras”, revelou. “O derretimento destas geleiras atinge diretamente as relações internacionais e os países que fazem fronteira com o Brasil”, informou o professor. Isto terá um impacto direto no aspecto socioeconômico destes países.
Além de toda a importância científica, há ainda a relevância política. O Tratado da Antártica é claro: para ter direito a voto nas decisões do grupo como membro consultivo, caso do Brasil, o país tem que desenvolver pesquisas. “Se o Brasil acabasse com a parte científica do Programa, teria seu protagonismo restrito e, provavelmente, perderia o direito de decidir o futuro”, alertou Jefferson Simões. Conforme explicou, o investimento em ciência se dá por editais, mas as fontes destes recursos têm sido três: os orçamentos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e emendas da Frente Parlamentar. “No entanto, falta uma continuidade em qualquer um deles”, disse o cientista.
Em 2008 houve um aporte financeiro da Frente Parlamentar de Apoio ao Proantar, no valor de R$ 15 milhões. Nos anos seguintes, entre 2009 e 2012, não houve mais nenhuma entrada de verbas para o Programa Antártico, até que em 2013, por meio do MCTI, novos recursos no mesmo valor dos de 2008, garantiram a continuidade do programa até 2015. Jefferson explicou que este dinheiro, além de descontínuo, encontra-se defasado. “Este valor corrigido para R$ 20 milhões a cada dois anos torna sustentável o Programa”, comentou. Isto manteria os cerca de 200 cientistas envolvidos nos grupos de pesquisa das 16 universidades, além de um grande número de bolsistas, que atuam diretamente em campo para coletar dados e desenvolver estudos nas diferentes áreas científicas trabalhadas no continente. Desse valor, aproximadamente 30% seguem para os bolsistas. Os restantes 70% cobrem os custos de deslocamentos até o ponto de apoio no Chile, de onde os pesquisadores partem para a Antártica em aviões e barcos da Marinha do Brasil, o transporte de cargas leves e pesadas, sendo que as primeiras têm de ir obrigatoriamente de avião, equipamentos laboratoriais, científicos, consumíveis etc.
A estrutura do Proantar não inclui um instituto de pesquisas antárticas. Isto prejudica o recebimento e compartilhamento das verbas voltadas à pesquisa científica, uma vez que estas se pulverizam entre os diferentes órgãos de governo que as repassam ao Programa conforme sua maior ou menor disponibilidade. “A falta de estabilidade dos recursos é pior do que a falta dos recursos em si”, afirmou Jefferson Simões. O Programa Antártico Brasileiro tem atualmente R$930 mil em caixa. “Precisamos de mais R$700 mil para conseguir fechar as atividades até março de 2016”, alertou o cientista.
A solução para a questão, segundo Jefferson seria o não contingenciamento das verbas alocadas para a pesquisa e a criação de um programa de malha antártica dentro do Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão. O plano que existe atualmente disponibiliza apenas R$1,2 milhão para cobrir tudo dentro do Proantar. “Isto não cobre nada dentro do MCTI. É absolutamente irreal. Mal e mal cobre apenas um projeto dentro do Programa”, afirmou o pesquisador.
Este tem sido um problema da comunidade científica brasileira em geral. O Programa Antártico tem o agravante de ser longe e sazonal. Devido à severidade do clima antártico, as ações só podem ser executadas no curto verão da região que ocorre entre os meses de janeiro e março. O que não se consegue fazer neste espaço de tempo terá de esperar o ano seguinte para acontecer, o que gera atrasos grandes não apenas no campo logístico como – mais grave – no desenvolvimento e acompanhamento das pesquisas.
“Com R$5 milhões anuais nós já conseguiríamos administrar a parte científica”, garantiu Simões. De acordo com ele, existem duas situações distintas: a logística e a científica. Embora separadas e diferentes em suas naturezas, ambas são interdependentes e, no campo antártico, uma não existe sem a outra. Se os editais saíssem a cada três anos, com um valor estimado de R$15 a 20 milhões, o Programa conseguiria se manter sem grandes percalços. “O importante é que estivessem livres de qualquer contingenciamento e não fossem aleatórios”, concluiu.