Em meio à crise diplomática entre Estados Unidos e Europa devido às acusações de espionagem, a empresa Deutsche Telekom, parcialmente controlada pelo Estado alemão, quer que as empresas locais de comunicações cooperem para blindar o tráfego da Internet contra a ação de serviços de inteligência estrangeiros.
Mas esse esforço incipiente, que ganhou urgência após a Alemanha revelar na quarta-feira que encontrou indícios de espionagem norte-americana contra o celular da chanceler alemã, Angela Merkel, pode não passar de um golpe publicitário.
A blindagem não funcionaria, por exemplo, quando alemães navegassem em sites hospedados em servidores no exterior, como é o caso do Facebook e do Google, segundo entrevistas com seis especialistas em Internet e telecomunicações.
A Deutsche Telekom também teria problema em atrair seus concorrentes entre os provedores de Internet banda larga, já que essas empresas ficariam incomodadas em partilhar informações sobre suas redes.
Acima de tudo, a iniciativa contraria a forma como a Internet funciona hoje — com tráfego global passando de rede em rede, sob acordos gratuitos ou pagos, mas sem qualquer consideração por fronteiras nacionais.
Se mais países se murarem dessa forma, poderia ocorrer uma perturbadora “balcanização” da Internet, afetando a abertura e eficiência que fizeram da web uma fonte de crescimento econômico, segundo Dan Kaminsky, pesquisador de segurança dos EUA.
Os controles sobre o tráfego da Internet costumam ser vistos mais habitualmente em países como China e Irã, cujos governos buscam limitar o conteúdo que pode ser acessível aos seus cidadãos. Para isso, eles instalam “firewalls” de abrangência nacional e bloqueiam sites como Facebook e Twitter.
“É internacionalmente sem precedentes que o tráfego de Internet de um país desenvolvido ignore os servidores de outro país”, disse Torsten Gerpott, professor de negócios e telecomunicações na Universidade de Duisburg-Essen. “A iniciativa da Deutsche Telekom é louvável, mas é também uma manobra de relações públicas”.
O projeto da Deutsche Telekom, empresa que é 32 por cento controlada pelo governo, já recebeu o aval da agência reguladora de telecomunicações, por potencialmente garantir mais opções aos consumidores.
Em agosto, a empresa já havia lançado um serviço apelidado de “email made in Alemanha”, que criptografa mensagens e as envia exclusivamente por servidores domésticos.
Vigilância
A vigilânca governamental é um assunto delicado na Alemanha, país que tem uma das mais rigorosas legislações do mundo para questões de privacidade. Qualquer alusão à espionagem evoca lembranças das atividades da Stasi, polícia secreta da extinta Alemanha Oriental, comunista, onde Merkel cresceu.
A suposta espionagem norte-americana dominou a cúpula europeia de Bruxelas na quinta-feira, levando Merkel a exigir dos EUA a assinatura até o final do ano de um acordo de “não espionagem” com a França e a Grã-Bretanha.
Na mesma semana em que o governo alemão disse ter provas da espionagem contra Merkel, publicações da França e da Itália revelaram que esses países também eram alvo das atividades norte-americanas.
Antes de chegar aos países europeus, as denúncias de espionagem dos EUA já tinham atingido o Brasil. A presidente Dilma Rousseff cancelou uma visita de Estado que faria a Washington este mês após denúncia de que teve suas próprias comunicações pessoais monitoradas pela Agência de Segurança Nacional norte-americana.
Após as denúncias, Dilma lançou um plano para obrigar as empresas de Internet a armazenar dados de usuários dentro do país.
Enquanto a polêmica se espalha, especialistas em Internet e telecomunicações dizem que a retórica superou as mudanças práticas que poderiam ser esperadas com o projeto da Deutsche Telekom. Mais de 90 por cento do tráfego alemão da internet já permanece dentro das fronteiras nacionais, segundo Klaus Landefeld, conselheiro da organização sem fins lucrativos que mantém a DE-CIX, ponto de interconexão da internet em Frankfurt.
Outros observam que a preferência da Deutsche Telekom por ser paga por outras redes ao transportar o tráfego até o usuário final, em vez de fazer acordos de “pareamento” sem custo, conflita com o objetivo de manter o tráfego dentro da Alemanha. Pode ser mais barato ou mesmo gratuito para o tráfego alemão passar por Londres ou Amsterdã, onde a comunicação poderia ser interceptada por espiões estrangeiros.
Fonte: G1
0sem comentários ainda
Por favor digite as duas palavras abaixo