Através das primeiras fundações que surgem próximas à antiga ponte, a nova travessia do Guaíba começa a tomar forma. Mais uma vez, temos diante dos olhos um evento histórico, que seis décadas depois guarda semelhanças com os capítulos iniciais da longa e tortuosa história da travessia a seco do Guaíba.
A partir da década de 1940, as dificuldades geradas pela questão da travessia do Guaíba - que não apenas fazia a ligação entre duas cidades, mas sim, a ligação entre as metades sul e norte do estado, a ligação deste com o restante do Brasil e do Brasil com os países do mercosul - se tornavam cada vez mais graves.
O substancial aumento do tráfego de veículos e passageiros naqueles anos tornava o serviço de barcas - administrado pelo Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem desde 1941 e que realizava a travessia até então - completamente obsoleto. Segundo dados do próprio DAER, no ano de 1942, pouco mas de 13 mil veículos e 63 mil passageiros fizeram a travessia, que ligava o bairro Assunção, em Porto Alegre, ao local onde atualmente funciona o Terminal Hidroviário dos catamarãs, no centro de Guaíba. Aliás, parte da estrutura que ainda existe ali foi construída naquela época. Contudo, apenas 12 anos depois, no ano de 1954, os dados se tornam surpreendentes: foram 246 mil veículos e 827 mil passageiros a atravessar o Guaíba. Um aumento de mais de 13 vezes no número de passageiros e de 18 vezes o número de veículos, revelando assim que o processo rodoviário estava a pleno vapor, com cada vez mais veículos rodando pelas estradas brasileiras, sem que houvesse estrutura adequada para este aumento de tráfego. Não precisamos de grandes exercícios de imaginação para constatarmos o verdadeiro caos que se instalara no transporte entre Guaíba e Porto Alegre.
A travessia por meio das barcas (que eram apenas duas: Francesca e 13 de maio) definitivamente não atendia mais a demanda, que era crescente. Neste período, o processo completo de travessia entre as duas cidades demorava quatro horas ou mais. A travessia a seco se impunha.
Um velho sonho, a travessia a seco do Guaíba era imaginada desde o século 19, porém discussões sérias a respeito iniciaram somente no início dos anos 1950, quando o DAER criou uma espécie de comissão da travessia, destinada a realizar os estudos necessários para a obra. Em relação aos debates técnicos existem alguns aspectos curiosos. A primeira discussão, realizada também na Assembleia Legislativa, defendia melhorias no sistema de barcas. Como um deputado comentou à época, devido ao lamentável estado das estradas gaúchas, construir a ponte seria como “vestir calças de veludo e andar descalço”. Todavia, a melhoria do serviço de barcas foi logo descartada, havendo grande interesse por parte do DAER em realizar a gigantesca obra. Um dos projetos defendia a construção de um túnel subfluvial, que ligaria à Ponta da Cadeia em Porto Alegre à Ilha da Pintada. Para o correto funcionamento do túnel, haveria a necessidade de um torre de ventilação, no meio do percurso. Porém, este projeto também foi logo descartado.
O projeto vencedor previa a utilização da própria geografia, ligando as ilhas por meio de um complexo de pontes, tendo início as obras em outubro de 1955. A solução para o Guaíba, devido à intensa navegação de petroleiros, foi a construção da ponte com um vão móvel. Projeto realizado por uma empresa alemã e construído pela Companhia Siderúrgica Nacional. Embora sem estar completamente pronta, a Travessia Régis Bittencourt foi inaugurada em 28/12/1958, pelo governador Ildo Meneghetti. Leonel Brizola, que já havia sido eleito governador dois meses antes, ao assumir tentou trocar o nome da obra para Travessia Getúlio Vargas, no entanto a alteração nunca foi homologada pelo governo federal, que realizara a obra através do DNER em parceria com o DAER.
Durante sua construção e após sua inauguração “a nova ponte dos suspiros” gerou grandes expectativas, tanto em porto-alegrenses, quanto nos guaibenses. Havia o entendimento de que a obra por si só traria desenvolvimento para a região, havendo inclusive projetos para a construção do Aeroporto Internacional de Guaíba, que faria parte de uma conurbada “cidade industrial linear Jacuí-Guaíba”. A euforia pode ser sintetizada através de expressões utilizadas pela imprensa da época, que via acontecer no Rio Grande do Sul a superação do atraso e a chegada do progresso.
Passava-se da era das barcas para a era das pontes.