Você já sabe que o governo americano espionou centenas de milhares de cidadãos americanos e do mundo, mas quantos exatamente foram os que tiveram sua privacidade invadida? Os números precisos ainda não foram divulgados, se é que é possível chegar a um total, mas de uma coisa o jornal The Washington Post tem certeza: 90% dos “investigados” não têm relação alguma com terrorismo ou qualquer tipo de atividade ilegal.
As revelações vêm de mais uma sequência de documentos revelada por Edward Snowden, o ex-analista de segurança que, há um ano, iniciou uma sequência de denúncias que motivaram no conhecimento público das operações de espionagem da NSA e nas mudanças destes mesmos métodos. Agora, ele se encontra no fim da liberação de suas informações confidenciais e, aparentemente, guardou “o melhor” para o final.
De acordo com a publicação, nove em cada dez donos de contas espionadas pela agência não tinham relação alguma com suspeitas de terrorismo ou qualquer ameaça à segurança nacional. Em sua maioria americanos, eles acabaram capturados em redes de obtenção de dados criadas com foco em outras pessoas. Assim, a posse de tais informações pela NSA não necessariamente significa que ela realmente olhou os dados. Mas ela poderia, se desejasse.
É essa condicional que torna tudo mais complicado e perigoso. Segundo o Washington Post, pelo menos metade dos arquivos encontrados em possa da NSA continham informações como nomes completos e endereços de e-mail. Muitos foram ocultados automaticamente pela agência – cerca de 65 mil –, mas pelo menos 900 podiam ser lidos sem problema algum, e eles não necessariamente estavam relacionados a suspeitos de terrorismo.
Por outro lado, o jornal pondera, existem sim informações de valor entre esse montante. A publicação fala sobre isso rapidamente, de forma a não interferir nas operações em andamento, mas cita a existência de documentos relacionados a projetos nucleares estrangeiros, uma calamidade militar em uma potência nada amistosa, dados de hackers que tentaram invadir sistemas de infraestrutura americanos e, ainda, indícios de negociações entre aliados dos Estados Unidos e potências rivais.
Além disso, o rastreio de comunicação levou à captura de construtores de bombas paquistaneses e suspeitos de atentados contra embaixadas dos EUA em diversos países da Ásia. As prisões foram resultado de uma operação que durou meses e teria passado por mais de 50 contas de email falsas.
Olhando dessa forma, parece que tudo correu para o bem. O problema é que as informações realmente úteis para fins de segurança nacional e proteção dos Estados Unidos são apenas uma pequena parcela do montante. Na maioria das comunicações rastreadas, o que se vê são detalhes sobre a vida pessoal, dilemas, problemas e segredos de dezenas de milhares de cidadãos, informações que não têm nada que estar nas mãos de autoridades locais ou internacionais.
O Post não sabe exatamente qual a parcela dos dados interceptados que pôde ser analisada. Mas informa que teve acesso a 160 mil e-mails e conversas de softwares de comunicação instantânea, incluindo fotos compartilhadas (nem todas comportadas), além de quase 8 mil documentos obtidos online. Todo esse montante teria sido obtido a partir do acesso não-autorizado a 11 mil contas de diversos usuários entre 2009 e 2012.
Informação “inútil”
As revelações colocam mais lenha na fogueira de um debate que já acontece há meses e critica durante a NSA por sua atuação com relação ao combate ao terrorismo. Em nome da segurança nacional, a agência tem invadido ostensivamente a privacidade de milhares de cidadãos.
Oficialmente, a organização pode realizar ações de vigilância apenas contra suspeitos de terrorismo residentes no exterior, enquanto nos EUA, toda e qualquer operação do tipo precisa ser aprovada judicialmente. O que se vê é exatamente o oposto disso, com grandes redes de interceptação sendo criadas para, no intuito de encontrar dados sobre ameaças ou conspirações, coletar dados de forma ostensiva.
De acordo com o The Washington Post, investigações do tipo, que envolvem o grampeamento de telefones ou conexões de internet, invariavelmente incluem comunicações que não necessariamente se relacionam ao caso em questão. Mas, ao contrário de forças policiais ou do FBI, por exemplo, a NSA não faz esforço algum para descartar os dados que não têm interesse algum para fins de vigilância. Pelo contrário, tais informações permanecem armazenadas em servidores por meses e meses, anos e anos, podendo ser consultadas a qualquer momento.
O jornal acredita que a parcela de cidadãos, americanos ou não, atingidos por projetos de vigilância como o PRISM e outros possa ser maior que as 900 mil pessoas informadas pelo governo no final do ano passado. É uma parcela gigantesca de gente espionada para um pequeno número de dados realmente relevantes, e um total menor ainda de operações que efetivamente resultaram na prisão de suspeitos ou culpados de ataques.
O perigo, como citado pelo próprio Snowden, é de que forma essas informações podem ser utilizadas. O ato, em si, já ultrapassa a “barreira da proporcionalidade” que transforma uma operação em bem-sucedida ou não, mas ainda assim, a NSA seguiu adiante. Agora que tudo está cada vez mais exposto, resta saber o que exatamente será feito e quais as mudanças que as revelações do ex-analista terão sobre as operações da agência.
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