O Marco Civil recebeu, no Congresso, dispositivos nocivos à privacidade. Em especial, no que se refere à guarda de logs. A lei (12.965/14) trata de três tipos de logs: os registros de conexão, os de acesso a aplicações de internet na conexão, e os de acesso a aplicações de internet na provisão de aplicações.
O registro de conexão é o conjunto de informações de data, hora de início e de término de uma conexão à internet, duração da sessão e endereço IP utilizado para troca de dados. As forças de segurança, em geral, consideram esses registros de conexão uma pista para esclarecer crimes, pois podem identificar que ponto da rede usa determinado IP em um determinado horário. Os que defendem esse argumento esquecem, porém, que criminosos usam ferramentas para mascarar essas informações, o que dificulta, e até impede, sua identificação.
Aplicações de internet, para o Marco Civil, são funcionalidades que podem ser acessadas por um terminal (computador, smartphone, tablet etc.). Qualquer site, rede social, ferramenta de busca entra nessa classificação. Os registros de acesso a aplicações, tanto no acesso, quanto para uso de outras aplicações, trazem data e hora de uso a partir de um IP. Normalmente, já são armazenados pelas empresas que criaram o site. Com esses dados dá para traçar um perfil do público e ofertar publicidade direcionada, por exemplo.
Um ponto positivo é o artigo 14, que proíbe o provedor de conexão de guardar as informações sobre a navegação dos usuários. De acordo com Sérgio Amadeu da Silveira, professor da Universidade Federal do ABC e um dos fundadores do coletivo Actantes, organização que defende a privacidade, a segurança e a liberdade na rede, o objetivo é impedir a quebra de privacidade, uma vez que só podemos navegar na rede a partir de uma conexão fornecida por uma operadora de telecomunicações. Ou seja, tudo o que fazemos online passa pelos cabos e fibras dessas empresas. “Para evitar que as operadoras tenham todas as informações sobre nossa vida digital, o Marco Civil proíbe que o provedor de conexão armazene nossos dados de navegação”, explica.
“Em compensação, o artigo 15 incentiva o desenvolvimento de um mercado da vigilância ou da interceptação de dados pessoais”, adverte. Empresas como Google, Yahoo e Facebook, entre outras, guardam os dados de navegação dos usuários para definir perfis de comportamento, de consumo e até ideológicos, mas a lei faz vista grossa. Amadeu alerta: “O Marco Civil, ao obrigar, em vez de restringir, a guarda de logs de aplicação, amplia e legaliza esse mercado de observação e análise de nossas vidas, que é estabelecido pela redução crescente da privacidade e da intimidade dos cidadãos”.
A sociedade deve ficar atenta à regulamentação da lei, que vai determinar como o Marco Civil vai funcionar, na prática. Essa regulamentação será feita pela Presidência da República, que vai ouvir a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e o Comitê Gestor da Internet (CGI.br). “O ideal é que o projeto de regulamentação seja submetido à consulta pública online antes de virar decreto presidencial”, ressalta Amadeu. Dilma Rousseff já determinou esse compromisso. Avisou, em entrevista online, concedida aos usuários do Facebook, que o texto da regulamentação passará por consulta pública antes de entrar em vigor.
Outro problema do artigo 15 é que, após os seis meses em que os dados devem ser guardados sob sigilo, as fornecedoras de aplicação poderão repassá-los a empresas especializadas em processar informações e realizar cruzamentos que comprometem a privacidade. “Apesar de o texto enfatizar que a segurança dos dados armazenados é fundamental, só seria efetiva para o cidadão se os dados não pudessem ser reunidos e armazenados”, conclui Amadeu. Para ele, este item acaba estabelecendo o pressuposto de que somos todos potenciais criminosos. “O Marco Civil, se quiser cumprir sua finalidade de defender a privacidade, deverá, em breve, ser revisto e ter os artigos de guarda de logs reformulados”, defende.
Por Rafael Bravo Bucco.
Fonte: ARede
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