Neste artigo do The Guardian, o autor analisa as enormes diferenças existentes entre dois modelos econômicos : o Neoliberal (EUA e Europa) e o "Intervencionista" dos governos de esquerda da América Latina.
Do The Guardian
Seumas Milne
Seumas Milne
A América Latina é a alternativa
Não surpreende que os governantes da América Latina continuem sendo reeleitos.
Os governos do continente sul-americano atacaram a desigualdade social e racial, desafiaram a dominação dos EUA e começaram a criar uma verdadeira integração regional independente pela primeira vez em 500 anos.
Os líderes do Equador e da Venezuela entregaram enormes ganhos sociais e vão continuar vencendo eleições.
Desde a crise econômica de 2008, que expôs o núcleo podre de um modelo econômico falido, nos foi dito que não havia alternativas viáveis. Enquanto a Europa se afunda em políticas de austeridade, partidos governistas de qualquer orientação são rotineiramente rejeitados pelos eleitores desiludidos, apenas para serem substituídos por outros que aprovam mais cortes sociais, promovem mais privatizações e aumentam a desigualdade.
Então como devemos analisar uma parte do mundo onde os governos resolutamente viraram as costas para esse modelo, reduziram a pobreza e a desigualdade, reergueram indústrias, proveram mais recursos de controle corporativo, expandiram maciçamente os serviços públicos e a participação democrática, continuam recebendo apoio e são reeleitos em eleições ferozmente contestadas?
Isso é o que vem acontecendo na América Latina há uma década. Um líder político, para sublinhar a tendência, é o economista radical Rafael Correa, reeleito como presidente do Equador, enquanto o seu partido ganhou uma maioria absoluta no parlamento. O Equador agora faz parte de um padrão bem estabelecido.
Em outubro passado, o tão vilipendiado mas imensamente popular Hugo Chávez, que retornou para casa na segunda-feira após dois meses de tratamento contra o câncer em Cuba, foi eleito presidente da Venezuela, com 55% dos votos, e reeleito após 14 anos no poder em uma eleição apontada como fraude pela Grã-Bretanha e os EUA. À recondução de Chaves se seguiram a reeleição, na Bolívia, de Evo Morales, o primeiro presidente indígena da América Latina, em 2009; a eleição da sucessora de Lula, Dilma Rousseff no Brasil em 2010; e de Cristina Kirchner, na Argentina, em 2011 .
Apesar das diferenças, não é difícil perceber porquê a América Latina foi a primeira a experimentar o impacto desastroso do dogma neoliberal e a primeira a revoltar-se contra ele. Correa foi originalmente eleito na esteira de um colapso econômico tão devastador que um em cada dez equatorianos deixaram o país. Desde então, a sua "revolução cidadã" cortou a pobreza em quase um terço e a extrema pobreza em 45%. O desemprego foi reduzido, enquanto a segurança social, a saúde e a educação gratuitas foram rapidamente expandidas - incluindo o ensino superior gratuito, agora um direito constitucional -, enquanto a terceirização de serviços foi banida.
E isso foi conseguido não só por usar a limitada riqueza do petróleo para beneficiar a maioria, mas fazendo as corporações e os ricos pagarem os seus impostos (as receitas quase triplicaram em seis anos), aumentando o investimento público para 15% da renda nacional, estendendo a propriedade pública, a renegociação de contratos de petróleo lesivos aos interesses do país e revisando a regulação do sistema bancário para apoiar o desenvolvimento.
São muitas das coisas que, de fato, de acordo com a ortodoxia convencional de "livre mercado", que insiste em levar à ruína, mas, pelo contrário, entregaram um rápido crescimento e o progresso social. O governo de Correa também fechou a base militar dos EUA em Manta (ele afirmou que reconsideraria a sua decisão se for permitido ao Equador "colocar uma base militar em Miami"), expandiu os direitos humanos e especialmente dos povos indígenas e adotou uma das mais radicais políticas de meio ambiente do mundo. Foi aprovada a iniciativa Yasuni, ao abrigo do qual o Equador renuncia ao seu direito de explorar petróleo em uma parte exclusiva de biodiversidade da Amazônia em troca de contribuições internacionais para projetos de energia renovável.
Mas o que está acontecendo no Equador é apenas parte de uma onda progressiva que varreu a América Latina, já que os governos socialistas democráticos atacaram a desigualdade social e racial, desafiaram a dominação dos EUA e começaram a criar uma verdadeira integração regional independente pela primeira vez em 500 anos. E, dado que a maioria foi reeleita, não é surpreendente que continuem recebendo votos para continuarem no poder.
A aprovação nas urnas diz mais sobre os meios de comunicação ocidentais (e os seus homólogos latino-americanos da elite) que retratam os governos do Equador e da Venezuela como ditatoriais. A hostilidade dos EUA é parte desse embuste da mídia que, no caso do Equador, também tem sido alimentada pela fúria com a decisão de Correa conceder asilo ao fundador do WikiLeaks, Julian Assange, que enfrenta acusações de agressão sexual na Suécia, com a ameaça concreta de extradição para ser processado nos EUA. Na realidade, a ameaça antidemocrática real vem de aliados do próprio EUA, que lançaram golpes abortados contra Chávez e Correa e golpes bem-sucedidos em Honduras em 2009 e no Paraguai no ano passado.
Claro, os governos de esquerda da América Latina conservam falhas que vão desde a elevada corrupção e criminalidade. No Equador e em outros lugares, as tensões entre as exigências desenvolvimentistas, o meio ambiente e os direitos indígenas aguçaram e nenhuma dessas experiências ainda oferecem qualquer tipo definitivo de alternativa social ou econômica a outros modelos.
Há também uma questão para ser determinada que reside em saber se a dinâmica de mudança continental pode ser mantida, agora que Chávez, que a liderou, deverá dar posse ao seu sucessor, o ex-sindicalista Nicolás Maduro , e se este está em uma posição forte para ganhar novas eleições. Mas, provavelmente, nem ele e nem o carismático Correa serão capazes de igualar o papel regional catalítico de Chávez.
Enquanto enfrenta um certo descrédito de outras nações que têm pouco a oferecer, a transformação da América Latina é, no entanto, profundamente enraizada e popular. Para o resto do mundo é um absurdo imaginar que, cinco anos depois da crise, nada pode ser feito, além do mais do mesmo. Na verdade, estas são as economias e sociedades em um estágio de desenvolvimento muito diferente e as suas experiências não podem simplesmente ser replicadas em outros lugares. Mas os países latino-americanos certamente estão mostrando que existem várias alternativas ao masoquismo neoliberal que também ganham eleições.
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