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Blog do Freitas

3 de Abril de 2011, 21:00 , por Desconhecido - | No one following this article yet.

Gatos na noite elétrica de Natal

24 de Dezembro de 2014, 19:35, por Eduardo Freitas

Eles estavam como dois gatos arrepiados pela noite elétrica. Noite áspera como uma árvore de Natal.

Os fogos. As gargalhadas que vinham das sacadas. As mensagens de texto que não paravam de chegar. Os bares bêbados. A comida gordurosa. Molduras perfeitas para aqueles dois gatos andarilhos da noite que nasceu o Menino.

Ela não era cristã. Ele era, mas não tinha família. Nem sagrada, nem profana, nem presépio. O Natal já não era mais uma data cristã tampouco. O que lhes restava era um ao outro, ombro a ombro, andarilhando, iluminados - vagabundamente - pelas decorações brilhantes e chinesas.

Mais uma mensagem de texto. Mais um presente ao contrário. Mais uma agressão. Mais adrenalina. Mais uma cerveja. Ele sentiu-se confuso com a confusão que era a vida dela. Mas resistiu e não deixou-se abalar. Nem fugiu, como ela achara que ele seria capaz de fazer, ali, enquanto o olhava candidamente da porta de uma loja fechada na noite de Natal. Ela dizia que, sim, ele poderia ir embora. Como se isso não fosse lhe transformar em algo mais abjeto que a encardida e fajuta barba do Noel. Voltou e ronronou na orelha dela. Ela riu com os olhos azuis.

Mas estes dois eram mesmo fugitivos, esgueirando-se pelas sombras da cidade. Procurando, procurando. Cada luzinha nas janelas, cada luzinha piscando no telefone, mais um motivo para que buscassem as sombras e vivessem em seu mundo secreto e particular que construíram sobre os combalidos alicerces um do outro. Construções noturnas. Noite por noite, fosse de Natal ou não.

Deu meia-noite, deu uma hora. Os brindes, as ceias. E os dois gatos transtornados, obsessivos e compulsivos, delicadamente evitando pisar nas fugidias luzes natalinas derramadas nas sarjetas da cidade. Procurando. Um renascer?

Procurando as suas próprias luzes de Natal.

 



Eu estive no apocalipse zumbi: uma tragédia em cinco atos

15 de Dezembro de 2014, 10:24, por Eduardo Freitas

Ouverture

Sábado à noite. Os jovens - e os coroas também - procuram diversão. Há uns anos atrás isto significava sair, jantar, beber e dançar até o chão, como se não houvesse amanhã. Hoje em dia, uma boa parte prefere ficar em casa, com a cara iluminada pelas maravilhas da internet. De qualquer forma, sábado é a noite mais esperada da semana.

No último sábado deixei a internet de lado e enveredei pelo submundo da Voluntários da Pátria, com suas calçadas esburacadas e enlameadas. Chegamos a quadra de uma famosa escola de samba, onde estava rolando uma festa do tipo "som Brasil". Tudo muito bem até aí, porém nesse instante começa a tragédia: atualmente divertir-se é sinônimo de esperar, esperar, esperar e esperar mais um pouco em imensas e insalúbres filas.

1º ato: A fila para entrar

Ela estava enorme. Muito mais comprida que aqueles dragões chineses e, logicamente, com muito menos charme. Pessoas felizes, bebendo, fumando, tagarelando e... incrivelmente conformadas com o fato de esperarem por uma hora em uma fila somente para entrar no local da festa. A apatia é a cara desta geração. Entramos na fila à meia-noite. Perceberam que eu estava um pouco contrariado. Respondi: "Nada disso, até a uma hora conseguiremos entrar. Alegria! Alegria". Minha previsão não se concretizou e conseguimos entrar faltando 5 minutos para a uma hora da manhã.

2º ato: A fila para comprar bebida

Entramos. O lugar ainda estava meio vazio e confesso que senti uma certa pontinha de decepção com isso. Algo que eu me arrependeria amargamente em torno de uma hora depois. O "som Brasil" que estava rolando provavelmente era o menos menos menos conhecido de todos os tempos. Música para iniciados. Mas iniciados muito iniciados. Tipo, nível 33 da maçonaria. Músicas que são conhecidas somente pelos grão-mestres do hipsterismo cotidiano. Muitas pessoas barbudas. Mas muitas mesmo. Barba é acessório obrigatório nos tempos atuais. Senti-me em meio a uma convenção regada a álcool dos cursos de ciências sociais. Decidi que vou tirar a barba e fazer administração. Ok. Vamos beber. Onde compra a bebida? Ali. Ali? Sim, ali, naquela... fila! Encaramos a segunda fila da noite, depois da fila para entrar, a fila para beber. Mas, peraí... Ainda não era a fila para beber. Era apenas a fila para comprar o tíquete para retirar a bebida em... outra fila.

3º ato: A fila para retirar a bebida

Tíquetes na mão. Garganta seca. Encaremos a fila para retirar a bebida. Agora a DJ já parecia ter esgotado (ou se dado conta de que estava bem chato) seu repertório "amodoro esses carinhas doidivanas da MPB do B" e começara a tocar coisas mais conhecidas, tipo Jorge Ben Jor etc e tal. Eis a fila para retirar a bebida: pessoas desejando ansiosamente beber, bloqueadas por uma pessoa à sua frente também muito desejosa de álcool. Imaginem que tragédia. Você quer beber e não consegue pois na sua frente existem várias pessoas querendo beber que atrasam o seu acesso à bebida. A fila é um sofisticado instrumento de tortura. Além de fazer você ter mais vontade de beber, para esquecer as agruras de estar na terceira fila da noite. Mas tem mais.

4º ato: A fila do banheiro

A essa altura, depois das primeiras bebidas, depois de ter ido buscar a cerveja no balcão que só entregava outros drinques (ou seja, para retirar a bebida as filas eram duas: uma para cerveja, outra para os drinques) a casa estava lotada. Os barbudos se beijavam loucamente. Os coroas sambavam como se não existisse amanhã. Meninas vomitavam pelos cantos. A DJ fora descansar e uma banda bizarra tocava maluquices sem sentido. Arrependi-me amargamente de ter sentido aquela pontinha de decepção de quanto entramos e percemos a casa um pouco vazia. Agora ela estava cheia. Muito cheia. E todos já estavam suficientemente bêbados e com vontade de urinar. Havia 4 banheiros químicos, essas casinhas azuis, nojentas, mas funcionais. Quatro casinhas para, sei lá, mais de mil pessoas. As filas estavam enormes. Recomeça a tortura. Você está com a bexiga estourando e impedido de esvaziá-la pois muitas outras pessoas chegaram antes e a esvaziam bem ali, a alguns metros de ti, ostentando. É a ostentação da bexiga vazia. Pronta para outra rodada. Chegou minha vez. Uma lata de Polar entope o mictório. Ok. Consegui fazer o que precisava mesmo assim. Voltemos à pista. Hora de fumar um cigarro.

5º ato: A fila para fumar

A vontade de fumar vinha desde o momento que entramos. Antes das filas da bebida, da retirada da bebida e do banheiro. Mas, estranhamente ninguém fumava lá dentro. Não havia o menor cheiro de cigarro. Não havia nenhuma luzinha laranja no raio de 100 metros. Eu estava achando isso tudo muito estranho. Estão todos bêbados, 15% da população é fumante, embora ali o percentual devesse ser maior, pois os boêmios fumam costumeiramente e mesmo assim ninguém, ninguém, ninguém fumava? Ok, a lei é dura, só se pode fumar na rua e em casa, mas mais surpreendente do que a proibição é o fato de nenhuma viva alma desobedecer a regra. O jeitinho brasileiro foi para o espaço. E agora começa o verdadeiro horror. Onde fica o fumódromo? Ali, está vendo, aquela placa escrita à mão: FUMÓDROMO. Beleza, vamos lá. Encontramos um corredorzinho que levava a uma porta para a rua. Ali um "cercadinho", feito com aquele material que usam para proteger os pedestres em relação às obras, à céu aberto (obrigado Deus, não chovia) que contava com uns 10 metros quadrados onde se aglomeravam umas 80 pessoas, cigarrinhos na boca, entre os dedos, ombro a ombro, no infortúnio de possuir um hábito inaceitável. Era impossível se mexer. Se você entrasse com o cigarro entre os dedos ele queimaria até o final sem ser possível levá-lo à boca. Dica: quando fores ao fumódromo entra com o cigarro na boca. Caso contrário, não fumarás. Para sair era mais difícil, pois as levas de fumantes não paravam de chegar e o espaço ficava cada vez menos. Preciso de mais uma bebida. E o ciclo continua, fila para comprar, fila para retirar, fila para mijar, fila para fumar...

Grand finale

Mais uma dose, é claro que eu tô a fim. Fila novamente. Mas, a essa altura da madruga, com aquele exército de bêbados e com a fila para a entrada ainda colocando gente para dentro, a situação tornou-se complicada. O que era uma fila quase organizada no início da festa agora tornara-se um bloco homogêneo de cabeças à minha frente, movendo-se todas em direção à bebida, como aqueles zumbis de Walking Dead que encurralam alguém atrás de uma cerca de tela. Era a visão do inferno. A massa movimentava-se cadencialmente: cabecinhas para a esquerda, cabecinhas para a direita. Um murmúrio se elevava a partir delas, eu quase podia ouvir, em vez de "braaaains", "bebiiiiidaaaa". O apocalipse zumbi já aconteceu. E torna a acontecer. Vá numa fila, ops, numa festa em qualquer sábado desses e veja com seus olhinhos que a terra há de comer.



Um conto sobre a Guerra do Paraguai

13 de Dezembro de 2014, 10:06, por Eduardo Freitas

LAS CHIVITAS (UM CONTO DE GUERRA)

Numa colina, ao longe, a fumaça negra de uma batalha subia alheia aos homens e animais mortos e a toda destruição. Passava pouco do meio dia, não havia vento nem nuvens, o sol a pino no céu profundamente azul não deixava pairar sombra de dúvida: a guerra continuava mais viva do que nunca.

O único ruído, além daquele ensurdecedor produzido pelas cigarras, provinha de um cavalo ensanguentado que corria sem rumo quase atropelando os homens do Tenente Rodrigo Aguiar e assustando as suas montarias.

Talvez fosse a única testemunha do horror que se passara lá naquela colina. Apesar da velocidade incrível que o cavalo cruzou pelo pequeno pelotão, Rodrigo ainda conseguiu identificá-lo, pelo tipo de sela que levava, como montaria do Exército Imperial Brasileiro.

O espectro da morte rondava.

Provavelmente, um grupo avançado fora pego de surpresa e destroçado pela aguerrida resistência paraguaia. Passados cinco anos do início da mortandade ainda os paraguaios resistiam e não entregavam facilmente a vida perante o avanço arrasador do inimigo brasileiro.

“Devem ter sido os homens do Silva Corrêa”, disse um cabo negro, “que Nossa Senhora tenha piedade”.

Rodrigo olhou fixamente para o filete negro de fumaça que começava a se dissipar além da colina e apenas murmurou entre dentes: “Que tenha piedade de todos nós, mesmo não merecendo”.

Agora era preciso observar de perto o que havia acontecido, desviando por algumas horas da ronda que estavam realizando naquela região montanhosa. Sempre havia a possibilidade da existência de sobreviventes.

Fazia dois dias que caminhavam sem descanso, em busca de um grupo que estava atacando de forma sorrateira as tropas brasileiras e sumindo logo em seguida. Uma guerra de guerrilha, que certamente contava com o apoio de famílias paraguaias que davam abrigo a estes combatentes invisíveis de Solano Lopez.

Notícias davam conta de que andavam escondidos por ali e a missão do Tenente Rodrigo era dar cabo destes homens de uma vez por todas, antes que provocassem mais baixas do lado brasileiro. Pelo visto estavam na iminência de encontrá-los.

Rodrigo Aguiar ordenou aos seus homens que avançassem em direção à colina, atentos a qualquer movimentação. Se os homens de Silva Corrêa, conhecidos por sua bravura, foram dizimados da forma como aparentava ter acontecido, toda a atenção era necessária para evitar o encontro com a morte logo mais à frente.

O céu permanecia de um azul luzidio, nenhuma nuvem como testemunha daqueles 14 homens que cavalgavam em direção ao mistério, aqueles homens que faziam a guerra tão longe do Rio de Janeiro e do Imperador.

Rodrigo pensava em quanto tudo isso podia ser irônico, ter de enfrentar um homem que até então jamais ouvira falar, até a morte de um ou de outro. Às vezes de ambos. Não parecia ter lógica. Na distância dos centros de poder eram tomadas decisões que afetavam a vida não só de um homem, mas de toda a sua descendência.

“Se um paraguaio me mata aqui hoje, não terei filhos, netos e estes também não terão. Não terão nem a chance, porque não existirão”, pensava rapidamente enquanto seu cavalo trotava devagar.

Quem mata um homem mata também toda sua geração. Este era o trágico saldo das guerras.

Quando já se passavam 30 minutos de cuidadosa cavalgada em direção à colina os homens que se encontravam mais a frente do grupo informaram seu tenente que um casebre fora avistado. Os homens ficaram eriçados, ali estava a oportunidade de revistar um possível esconderijo do inimigo.

“E se eles estiverem escondidos lá?” perguntou idiotamente um deles.

“E se for uma emboscada?” questionou outro mais previdente.

Rodrigo simplesmente disse que as respostas seriam dadas assim que invadissem o casebre.

Destacou dois homens para que o acompanhassem até o local; ordenou que os outros seguissem pelos flancos. Quando chegaram a apenas dez metros do casebre Rodrigo viu que se tratava de uma construção toda de madeira, muito rústica. Ladeada por cochos e com um pequeno lago para os patos logo adiante. Se tratava obviamente de uma pequena propriedade de criação de animais. Não havia sinal de viva alma. Se alguém ainda vivesse ali ou estaria muito longe ou estaria dentro da casa. As janelas estavam fechadas e a porta também.

Fazendo o reconhecimento em torno da casinha velha, Rodrigo e mais os dois homens que o acompanhavam depararam-se com uma cena tétrica.

Atrás do casebre estavam vários animais mortos. Galinhas, patos, porcos, um cachorro e duas vacas. Por um momento o sangue dos três homens ficou congelado nas veias, mesmo com o sol quente do começo da tarde.

Algumas moscas-varejeiras já desfilavam sobre as carcaças dos animais, que apresentavam ferimentos de espada.

"Foram todos trucidados, provavelmente pelos mesmos homens que acabaram com o pelotão de Silva Corrêa nos arredores na colina", era o pensamento daqueles homens, embora quase pudesse ser ouvido, quase mais alto que o zumbido das varejeiras.

Havia ainda outra hipótese ainda mais dantesca: os próprios brasileiros teriam cometido esta barbárie e recebido o castigo antes mesmo de conseguirem se distanciar do palco do crime. Era quase certo que quem quer que habitasse aquele casebre tivesse passado pelo mesmo tratamento.

“Os corpos devem estar dentro da casa”, foi o pensamento sombrio de Rodrigo.

Não sendo mais possível adiar o momento crucial e passado o espanto inicial com os corpos dos animais que jaziam ao fundo do casebre, Rodrigo ordenou que os homens ficassem um de cada lado da porta, que, estranhamente, estava fechada por dentro.

Tentou abri-la empurrando. Não cedeu. Por fim decidiu arrombá-la, o que fez aplicando um golpe violento com o pé. A velha porta de madeira não resistiu ao primeiro golpe e tombou. Lá de dentro ouviu murmúrios.

No canto da casa estava uma mulher, com duas crianças pequenas e duas cabritinhas. A mulher chorava e abraçava as crianças e os animais com o mesmo ímpeto de proteção, como se os seus braços de mãe pudessem evitar qualquer mal; como se as suas lágrimas pudessem formar um véu que os protegesse de toda brutalidade.

Rodrigo, instintivamente - e apesar de ter passado pelo processo desumanizador da guerra -tentou acalmá-la, porém a mulher parecia estar em choque e repetia sem parar “No mate las chivitas señor! No mate las chivitas señor! Ellas dan la leche de los niños”!

Rodrigo não conseguiu mais ficar dentro do casebre. Parecia que todo o peso, de todos estes anos de sangue e morte estava sobre suas costas. Ordenou que o restante da tropa se aproximasse e que a porta do casebre fosse consertada e colocada no lugar. Mandou que queimassem os cadáveres dos animais ao fundo do casebre e que os homens se reabastecessem de água no poço da propriedade.

Tão logo fosse isso feito se colocariam novamente em marcha até a colina.

A guerra ainda não acabara, embora um bom pedaço da humanidade de Rodrigo Aguiar tivesse ficado naquele lugar.



Aniversário

8 de Dezembro de 2014, 9:01, por Eduardo Freitas

Este que já foi um blog político parece tornar-se um blog romântico (treta!).

Quer dizer, hoje é meu aniversário, e por mais que eu odeie fazer aniversário (é a minha parcela juvenil revoltada que não se conforma com estas comemorações burguesas), recebi um presente bem bonito, de uma guria especial, que transcrevo abaixo:

"Eu achei que podia te fazer feliz quando vi teu sorriso pela primeira vez me convidando para entrar em algum lugar da tua vida que eu não sabia qual.

Senti teu beijo doce pela primeira vez e começamos a namorar sem que tu tivesse me pedido.

Não pedi mais para entrar, resolvi invadir o latifúndio sem medo de reintegracão de posse (ali já era meu lugar).

Menino lindo que acorda cedo e vê o mundo do outro lado do lago. Que gasta os tênis pela cidade com seus sonhos possíveis preenchendo os espaços das calçadas irregulares do mundo.

Que conhece o mundo pelos livros.
Que supera tudo com mais facilidade do que eu.
Que diz que me adora, mas mal sabe que quem adorou ele primeiro fui eu.

Menino lindo que aprendi a admirar. Homem lindo por quem me apaixonei. Por quem hoje desejo dormindo e sonho acordada.

Menino, garoto, homem.
Fica comigo porque assim serei mais feliz."

Uou! O que fazer ou dizer depois de uma homenagem dessas? Senti-me o próprio "working class hero" sedutor, apaixonado e apaixonante.

Então, por mais que seja um martírio passar pelo dia do aniversário, com esse lindo presente-poema as coisas se tornaram mais agradáveis neste oito de dezembro.



Tags deste artigo: história política brasil