Eles estavam como dois gatos arrepiados pela noite elétrica. Noite áspera como uma árvore de Natal.
Os fogos. As gargalhadas que vinham das sacadas. As mensagens de texto que não paravam de chegar. Os bares bêbados. A comida gordurosa. Molduras perfeitas para aqueles dois gatos andarilhos da noite que nasceu o Menino.
Ela não era cristã. Ele era, mas não tinha família. Nem sagrada, nem profana, nem presépio. O Natal já não era mais uma data cristã tampouco. O que lhes restava era um ao outro, ombro a ombro, andarilhando, iluminados - vagabundamente - pelas decorações brilhantes e chinesas.
Mais uma mensagem de texto. Mais um presente ao contrário. Mais uma agressão. Mais adrenalina. Mais uma cerveja. Ele sentiu-se confuso com a confusão que era a vida dela. Mas resistiu e não deixou-se abalar. Nem fugiu, como ela achara que ele seria capaz de fazer, ali, enquanto o olhava candidamente da porta de uma loja fechada na noite de Natal. Ela dizia que, sim, ele poderia ir embora. Como se isso não fosse lhe transformar em algo mais abjeto que a encardida e fajuta barba do Noel. Voltou e ronronou na orelha dela. Ela riu com os olhos azuis.
Mas estes dois eram mesmo fugitivos, esgueirando-se pelas sombras da cidade. Procurando, procurando. Cada luzinha nas janelas, cada luzinha piscando no telefone, mais um motivo para que buscassem as sombras e vivessem em seu mundo secreto e particular que construíram sobre os combalidos alicerces um do outro. Construções noturnas. Noite por noite, fosse de Natal ou não.
Deu meia-noite, deu uma hora. Os brindes, as ceias. E os dois gatos transtornados, obsessivos e compulsivos, delicadamente evitando pisar nas fugidias luzes natalinas derramadas nas sarjetas da cidade. Procurando. Um renascer?
Procurando as suas próprias luzes de Natal.