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A produção cultural e os direitos autorais

26 de Março de 2013, 21:00 , por Desconhecido - 0sem comentários ainda | No one following this article yet.
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27-03-2013_fernando-anitelli

Quando a gente fala de Direitos Autorais, nos questionamos, com medo – Os Direitos Autorais vão sumir? Quem é autor, compositor, quem trabalha com produção cultural, pode perder esse direito? E em função disso, eu vou perder minha única forma de sobrevida?

Temos a necessidade de formar e informar não somente quem produz cultura, mas também quem consome. Todo mundo deve saber do que se trata, como funciona essa máquina que já está engessada há muito tempo.

Darei aqui um pequeno testemunho meu, como músico e produtor cultural. Há alguns anos atrás, eu fui contatado por uma gravadora pra poder gravar um CD com eles. Começamos a gravar, e lá pela oitava ou nona música, o dono da gravadora liga dizendo: “Regrava tudo, em versão Forró e Ska, porque nesses ritmos é que vocês vão fazer sucesso”. Eu disse: “Não faz sentido! Não tem a ver com nossa proposta!” Após longa discussão… gaveta! Nosso projeto ficou engavetado por quatro anos.

Outra questão que surge: quanto tempo um artista deve ficar enjaulado em um contrato onde não há nenhum retorno para ele?

Quando falamos de música, surge a dúvida: você ouve música aonde? Nos casos de rádio e na TV – ambos são concessões dadas pelo Estado a um indivíduo administrar a comunicação de maneira democrática. Mas não é o que acontece. O que vemos é o “jabá” reinando em todas as programações de rádio e TV. Para você estar em alguma programação dessas mídias de massa, você deve pagar caro por isso. Tanto que quando algum artista consegue pontualmente aparecer em alguma dessas programações, o pessoal fica impressionado. É um absurdo, só se entra nesse mercado pagando caro e fazendo conchavo.

Na verdade, essas concessões são nossas – nós deveríamos ocupar muito mais esses espaços. Em uma analogia: estamos conseguindo colocar uma bandeirinha na Lua usando um foguete que construímos no quintal de casa.

Outro dia, um cara chamado Rick Bonadio, o ícone da cultura engessada e capitalista, disse que O Teatro Mágico (grupo de Anitelli) era uma exceção. Eu disse “Não, nós somos uma possibilidade, há muitos outros grupos do país inteiro em festivais organizados por pessoas que entendem a necessidade destes festivais, destes encontros e do compartilhamento não somente virtual, mas também da relação física”. E então, Bonadio declara publicamente a um portal virtual que “música na Internet é uma porcaria”. Eu penso que, na realidade, a música do jabá é uma porcaria. É impossível que o jovem no Brasil queira escutar as mesmas músicas dos mesmos artistas semi-adolescentes, ou mesmo daqueles mais velhos, que quando você acha que a carreira dele vai acabar, ele lança um Acústico MTV e retoma todo aquele semi-sucesso dele.

Dentro desse cenário, vemos que o Ecad é complascente com tudo isso. O Ecad já multou O Teatro Mágico porque nós tocamos nossa pŕopria música. Eu deveria ter avisado o Ecad com quinze dias de antecedência qual música eu iria tocar e aonde seria. Perguntei: “e se o público pedir ‘bis’ e a música não estiver no meu setlist?” “Nós estamos protegendo a sua obra”, diz o representante do Ecad. “Protegendo minha obra de mim mesmo?” E o Ecad não consegue responder a essas questões. Parece operadora de telefonia, você se dirige ao atendimento e nunca consegue chegar num acordo comum.

O Ecad faz um recolhimento por amostragem. De tudo que se toca em rádio comunitária (que não deveria ser cobrada porque tem outra relação com a comunidade) e das rádios grandes, e de tudo que se recolhe, eles só repassam algum valor para os artistas das, digamos, 600 músicas mais tocadas. Aí eu pergunto: de quem são essas 600 músicas mais tocadas? São de quem paga o jabá, que pagam para estar ali. Então, a Rádio USP toca a minha música (porque ela não cobra jabá), mas quem recebe o meu dinheirinho por ter tocado na rádio é o NXZero e a Ivete Sangalo, pelas mãos do Rick Bonadio e de quem paga o jabá. Isso é completamente errado!

Recentemente, o grupo Nenhum de Nós fez uma apresentação em Belo Horizonte, e no meio do show, eles resolveram cantar uma música para o baixista da banda que estava de aniversário, e cantaram “Parabéns a Você”. O Ecad quis cobrar direitos autorais sobre a versão em português do “Parabéns a Você”. Se a gente acreditar num órgão que acha que eu devo pagar pela canção “Parabéns a Você” e acha que eu devo pagar pela minha música, eu sou louco. O Ecad está promovendo verdadeiros absurdos.

A gente pensa que a música na Internet é “livre” e que o autor não ganha. Dando alguns números, dentro da conjuntura atual, de Internet com abundância de conteúdo gratuito: O Teatro Mágico já vendeu mais de 200 mil CD’s e cerca de 40 mil DVD’s – entretanto, nenhuma rádio toca nossas músicas. Disponibilizamos gratuitamente todas nossas músicas na Internet. Se a pessoa não tem como comprar, ela pode baixar – ela tem acesso. Lutamos pelo acesso livre aos meios culturais. Isso não faz com que o autor ou compositor deixe de ganhar. Temos que pensar em outras relações econômicas como artistas, enquanto existe este esquema do jabá. E temos que, além de divulgar ao público em geral como funciona essa máquina engessada, temos que pensar a flexibilização dos direitos autorais. Utilizamos o Creative Commons para licenciar as músicas d’O Teatro Mágico – aberto para baixar, repassar, remixar, desde que se cite a fonte.

A “minha” obra não é minha: para que a minha obra existisse, eu tive que ouvir e consumir outros produtos culturais, para que eu pudesse retornar isso à minha maneira. Nada vem “do zero”; precisamos ter acesso, precisamos compartilhar, precisamos debater, mas sempre de maneira transparente.

Fonte: Reforma dos Direitos Autorais – Fernando Anitelli e Observatório Pirata
Transcrição: Felipe Magnus Gil


Fonte: http://www.revista.espiritolivre.org/a-producao-cultural-e-os-direitos-autorais

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