MALINI, Fábio; ANTOUN, Henrique. A internet e a rua: ciberativismo e mobilização nas redes sociais. Porto Alegre: Sulina, 2013.
Uma visita guiada pelas origens da Internet. É por onde começo. O livro de Fábio Malini e Henrique Antoun, prefaciado com destreza por Ivana Bentes, é, além uma visita guiada pelas origens da Internet, um mar definições e conceitos pertencentes ao universo da tecnologia e comunicação, que inclui a articulação de um extenso referencial teórico.
O livro está dividido em quatro partes e conta com uma ampla seção de notas que vale a consulta à medida em que se faz a leitura dos capítulos. Publicado em agosto de 2013, em um momento de grande vigor das manifestações no Brasil, o livro traça genealogias de vários movimentos sociais que atuaram e atuam, nas manifestações e fora delas, enquanto articula gradativamente a genealogia da Internet com a rua.
No prefácio, Ivana quando afirma categoricamente que “esse livro busca mapear e cartografar, tensionar, analisar e apontar caminhos, menos que responder a uma questão inquietante: afinal, o que está acontecendo?”.
Avançando na leitura, os autores seguem apresentando nos capítulos iniciais as origens de diversos movimentos e iniciativas. Entre eles, podemos citar: as origens do movimento do software livre, das lutas antidisciplinares, do copyleft, dos blogs, dos Anonymous e dos softwares P2P (peer-to-peer) e outras. Cabe ressaltar que uma atenção especial foi dada à invenção (ou origem) do midialivrismo e sua bifurcação em midialivrismo de massa e midialivrismo ciberativista. Definições e relatos referentes ao midialivrismo são retomados várias vezes durante o livro.
Mais à frente, durante o desenvolvimento do livro, toda conceituação de aspecto técnico parece servir à uma convergência de significação social, em que o funcionamento de uma determinada tecnologia, mantém similitude com o funcionamento ou estruturação da organização social. Talvez o exemplo mais elucidativo, seja o das topologias das redes P2P, que apresentam diversas configurações e são facilmente visualizadas através de representação gráfica, evidenciada através de “nós”.
O hacker das narrativas – o midialivrista – ganha cada vez mais espaço no livro. Os autores baseados na obra de Negri e Lazzarato sentenciam: “A mídia livre é um meio para viver, um meio onde tempo do trabalho não se contrapõe mais ao tempo de vida”(…). Essa mesma mídia livre é a que disputa a guerra das narrativas com a mídia corporativa/massiva. A cobertura midialivrista e colaborativa está geralmente “associada a uma mobilização de grupos consorciados para produzir uma opinião pública que ultrapasse o consenso estabelecido pela imprensa”.
Com um texto híbrido, caracterizando-se ora por sua informalidade, com um texto mais fluido, e ora pela formalidade, com um texto mais denso, que exige maior concentração; o livro mantém uma alternância entre estilos textuais, assemelhando-se à uma série de palestras, em que cada palestrante possuindo um estilo próprio, promove a diversidade, e caracterizando-se com um ponto positivo para o livro, já que essa característica impede que o livro torne-se monótono.
Outro ponto a considerar é sua riqueza vocabular. Para entendê-lo de maneira satisfatória, é necessário atenção às palavras e expressões estrangeiras. Inglês, latim e alemão são os idiomas com maior quantidade de palavras estrangeiras presentes no livro. Cabe ressaltar também que mesmo em português, há palavras que são utilizadas por autores específicos, e que um simples dicionário ou apenas o conhecimento etimológico podem não ser suficientes para entender completamente o conceito por trás da palavra. São os casos, por exemplo, das palavras biopolítica e biopoder, utilizadas mais amplamente na obra de Michel Foucault.
Entretanto, ao leitor interessado e atento, essa riqueza por certo não constituirá um obstáculo, ao contrário. Isso contribui para inserção do leitor dentro do cosmos comunicacional, sendo imprescindível para o entendimento do conteúdo do livro, a pesquisa de cada termo desconhecido, e adequação deste ao contexto específico proposto pelo livro.
Além disso, durante todo o livro, Fábio Malini e Henrique Antoun, articulam com grande habilidade uma gama de autores tanto para fundamentar quanto para contrapor as teses abordadas. Ganham destaque nessa discussão principalmente, Gilles Deleuze, Félix Guattari, Antonio Negri, Howard Rheingold, Piérre Levy e Lawrence Lessig, além de Michel Foucault em um trecho fundamental sobre lutas antidisciplinares.
A leitura deste livro é recomendada para todos os interessados na área de TIC’s e midiativistas. As informações dispostas neste livro, são úteis tanto para pesquisadores da área de comunicação e informática por exemplo, quanto para todos aqueles que desejam entender os meandros da mídia corporativa, a construção da realidade e o “hackeamento” das narrativas massivas/corporativistas.
Sobre os autores do livro:
Fábio Malini é midiativista, blogueiro, possui Doutorado em Comunicação e Cultura (UFRJ) e é professor no Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Espírito Santo, onde coordena o Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (labic.net).
Henrique Antoun é midiativista, blogueiro, possui Doutorado em Comunicação e Cultura (UFRJ), professor na Escola de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde coordena o CIBERCULT, Laboratório de Pesquisa em Comunicação Distribuída e Transformação Política.
________________________________________________________________________________
Sávio L. Lopes é professor, ativista do movimento de software livre e blogueiro.
P.S¹: Para não comprometer a estrutura da resenha, compartilho um trecho do livro resenhado, por ser extremamente relevante para o momento em que vivemos (sem Marco Civil da Internet – a versão da consulta pública, com neutralidade de rede, remoção de conteúdo só com ordem judicial – , com a denúncia de Edward Snowden de espionagem generalizada por parte dos Estados Unidos, e por muito mais:
“Há aqueles que poderiam, cinicamente, responder: “Eu prefiro isso a estar sob a censura moderna dos amigos cubanos, chineses e egípcios”. Mas é sempre bom lembrar: tudo que é seu e é dos outros, na verdade, é de propriedade de quem lhe hospeda, que é aquele que possui todo direito de lhe colocar no olho da rua e retirar de você a sua capacidade de se relacionar e de cooperar em rede. Zerar seus seguidores, zerar seus amigos, zerar seus aplicativos, zerar seus plugins, zerar suas conversações. Zerar a sua rede. E não há ninguém a quem se possa recorrer, porque a justiça do Estado pós-moderna não advoga para garantir os direitos, mas para bloqueá-los.”
P.S²: Você pode adquirir o livro aqui ou aqui.
0sem comentários ainda
Por favor digite as duas palavras abaixo